«Golo de Charisteas? Não foi por esse lance que perdemos a final» – Entrevista BnR com Ricardo

    – Esforço, dedicação, devoção e… pressão –

    “Em Portugal, fizesse o que fizesse, já não me sentia valorizado”

    BnR: Contas feitas e arrecadas todos os troféus internos ao serviço do Boavista, antes do agitado Verão de 2003. Em novembro de 2017 disseste que “Há coisas que devo contar se calhar um dia, mas hoje não”. Pergunto-te se hoje é o dia?

    RP: Ainda não será hoje. Há pessoas com muita responsabilidade ainda no ativo. A única coisa que te digo sobre isso é que fui para onde quis e para onde me quiseram; para onde fizeram tudo e me respeitaram a 100% como Homem e profissional.

    BnR: Porque é que decidiste não ir para o Benfica e seguir para estágio com o Boavista?

    RP: Estava tudo acordado entre o Boavista e o Benfica, só faltava a minha palavra, mas por situações que não vou revelar, as coisas não se desenrolaram da maneira mais cordial. Podes entrevistar o mister Camacho e perguntar-lhe o que aconteceu. Se calhar, conta-te melhor… falei várias vezes com ele, com muitas pessoas, e foi uma decisão que tomei em consciência e voltaria a fazê-lo novamente.

    Foi um Verão muito quente, muito difícil, foi um desgaste emocional tremendo (…) um dia conto-te a verdade: para onde estive mais perto de ir, não era para o Benfica, e nunca ponham em causa que foi pelo dinheiro. Estive perto de outros clubes que me pagavam muito mais que Benfica e Sporting e não fui.

    BnR: Que clubes eram esses?

    Estrangeiros e nacionais.

    BnR: Não queres revelar quais?

    RP: Já chega. [risos]

    Fonte: Facebook Ricardo Pereira

    BnR: De leão ao peito, defendes a baliza que outrora pertenceu a nomes como Damas e Schmeichel por mais de centena e meia de jogos. No entanto, na memória coletiva perdura o lance com Luisão na Luz e a final europeia em Alvalade. O lugar de guarda-redes é o mais ingrato dentro e fora de campo?

    RP: Se houvesse VAR, nada daquilo acontecia e o Sporting CP tinha sido campeão. Prefiro ficar com as coisas boas: jogos inolvidáveis nessa caminhada europeia; o Newcastle em casa foi uma reviravolta brutal, os jogos com o José Peseiro, com o Fernando Santos, com o Paulo Bento… mas o Sporting não era um clube fácil, que não passou momentos fáceis e nós tudo fizemos para conseguir ganhar. Sair apenas com uma Taça de Portugal soube-me a pouco.

    Em relação à tua pergunta, sem dúvida. Mas por isso é que os guarda-redes também têm um caráter e uma alma diferente. Nem toda a gente tem a coragem, o estofo e a qualidade para esta posição. Costumamos dizer na brincadeira que os guarda-redes não ganham jogos, só perdem.

    Só um aparte: lembras-te da primeira bola vulcanizada? Era a Roteiro, do Euro 2004, de uma cor acinzentada com azul-escuro, que não te dava a perceção da distância a que estava de ti. A quantidade de bolas que levávamos na tromba… não tinhas a noção, o olho não estava habituado a uma bola tão rápida e que descrevia trajetórias tão difíceis. São coisas que são feitas para que o espetáculo seja beneficiado e o guarda-redes é quem sofre.

    BnR: “Ricardo, você é um colchão muito forte para todos os guarda-redes que cá estão. Enquanto cá estiver, todos os que estão aqui têm as costas largas porque só batem em você”. Dito por um homólogo, qual foi o impacto que esta frase teve em ti?

    RP: Olha, isso foi no fim de um jogo e nem preciso de dizer o nome dele, que é hoje um grande amigo e um dos embaixadores comigo da Liga.

    BnR: Podemos dizer: falamos do Helton.

    RP: Ele é espetacular, de um caráter tremendo. Quando recebi essas palavras, de alguém que é sempre ponderado naquilo que diz, foi na minha última época no Sporting e já estava a sentir na pele, depois de todos aqueles anos de guerras de Seleção e de não ter ido para o Benfica, que tinha de sair para o estrangeiro. Gosto muito do meu país, mas quis ir para sítios que já me estavam a chamar há quatro anos, conhecer outros campeonatos e dar um novo ânimo à minha vida, porque aqui, fizesse o que fizesse, já não me sentia valorizado. As coisas muito boas que ia fazendo eram como fumo; qualquer detalhe menos bom que acontecesse comigo era escalpelizado por três dias ou quatro. Essas palavras caíram-me com estrondo e foram uma alavanca, porque quando um companheiro me diz isto (…) eles sentem, eles veem, eles ouvem. Foi de facto uma campanha que se fez durante muito tempo e várias pessoas diziam-me que desportivamente era quase impossível que um atleta tivesse um rendimento daqueles, semana após semana, com uma tremenda pressão negativa em cima dele. Essas palavras vieram carimbar o desejo de me ir embora.

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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.