«Golo de Charisteas? Não foi por esse lance que perdemos a final» – Entrevista BnR com Ricardo

    – De herói a vilão: a sina de um guardião –

    “Golo de Charisteas é um lance que vamos ficar a chorar eternamente”

    BnR: Antes de rumares a Sevilha, acompanhaste o despontar de um jovem que recentemente se tornou o guarda-redes com mais jogos pela Seleção Nacional. Já lhe reconhecias capacidade para chegar onde chegou?

    RP: Conto-te rapidamente um detalhe: o Rui estreou-se nos Barreiros, porque tive uma gastroenterite e não estava capaz para jogar; disse ao mister “É um miúdo tranquilo. É um jogo difícil, mas vai correr bem”. Correu-lhe super bem e defendeu um penálti.

    Pela maneira como trabalhava, pelas características que tinha (…) tanto eu, como o Tiago e o Nélson, juntamente com o Justino – que para além de ser um grande treinador, tinha um caráter tremendo e já conhecia o Rui das camadas jovens – sentimos logo que havia ali muita qualidade. Quando me fui embora, disse ao Paulo [Bento, treinador do Sporting à época] “Não sei o que vais fazer, mas tens ali um miúdo que, sendo suportado, é um guarda-redes de futuro. Vais levar umas quantas mocadas, ele também, mas faz parte”. O Paulo disse-me que não sabia bem, que “era perigoso e que estava a pensar ir ao estrangeiro buscar um guarda-redes mais batido” e quando eu vi que o escolhido era o Stojkovic, pelas características dos jogadores daquela região e daquela cultura, deduzi que não ia ser fácil, como veio a confirmar-se. Rapidamente o Rui passou a jogar e a passar pelo que antevi: cheguei a ver, infelizmente, o Rui a entrar para aquecimento e a ser assobiado. Hoje em dia, ninguém tem paciência para nada. Aquilo não era maneira de tratar um jogador da casa, um miúdo que viveu ali toda a vida e é um sportinguista doente. Estava ali um atleta de eleição e que, felizmente, hoje está como está.

    BnR: Rui Patrício que ultrapassou… Vítor Baía. Há dias, o ex-guardião portista afirmou ser o melhor guarda-redes português de sempre e disse que houve “interferências externas” na convocatória do Euro 2004. Que considerações te merecem estas palavras?

    RP: É melhor passar à próxima pergunta… nem vou tocar nesse tema. Cada um é feliz à sua maneira: eu sou assim, já acabei a minha carreira, sou feliz com o que tenho e com o que tive; os outros devem estar gratos pela carreira que tiveram. O Vítor fez uma carreira fantástica, eu fiz a minha – mais pequenininha, se calhar -, mas com muito sangue e suor.

    BnR: Lembrar esse Campeonato da Europa é sinónimo de sorrisos, lágrimas e luvas: as que tiraste para defender o remate do Vassel. Ainda as tens naquela espécie de altar que a tua amiga construiu?

    Fonte: Facebook Ricardo Pereira

    RP: Não é um altar, é um quadro! A minha Ana Matias fez um quadro muito giro, com várias frases que ela ia ouvindo na rua, nos estádios… está lá uma peça de um relógio que se partiu quando foi o jogo com a Inglaterra. Ficaram as luvas embalsamadas ali num quadro.

    BnR: Darius Vassel, avançado inglês que, anos depois, reencontras em Leicester…

    RP: Grande colega, grande amigo, grande caráter! Foi engraçadíssimo! No balneário foi uma risota… agora imagina as primeiras semanas, as brincadeiras que fizeram connosco. É uma pessoa muito pacata, que me ajudou a conhecer a cidade e me levou a jogar golfe com ele e com os amigos.

    Tive pena do pouco tempo que estive em Leicester, depois de ter passado momentos muito difíceis no último ano no Bétis… tive de fugir, estive quase para deixar o futebol.

    BnR: Já voltamos à experiência no estrangeiro. Voltando ao jogo frente à Inglaterra, é verdade que se não fosses tu e o Dr. Henrique Jones, o Eusébio podia ter tido algum colapso naquela noite?

    RP: [risos] Não fui eu! O doutor como estava mais pertinho sentiu que ele não estava tão bem. Eu, como tinha mais confiança, tentei transmitir-lhe que iríamos fazer tudo para que daquela vez conseguíssemos ganhar aos ingleses. No fim, quando me vem agradecer, eu disse-lhe “Tu não tens nada a agradecer! Nós é que ainda temos tanto para te agradecer, por tudo aquilo que nos deste e nos transmites todos os dias. O prazer é todo meu e fico emocionado e feliz para o resto da vida por te ter proporcionado este momento”.

    BnR: Dois anos depois, estabeleces um novo recorde de penáltis defendidos numa fase final de um mundial, mas “como é o Ricardo, pouca gente sabe”. O golo de Charisteas deixou marcas irreparáveis?

    RP: Não, porque não foi por esse lance que perdemos a final. Foi apenas um entre tantos e, se houvesse VAR, teria sido anulado, porque o Charisteas estava constantemente a fazer falta. Mas também já assumi que saí tarde e que não chego a tempo, não tenho reação. Nada se ganha ou se perde sozinho. É um lance que vamos ficar a chorar eternamente.

    Quando disse isso, referia-me ao impacto social que um elogio podia ter: não interessava muito, naquela altura, que o Ricardo fosse falado por esses méritos. A maior vitória foi, no final desse jogo em que defendi três penaltis, o árbitro da partida ter pedido licença ao Scolari para entrar no balneário e ter ido entregar-me a bola.

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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.