O imo despedaça-se com o decurso do tempo. Ecoam na índole gritos de revolta, mas emudecem-se fugazmente pelo facto de não alterarem o rumo dos acontecimentos confinados à presença assídua do Fado. E, aproveitando a deixa do ocultismo que redijo, apresento o meu espírito reacionário diante do universo das coincidências: inquietam-me as confluências macabras, porque estimulam, ao máximo, a arte de raciocinar; ora, pensar, juntar peças como de puzzles se tratassem conduzem-nos a conclusões bafejadas pela agonia.
O enredo era adequado para uma malha de David Lynch, apesar de não voltarmos a encontrar orelhas decepadas num vasto campo, o corpo de Laura Palmer ou o insólito e deformado filho de um casal. A trama solicitada padecia de um surrealismo psicológico maior e da comprovação de uma teoria fundamentada à sua maneira, só como ele sabe fazer.
Rui Jordão encontrava-se hospitalizado devido a problemas cardíacos. Curiosamente, o Sporting Clube de Portugal atravessa (uma vez mais) um período de crise alastrado a todos os postos de debate. É perfeitamente normal que, como servo da listada verde e branca, cesse a vontade de continuar a ortografar. Alérgico à conformação perante os factos, sim.
Nem os thrillers exibem um cenário tão pardacento. A psique orquestra o trilho de uma casa que se desaba e não atinge a cave da habitação. A família resguarda-se lá e está a salvo, mas as vigas começam a perder o ímpeto. E os petizes, penetrados pelo medo, bradam e iniciam um choro sofrido. A mãe abraça-os e o pai, como chefe de família, consciente da possibilidade de vacilo, não cede.
Uma metáfora que perde a quimera, face aos acontecimentos. Um goleador, uma lenda, um senhor dentro e fora das quatro linhas ingressou prematuramente no comboio com destino adverso à vida. Jamais se olvidam os festejos realizados aquando dos tentos apontados, aquela corrida junto à bandeirola de canto, sorrindo vincadamente e recebendo o calor tanto dos colegas de equipa como da legião leonina. Como ínfima parte do clã sportinguista, teço a minha homenagem a um ídolo alheio à minha geração:
Sr. Jordão, a lesão não teve cura e isso entristece-me profundamente. Os olhos reluzem uma nostalgia nunca vivida por mim pela ordem natural do tempo. O golo da sua vida era este e a bola, no último minuto, resvalou na trave. Merecia mais, muito mais. Após 1989, altura em que pendura as botas, como se profere na gíria, raras foram as entrevistas que deu e o protagonismo que quis ter. A humildade foi a característica que mais brilhou em 67 anos de existência. Inalava futebol e humanidade, facto que, no mundo onde impera a podridão, é cada vez mais inusual.
E envolvem-me, novamente, as ideias vãs. Num momento como este, as palavras nada resolvem, nada amenizam. Restam as memórias, os sorrisos, o legado de vida. Hoje, apesar da mágoa difundida pela nação, celebramos um dos maiores goleadores do peito ilustre lusitano: enalteceu Portugal, Sport Lisboa e Benfica, Sporting Clube de Portugal e Vitória de Setúbal.
Recuso-me a aceitar a realidade! O dia é cinzento, confuso e enevoado e nele subsiste um sabor acre, semelhante ao França-Portugal no Euro´84. As tropas de Platini, ingloriamente, fizeram trespassar as suas espadas no peito do capitão. Definhou-se parte da alma de Benguela!
Até sempre, senhor golo! Até sempre, rei Leão!
Foto de Capa: Sporting CP
Artigo revisto por Diogo Teixeira