Depoimento Clássico muito verde – uma visão do futuro

    Recentemente, passei dois bons serões a folhear o Depoimento, livro escrito por Marcello Caetano, antigo Presidente do Conselho durante o Estado Novo. A qualidade que o professor catedrático apresentou no manual mesclou uma estrutura que doseava a propensão para a imaginação – aquela insanidade que não ultrapassa a razoabilidade – e a solidez dos factos analisados sob a perspetiva democrática do povo português: o dever clamava, o serviço à Pátria querida não podia ser ignorado, mesmo com a esposa doente e debilitada. Só quem leu está a par da comoção que instantaneamente nos assola.

    A aprendizagem que da leitura se pode retirar não é quantificável. O livro é lançado em 1974 e consegue, a certa altura, com perícia e capacidade de perceção aguda, contrariar e refutar a última edição da Visão História referente a 2022, apresentando um argumento que só escapa a quem não convive diariamente com a lógica proposicional. “Wiriyamu não aparece no mapa”. Mas qual massacre? Como é que se pode falar de um massacre sabendo que a zona não está marcada com um xis e sabendo que o xis marca o lugar que neste caso é Wiriyamu? Não brinquem com a Filosofia, imprensa nacional e internacional.

    Limpei as lágrimas que riam pelo rosto, esfreguei-o duas ou três vezes com as palmas das mãos e reparei que era quinta-feira de manhã. Ainda ia a tempo de preparar o Clássico de domingo à tarde. A diversão tem limites e a minha não é exceção.

    Sporting
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    Normalmente, costumo escrever “O Sporting CP vai vencer” 50 vezes numa folha de papel, repetir aquilo em voz alta como se declamasse um poema e mandar um beijinho para Deus. Por vezes, fruto do esquecimento, não planeio este ritual e acontecem coisas tristes. Desta vez, ousei e reconheço que a brincadeira pode sair cara. Eis o que me passou pela cabeça: escrever o nome de cada jogador do plantel numa folha de papel a mesma quantidade de vezes, seguido da frase “diga não ao comportamento insurreto” e só depois proferir o lema do costume. Coloquei alarme no telemóvel às cinco horas da manhã de domingo encetar a tarefa porque quero ver o jogo sossegado e sem preocupações.

    Em dias como o que se avizinha, a alimentação também requer cuidados especiais. Há alguns anos, estabeleci uma regra: antes de um Sporting CP x FC Porto, só posso ingerir produtos alimentares de cor verde sem repetir ementas. Parece difícil, não parece!? Lembro-me que, no dia da final da Taça de Liga, o meu pequeno-almoço foi uma caneca com um chá oriundo de uma ervanária e uma maçã e o meu almoço foi à base de creme de hortaliça e kiwi e Sumol. Para dia 12 de fevereiro, já fui encher o frigorífico de bebidas detox e pepino, rúcula, abacate, espinafres, maçãs para um belo de um esparregado.

    Fonte: Rafael Ferreira/Bola na Rede

    Ao contrário do que se possa pensar, não é inútil reforçar o padrão a vestir e calçar: tudo o que se assemelhar a uma mistura entre o Hornswoggle, o Grinch, o Yoda, o Hulk e o Frankenstein está pronto para assistir ao Clássico e confiar nas figas e no Fado. Quem fugir disto está tramado.

    Quanto aos produtos de higiene, o mesmo princípio se aplica: escova e pasta dos dentes verde, o desodorizante de aloé vera que se compra no Mercadona e Garnier Fructis Agua de Coco. É a sequência mais segura a adotar, porque a embalagem de determinados shampoos é da cor da relva e induz em erro o consumidor, que compra grilo por gafanhoto. Garanto que sai do processo de higienização pessoal revitalizado.

    Para o caso de a sua casa não estar equipada com máquina de lavar a loiça, utilize Fairy Ultra Original ou aquele bidon de lava tudo de limão com corante esverdeado. E, para o caso de gostar da companhia da televisão enquanto come, sintonize na SIC – ou aceda à OPTO – e assista ao Quem Quer Namorar com o Agricultor?, mas fixe somente os planos que enquadram as paisagens. O resto fica para a audição laborar.

    – Espera lá, Romão… Recua um bocado…. Estava aqui a ler-te e não estou a perceber a transição que fizeste. Começas com uma referência a um livro do Marcello Caetano e depois desaguas em rituais estúpidos? Isto tem que ver com futebol em que medida? Podes ser específico? És tão super…

    Supersticioso? Eu? Onde? Indiquem as passagens dos meus textos nas quais dei mostras de superstição! Nunca o fui, nem nunca vou ser! Se encontrarem a frase “no futebol, eu sou supersticioso”, sim senhor, estão de parabéns. Procurem bem! Tirem o tempo que destinam aos vossos hobbies para estudar e aprofundar o problema que colocam.

    Espero, daqui a 50 anos, não ler artigos infundados e factos distorcidos daquela que era a realidade em 2023 em qualquer meio de comunicação. Digam não à conspiração!

    Aqui jaz o meu depoimento.

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    Romão Rodrigues
    Romão Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.