Dois pesos e duas medidas também na defesa dos jornalistas

    – Portugal passou por duas eleições nos últimos meses. Qual a posição do SJ sobre a cobertura desses dois actos eleitorais pelos media, sobre o que foi bem e mal feito, sobre o que pode ou não melhorar, etc.? Tirando uma curta nota de imprensa onde se afirma que os espaços de comentadores políticos ligados a partidos “deviam ter sido suspensos” durante a campanha, nada mais foi dito;

    – no último dia de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto comentador da TVI, e pouco tempo antes da campanha para as Presidenciais, os jornalistas mais mediáticos da estação deixaram-se fotografar na companhia do então futuro candidato, naquilo que pode ser entendido como uma tomada de posição política. Por que motivo o SJ não se pronunciou?

    a TVI desempenhou um papel importante na desvalorização abrupta do Banif, servindo como possível intermediário para uma compra deste banco pelo Santander a baixo custo (o canal português e o banco espanhol pertencem ambos à Prisa). Os sindicatos da banca fizeram queixa da estação de televisão, mas o SJ não tomou qualquer posição pública, fosse neutra, contra ou a favor da TVI. Porquê?

    – por que razão não se conhece nenhuma posição recente do SJ face ao engodo das chamadas de valor acrescentado que as televisões promovem e através das quais se financiam? A avaliar pelo site, o único texto que o SJ consagrou a esta temática data de 1996 – faz em Julho duas décadas

    – por que razão não se conhece nenhuma tomada de posição pública do SJ quando o marido da então ministra Maria Luís Albuquerque ameaçou um jornalista do Diário Económico?

    – o jornalista angolano Rafael Marques é perseguido pelo regime do seu país por denunciar a corrupção e o uso de tortura. Publicou no ano passado, em Portugal, o livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, e esteve novamente em foco no nosso país aquando da greve de fome de Luaty Beirão e dos restantes activistas angolanos. Nessa altura, de todos os partidos representados no Parlamento, apenas um foi favorável à condenação da repressão em Angola. O Sindicato dos Jornalistas não esboçou até hoje, que se saiba, qualquer reacção de solidariedade para com o papel que um camarada de profissão angolano tem desenvolvido no seu país natal, colocando em risco a própria pele. Porquê?

    – por que motivo o SJ adoptou uma atitude passiva aquando da entrada em força do magnata angolano António Mosquito na Controlinveste, proferindo apenas chavões como “identidade” e “independência” em lugar de se mostrar profundamente preocupado pelo facto de uma parte dos media portugueses ficar nas mãos de uma ditadura?

    – em Janeiro de 2015, José Rodrigues dos Santos fez uma cobertura vergonhosa das eleições gregas – independentemente da opinião de cada um sobre o tema – tecendo opiniões, tentando fazê-las passar por factos, fazendo generalizações simplistas e/ou abusivas, não ouvindo os dois lados do mesmo problema, etc. Perante tal deturpação do conceito de jornalismo, por que motivo o SJ não achou pertinente vir a público fazer um comentário?

    – Henrique Cymerman, jornalista luso-israelita, foi autor de uma reportagem para a SIC na qual usou algumas imagens encenadas como se fossem realidade e onde disse que houve “israelitas mortos e palestinianos eliminados, abatidos”. Esta conduta não mereceu críticas por parte do SJ. Porquê?

    – o mesmo jornalista foi alvo de críticas por ter entrevistado José Eduardo dos Santos, presidente de Angola, numa conversa subserviente que serviu para o ditador reabilitar a sua imagem na Europa. Foi também escolhida uma inaudita hierarquização das perguntas, que incluíram referências a Israel que apenas se entenderiam caso o jornalista estivesse a contar vender a sua reportagem ao governo israelita, como veio a acontecer. Por que motivo o SJ não falou?

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    Por que motivo a actual direcção do SJ não achou pertinente tecer um comentário sobre esta cobertura de Rodrigues dos Santos?

    Como se viu, não será por falta de tema que o SJ nem sempre tem actuado. É certo que não é por os presidentes de Benfica e Porto terem comportamentos incorrectos que BdC também os pode ter. Mas importa frisar que a menção dos nomes de dois jornalistas do jornal O Jogo ocorreu no seguimento de uma notícia (BdC não foi ao balneário depois do derby) que os próprios Record e A Bola provaram no próprio dia não corresponder à verdade. Percebe-se que o SJ queira defender os jornalistas e, enquanto futuro profissional, agradeço. Também não é por o meu clube ser o Sporting que deixo de reconhecer que BdC, presidente a quem estou muito grato por ter recuperado o meu clube, por vezes desajuda mais do que ajuda no que toca à gestão de ânimos, independentemente de os seus homólogos rivais fazerem o mesmo. Bem sei, também, que a actual direcção do SJ tomou posse há pouco mais de um ano e que é, por isso, alheia a boa parte das antigas decisões aqui lembradas. Mas, na hora de apontar o dedo, tem de haver a tal equidade de que se falava, sob pena de se cair na injustiça.

    Esta semana, Fernando Correia deu conta do comportamento pouco profissional de muitos colegas seus na bancada de imprensa do Sporting-Benfica, dizendo que nunca tinha visto tantos jornalistas festejarem um golo – neste caso, das águias – sem se preocuparem com o facto de estarem ali em trabalho. Eu próprio assisti na mesma bancada, aquando do Sporting-Belenenses desta época, a dois jornalistas de um conhecido órgão desportivo que se sentaram ao meu lado e que, na hora do penálti tardio que deu a vitória aos leões, proferiram alto frases como “Eu sabia que isto ia acontecer” e “Epá, como é que é possível! Outra vez??”, isto depois de terem passado o jogo a dizer coisas do tipo “vai, chuta” das poucas vezes que os visitantes tentavam atacar.

    Há uns anos fui com amigos benfiquistas ver um Benfica 0-3 Académica e, apesar de ter saído feliz do estádio, não esbocei qualquer reacção nos golos. Tive atenção a isso porque, se fosse ao contrário, veria a atitude como um desrespeito. Ora, se um jovem de 16 ou 17 anos percebe isto e consegue controlar-se, como é que um jornalista adulto não há-de-conseguir? Embora possa não parecer, isto tem tudo a ver com a temática aqui tratada: ao contrário da maioria, não acredito na imparcialidade, mas acredito na seriedade e no rigor. Quando essas duas características não existem, também não existe jornalismo.

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    Fernando Correia e o desrespeito de vários jornalistas

    É certo que, por muito sério que seja, um jornalista não está, infelizmente, livre de sofrer consequências menos agradáveis. O futebol é de facto “um campo de paixões”, como diz o SJ no comunicado que motivou este texto, e tenho visto que são os jornalistas que pagam pelos erros e pela conduta dos seus superiores, alguns dos quais já pouco saem do conforto dos gabinetes e/ou das almoçaradas com directores de comunicação. Nesse caso, os dirigentes desportivos têm, de facto, um papel a desempenhar. Mas é curioso que se aponte o dedo ao Sporting quando foi o Benfica o responsável por colocar na órbita mediática Rui Gomes da Silva, Pedro Guerra e Diamantino, os seres mais inclassificáveis da televisão portuguesa (sobretudo o do meio), que têm a desinformação e a instigação de ódios como únicas finalidades. O SJ faria melhor, aliás, em pugnar pelo cessar de funções de Pedro Guerra. É aviltante que tal personagem esteja habilitada a possuir carteira de jornalista.

    José Saramago, único Nobel da Literatura português, ficou famoso pelos seus romances. Escreveu, contudo, uma peça de teatro, bem menos mediática, em que dá conta do carácter subserviente do jornalismo antes do 25 de Abril face ao status quo. É certo que há coisas bem mais importantes do que o futebol. Mas, em “A Noite”, o servilismo do director do jornal, autêntica marioneta dos homens do poder, lembra bem o quão fácil é para quem está “na mó de cima” pôr e dispor dos meios de informação para propagar as suas verdades.

    Desengane-se quem pensa que esse tipo de promiscuidades é coisa do passado, ou que se circunscreve ao mundo da política e dos negócios. O resultado da propaganda benfiquista nas televisões e jornais, cozinhada em almoços e jantares por vezes pouco discretos, só será surpresa para os olhos mais distraídos ou mais obnubilados pela clubite encarnada. Enquanto futuro jornalista, a mim causa-me muito mais confusão constatar que a classe a que conto pertencer está sempre refém de quem manda. É assim na política, é assim nos negócios, é assim no desporto. O jornalismo enquanto “quarto poder” – ou seja, guardião da democracia, o papel que na faculdade nos vendem para nos fazer crer que somos indispensáveis – não passa de uma piada cada vez mais distante. E, no que toca ao desporto, o Sporting, instituição que quer renascer e está a abanar o poder instalado, é quem paga.

    Foto de Capa: Site oficial do Sporting CP

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