Era uma vez o futebol português. Um espectáculo de alta qualidade, sem guerras nem casos, onde tudo corria às mil maravilhas. Não havia presidentes que geriam um império mafioso ao longo de mais de três décadas, nem clubes apanhados em flagrante em escutas com o objectivo de comprar árbitros, e muito menos uma promiscuidade evidente entre o Presidente do clube hegemónico e os seus homólogos da Liga e do Conselho de Arbitragem. Nunca houve registo de clubes a pagarem viagens a árbitros, nem de casos de perseguição a juízes dentro de campo ou de intimidações tais que os obrigaram a equiparem-se no corredor. Nunca houve mortes nos estádios que tenham sido ignoradas por quem tinha o dever de adiar o jogo, nem árbitros com dentes partidos e tão-pouco fiscais de linha a fazerem gestos obscenos para as bancadas. Os presidentes dos clubes nunca protestaram contra as arbitragens, e é isso que lhes dá toda a legitimidade para falarem caso um dia apareça alguém que, sem dúvida motivado por pérfidas intenções, tenha a ousadia de o fazer. O futebol português é sinónimo de grandes jogos, estádios cheios, concórdia, harmonia e respeito total entre todos os intervenientes. Tudo está no bom caminho desde há largas décadas. Certo? Claro que não, e não é preciso estar-se muito atento ao que se passa para o perceber.
É por isso que não entendo as críticas que têm sido feitas a Bruno de Carvalho. Especialmente porque ele é actualmente, quer se queira quer não, o grande impulsionador da mudança no futebol português, tentando fazer com que os vergonhosos episódios descritos no parágrafo acima acabem de uma vez por todas. Ainda ontem Jaime Pacheco disse que o presidente do Sporting está a “arrastar o futebol para a lama”, como se a realidade deste desporto em Portugal fosse um mar de rosas antes de Bruno de Carvalho. O Apito Dourado foi um dos maiores escândalos do futebol mundial, mas não me lembro de Jaime Pacheco vir falar de lama nessa altura. O ex-treinador, contudo, é um conhecido adepto portista, pelo que percebo que, à semelhança de outros apoiantes do F.C. Porto, sinta a necessidade de apertar o cerco ao Sporting – o processo movido contra o nosso clube por uma “campanha de condicionamento da arbitragem” mostra uma lata e uma falta de noção do ridículo gritantes. Mas, se entendo o incómodo dos portistas com Bruno de Carvalho, já tenho mais dificuldade em compreender que muitos adeptos benfiquistas adoptem a mesma postura. Se calhar sou eu que tenho uma visão algo ingénua do futebol português e dos seus intervenientes, mas, se o Benfica se sente lesado destas três décadas de Pinto da Costa, não seria mais óbvio os seus adeptos juntarem as suas vozes às críticas de Bruno de Carvalho? Há uns anos, estranhei que a denúncia que Dias da Cunha, numa atitude inédita em Portugal, fez do chamado “sistema” tenha sido ridicularizada por grande parte dos adeptos benfiquistas. Hoje, depois de tantos anos a apelidarem os Sportinguistas de “dragartos”, não deixa de ser curioso que muitos deles adoptem os comportamentos que diziam criticar. Porém, já não é a primeira vez, como este vídeo tão bem demonstra:
Vem isto a propósito do primeiro aniversário do mandato de Bruno de Carvalho enquanto presidente do Sporting Clube de Portugal, que se assinala esta semana. Já poderia ser o terceiro, não tivessem os improváveis acontecimentos de Março de 2011 mostrado até onde pode ir a sede de poder dos bancos e de uma casta de dirigentes que, em muitos casos, ou não eram Sportinguistas ou relegavam essa sua condição para segundo plano. Passado todo este tempo, que balanço se pode fazer? Desde logo, que o presidente do Sporting tem cumprido com o que prometeu e, em certos casos, até tem superado as expectativas: não cedeu a pressões e renegociou acordos com a banca, impulsionou uma auditoria externa que permitirá apurar quais foram os responsáveis pelos péssimos resultados desportivos e financeiros dos últimos anos do clube, vendeu os jogadores com vencimentos excessivos, limitou e planeou os investimentos na equipa de futebol e fez o mesmo nas modalidades (sem, no entanto, retirar poder de fogo às equipas), etc. Tão ou mais importante do que isso, deu o passo que há tanto tempo se exigia a um presidente do Sporting: manteve-se imperturbável perante as pressões do F.C. Porto e cortou com Pinto da Costa, denunciando as práticas corruptas do clube em questão e promovendo o início do isolamento azul-e-branco no panorama desportivo nacional. As relações cordiais com o Benfica são a prova de que Bruno de Carvalho tem pensado em tudo ao pormenor e não começou, ao contrário do que se podia temer no início do seu mandato, a “disparar em todas as direcções”.
A prudência e algumas convicções pessoais impedem-me de pôr as mãos no fogo por Bruno de Carvalho ou por qualquer dirigente desportivo. No entanto, não hesito em dizer que o seu primeiro ano de mandato foi praticamente irrepreensível. Também não caio na tentação de afirmar que os problemas do Sporting já fazem todos parte do passado. Um ano de novas ideias não apaga quase duas décadas de dirigismo trágico, e certamente haverá ainda muitos “notáveis” à espera do primeiro deslize da nova direcção para tentar tomar novamente o Sporting de assalto. No entanto, é inegável que o nosso clube está mais forte – e tudo isto depois da nossa pior época de sempre, no que ao futebol diz respeito. Muitos foram os méritos da direcção de Bruno de Carvalho neste primeiro ano de mandato, e todos apontam num único sentido: o de unir os adeptos em torno de uma só causa, devolvendo-lhes o orgulho e a alegria de serem Sportinguistas. Só assim será possível devolver a glória ao clube e recuperar as quase duas décadas de tempo perdido.