Entrelinhas do Desporto: Qual o preço do sucesso no futebol?

    Nós, adeptos de futebol, celebramos as vitórias das nossas equipas, aclamamos o sucesso de vários atletas e acompanhamos as mais diversas movimentações no mercado de transferências. Infelizmente, negligenciamos o que ocorre fora do âmbito estritamente desportivo.

    A maior parte dos adeptos desconhece os meandros do mundo dos intermediários e dos rendimentos que auferem. De antemão, sabem que os intermediários recebem valores avultados durante o mercado de transferências, e não só, mas não sabem quem efetivamente cobra pelos seus serviços, qual o tratamento fiscal que lhes cabe e se cumprem as suas obrigações fiscais. Saliente-se que o cumprimento das obrigações fiscais não se esgota no pagamento do imposto.

    O fluxo financeiro que a indústria do futebol gera por ano e a sua inevitável conexão com diferentes ordenamentos jurídicos propicia a criação de planeamentos fiscais, por forma a que a incidência tributária sobre os rendimentos auferidos seja menor do que a que seria devida. Embora não seja ilegal, a linha que separa o planeamento fiscal da fraude ou abuso de confiança fiscal é muito ténue.

    Partindo do pressuposto que é residente em Portugal, um intermediário que preste os seus serviços por conta própria, estará sujeito à tributação em sede de rendimentos profissionais (B). No caso de existir uma sociedade que se encarregue dos serviços de intermediação, os intermediários auferem rendimentos de trabalho dependente (A) e/ou rendimentos de capitais (E), conforme detenham ou não participações sociais. Cada uma das categorias tem especificidades próprias e regimes que se adequam ao âmbito das profissões que englobam, tendo taxas e incidências diferentes umas das outras.

    Assim, se a residência ou sede estiver localizada em território português, conforme seja pessoa singular ou coletiva, há a obrigação de declarar a totalidade dos rendimentos auferidos no respetivo período fiscal.

    Os intermediários estarão sujeitos a IRS enquanto as sociedades estarão sob a alçada do IRC. Quanto ao IVA, em teoria, o pagamento será imputável a quem recebeu a prestação do serviço, seja um atleta ou um Clube/SAD/SDUQ.

    Pela FIFA foi publicado um relatório sobre os rendimentos auferidos por intermediários, através do sistema International Transfer Matching System (ITMS), desde o ano de 2013 até ao presente. Do relatório consta que as remunerações dos intermediários ascenderam aos 2.14 mil milhões de dólares americanos. Uma pergunta importa colocar: os rendimentos auferidos pelos intermediários neste espaço de cinco anos foram devidamente tributados?

    Pensam os leitores: de que nos serve o que os intermediários deixam ou não de ganhar? Mais do que possam julgar. Os impostos representam a forma direta de suportar a despesa pública e são o meio de financiamento dos serviços públicos essenciais à sobrevivência do Estado e de todos os seus cidadãos.

    Dos rendimentos auferidos pelos intermediários residentes ou com sede em território português, cabe a liquidação do respetivo imposto, seja a título de IRS ou IRC ou ambos. Se os intermediários residentes em Portugal possuem um planeamento fiscal que extravasa os limites da Lei e da boa-fé, todos nós estamos a ser defraudados. Por isso, é um assunto que embora complexo, importa a todos os residentes em Portugal.

    Em 2016, a Der Spiegel e o Football Leaks publicaram documentos merecedores da atenção de diversas Administrações Tributárias no espaço europeu, por configurarem possíveis situações de evasão fiscal ou de abuso de confiança fiscal. Vários atletas conhecidos do futebol português e intermediados pela Gestifute foram investigados.
    Fonte: Gestifute

    Alguns dos atletas foram constituídos arguidos pela prática de delitos fiscais, por alegadamente terem ocultado rendimentos derivados da exploração de direitos de imagem, de forma deliberada e consciente, através de um estratagema societário envolvendo vários ordenamentos jurídicos.

    O propósito do estratagema societário residia na diminuição da incidência tributária sobre os rendimentos derivados da exploração dos direitos de imagem. Não só os atletas foram sujeitos a investigações. Nos documentos publicados pela Football Leaks e pela Der Spiegel, Jorge Mendes também surge visado pelo facto de utilizar um esquema societário por forma a diminuir a incidência tributária sobre os seus rendimentos e sobre os rendimentos das sociedades que pertencem ao seu universo.

    As maiores ondas de insatisfação e de repúdio social foram movidas em Espanha, face à alegada prática de delitos fiscais por atletas, tais como Falcão, Angel Dí Maria, Fábio Coentrão, Ricardo Carvalho, Diego Costa e Cristiano Ronaldo. Todos os atletas mencionados são intermediados pela Gestifute embora, não tenham sido os únicos a serem investigados ou a serem constituídos arguidos.

    Numa das audiências em que Falcão foi ouvido, o atleta colombiano disse que Jorge Mendes foi o cérebro por detrás do seu estratagema societário que, visava a diminuição da incidência tributária sobre os rendimentos derivados da exploração do direito de imagem, apesar do intermediário ter referido que nunca assessorou nenhum dos seus atletas em matéria fiscal. Nenhum dos outros atletas referenciou, no âmbito das investigações tributárias a que foram sujeitos, a Gestifute ou Jorge Mendes.

    Urge colocar uma questão: A Gestifute e Jorge Mendes não engendraram nenhum esquema por forma a ocultar ou a diminuir a incidência tributária sobre os seus rendimentos?
    Fonte: Facebook Oficial de Cristiano Ronaldo

    À semelhança do que ocorreu com os atletas intermediados pela Gestifute, sobre o universo de Jorge Mendes ergueram-se duas investigações distintas. A novembro de 2017, as administrações tributárias de Portugal, Espanha, Irlanda, Reino Unido e Chipre uniram-se por forma a investigar operações financeiras realizadas entre 2014 e 2016, por várias sociedades daquele universo.

    Por outro lado, a Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais, unidade orgânica nuclear da Administração Tributária portuguesa e também em colaboração com as Administrações Tributárias daqueles países, está a investigar alegados delitos fiscais praticados por Jorge Mendes e as sociedades, com sede em Portugal e que compõem parte do seu universo profissional, entre cada um dos períodos fiscais de 2008 a 2016.

    Jorge Mendes é indubitavelmente o intermediário mais famoso e por muitos considerado o melhor no seu ofício. Venceu por várias vezes o prémio de melhor agente do mundo. Nos últimos anos, tem intermediado aquisições de participações sociais em Clubes estrangeiros e nacionais por investidores e, como é sobejamente conhecido, intermediou as mais avultadas transferências no mundo do futebol.

    Aliás, é um intermediário que extravasa o âmbito do que é ser-se intermediário: é um autêntico faz tudo! Não tecerei comentários sobre a forma como o seu negócio é gerido, relativamente aos TPO’s e outros temas, mas tenho interesse, como qualquer cidadão português deveria, em entender se houve ou não custo para o erário público mediante a sua subida a pique no mercado internacional.

    No plano jurídico, quem presta os serviços de intermediação é a Gestifute S.A. ou a Gestifute International Limited, conforme o caso, sendo aquelas responsáveis pela intermediação de atletas e treinadores, sediadas em Portugal e na Irlanda respetivamente.

    As participações sociais destas empresas são geridas, desde 2008, por uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), a qual pode ser denominada de holding, designadamente pela Start SGPS. Embora as SGPS’s tenham por objeto principal a gestão de participações sociais, também as podem adquirir. As SGPS’s podem ter a forma de sociedades anónimas ou por quotas e são detidas por uma pessoa singular ou coletiva. Quem detém as participações sociais da Start SGPS é a sua congénere Start S.E., sediada na Holanda.

    A Start SGPS detém as participações sociais da Gestifute S.A. e da Gestifute International Limited, 100% e 95% respetivamente. Por seu turno, a Start SGPS é detida pela Start SE, 85% das participações sociais, enquanto Jorge Mendes possui 99,9% das participações sociais da SGPS holandesa.

    O objetivo de qualquer sociedade comercial é a maximização do lucro e a distribuição dos respetivos dividendos aos seus acionistas. No caso das Gestifute’s, os dividendos são distribuídos ao seu acionista maioritário, a Start SGPS.

    Os rendimentos auferidos pelas Gestifute’s estão sujeitos à liquidação de IRC, nos termos da Lei do país em que tiverem tido origem (ou em Portugal ou na Irlanda), não sendo os dividendos sujeitos a dupla tributação no momento em que são distribuídos.

    Como a Start SGPS obteve dividendos, também terá de os distribuir ao seu acionista, a Start SE, inexistindo mais uma vez dupla tributação, em sede de IRC. Assim sendo, a Start SE presumivelmente distribuiria ao seu acionista, Jorge Mendes, algo que não ocorreu. O facto de inexistir distribuição de dividendos a Jorge Mendes pela Start S.E. levantou suspeitas.

    Há que recuar um pouco no tempo para entendermos a severidade do esquema societário utilizado para obviar a incidência tributária sobre determinados rendimentos no universo de Jorge Mendes.

    Em abril de 2008, a Start SGPS foi criada por Jorge Mendes com um capital social na ordem dos €50.000,00. No mês seguinte à sua criação, procedeu-se ao aumento de capital social para 19 milhões de euros, onde o intermediário português subscreveu-o na íntegra mediante entrega da sua participação social (95%) na Gestifute International.

    Ou seja, através daquela entrada em espécie, Jorge Mendes possuiria 99,9% das participações sociais da Start SGPS, enquanto esta última detinha 95% da Gestifute International.

    Em 2010, Jorge Mendes vendeu parte das suas participações sociais na Start SGPS à mesma empresa, por 2,13 milhões de euros. O montante de ações e o respetivo preço desta aquisição é proporcional ao aumento de capital de 19 milhões de euros pelo que, não constitui mais-valia para efeitos do apuramento do imposto a pagar em sede de IRS de Jorge Mendes, em conformidade com o disposto no artigo 10º n.º1 alínea b) e n.º 4 alínea a) a contrario do CIRS. Ou seja, Jorge Mendes receberia 2,13 milhões de euros “limpos”. A

    Start SGPS de seguida procedeu à redução de capital através da extinção das ações próprias adquiridas, designadamente no valor de 2,13 milhões de euros. Qualquer redução de capital tem de ser objeto de deliberação pelos acionistas ou sócios, em Assembleia-Geral, além de ter de ser devidamente fundamentada na ata sujeita a registo. O excesso de capital social pode ter sido um dos fundamentos daquela redução. Jorge Mendes e a Start SGPS repetiram várias vezes esta operação até 2012, conforme o que o intermediário português pretendia receber.

    A redução de capital pode ser incluída no registo contabilístico da SGPS como sendo uma perda, mas não releverá para efeitos fiscais uma vez que não integra o conceito de variação patrimonial negativa. A redução de capital não é considerada gasto ou perda para efeitos fiscais, não tendo qualquer consequência no apuramento do lucro tributável nem influência no montante de imposto a ser pago ou a ser reembolsado. Porém, como é a própria sociedade a auto-liquidar o imposto em sede de IRC, nada obsta a que inclua como despesa fiscalmente relevante a redução de capital.

    Em outubro de 2012, Jorge Mendes doou à sua mulher, Sandra Mendes, 49,9% das participações sociais da Start SGPS. Sobre esta doação, não há qualquer incidência fiscal.
    Fonte: Gestifute

    No mês seguinte, foi criada uma nova holding designada por Start SE, sediada na Holanda, tendo Jorge Mendes realizado o capital social através da entrega da sua participação social na Start SGPS, designadamente 50,1%. Neste momento, Sandra Mendes detém 49,9% e a Start SE detém 51,1% das ações da Start SGPS.

    Além do valor do capital social da Start SE coincidir com o valor nominal das ações detidas por Jorge Mendes na Start SGPS (os 51,1%), também é Jorge Mendes quem detém a totalidade das participações sociais da holding holandesa.

    Em dezembro de 2012, a Start SE adquiriu as ações que Sandra Mendes detinha na Start SGPS (49,9%) que haviam sido doadas por Jorge Mendes. Desta forma, a Start SE seria a única acionista da Start SGPS. No contrato de compra e venda destas ações, ficou previsto que Sandra Mendes iria receber, nos quatro anos seguintes, 80% dos dividendos das sociedades que a Start SE geria. Em vez de a Start SE adquirir mediante o pagamento de um preço fixo por aquelas ações a Sandra Mendes, ficou previsto que o valor de compra corresponderia a 80% dos dividendos das sociedades participadas pela holding holandesa.

    Ora, como Jorge Mendes entregou as ações que detinha na Start SGPS, por forma a realizar a obrigação de entrada na sociedade, e como Sandra Mendes vendeu as ações que detinha na Start SGPS, a Start SE passou a deter 100% das ações da Start SGPS.

    Em 2013, a Start SE recebeu das suas sociedades participadas dividendos no valor de 8,2 milhões de euros. Logo, deveria entregar 80% daquele valor à mulher de Sandra Mendes, fruto da venda das ações da Start SGPS à Start SE.

    A março de 2013, a Start SE vendeu ações, representativas de 52,8% do capital social, que possuía na Start SGPS, a esta última, pelo preço de 6,6 milhões de euros. A Start SGPS adquiriu ações próprias e voltou a reduzir o capital social, na percentagem de 52,8%. Desta forma, a Start SE continuou a deter 100% das ações na Start SGPS e Sandra Mendes viria a receber 6,6 milhões de euros.

    Em 2014, a Start SGPS distribuiu dividendos à Start SE, no valor de 12,7 milhões de euros. Por via do contrato de compra e venda das ações da Start SGPS, 10,16 milhões de euros (80%) do seriam entregues a Sandra Mendes pela holding holandesa.

    Em 2015, foi entregue a Sandra Mendes 8,8 milhões de euros.

    Em 2016, o contrato de compra e venda das ações da Start SGPS  à Start S.E. foi alvo de aditamento por forma a que, fossem pagos mais 39,1 milhões de euros a Sandra Mendes. Cumpre salientar que o advogado de Jorge Mendes é um dos administradores da holding holandesa.

    No plano fiscal, há várias ideias a reter. Em primeiro lugar, a Start SE recebia dividendos da Start SGPS que já haviam sido sujeitos a IRC. Por forma a que não existisse dupla tributação em IRC, os dividendos recebidos pela Start SE já não seriam sujeitos a imposto.

    Quanto aos dividendos distribuídos a Sandra Mendes, de acordo com a Convenção entre Portugal e a Holanda para evitar a dupla tributação e a prevenção da evasão fiscal no que concerne aos impostos sobre o rendimento e capital, os dividendos distribuídos por uma Sociedade com sede num dos Estados a um residente no outro Estado, pode ser tributado no Estado onde a sociedade que distribui os rendimentos está sediada.

    Ou seja, os dividendos distribuídos a Sandra Mendes podem ser tributados na Holanda pelo que, estariam sujeitos a uma taxa de retenção de 15%, ao passo que em Portugal estariam sujeitos a uma taxa de 28%. A diferença é de 13%.

    Dados os factos apresentados, poderá parecer que foi orquestrado um estratagema por fim a que o imposto a pagar fosse menor, decorrente de diferentes operações nacionais e internacionais. Podemos também suspeitar que todos os factos apresentados consubstanciam uma racionalização económica dos impostos a suportar, através de um planeamento fiscal.

    A destrinça entre planeamento fiscal e fraude fiscal ou abuso de confiança fiscal suporta-se numa linha muito ténue. A legislação fiscal portuguesa prevê normas anti-abuso que consubstanciam meios de reação, como forma de combater comportamentos evasivos e fraudatórios em matéria fiscal.

    A razão de ser destas normas está alicerçada em princípios como a de igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução das necessidades financeiras do Estado. Resta saber se alguém “olvidou” ou “executou” tarde destas medidas.

    No que concerne aos factos alegadamente praticados e sob a Lei portuguesa, há matéria suficiente para ser investigada tanto no que toca à Start SGPS como a Jorge Mendes, a que cada qual corresponde o IRC e IRS respetivamente. Aliás, as investigações estão a decorrer, inexistindo quaisquer dados, como é lógico, sobre o conteúdo da prova que já foi adquirida pela A.T. portuguesa. O circuito societário de Jorge Mendes está a ser investigado nos países europeus onde estão sediadas as respetivas sociedades.

    A Start SGPS está obrigada a realizar registos contabilísticos, donde se poderá constar a receita, a despesa e o respetivo resultado líquido. Antes de mais, há que diferenciar o que é receita e despesa para fins contabilísticos e para fins fiscais. Nem toda a despesa integrada no registo contabilístico terá relevância fiscal. No caso das reduções de capitais, não são consideradas como tendo relevância fiscal.

    As sociedades, a par de todas as pessoas residentes em Portugal, estão adstritas ao dever de declararem os seus rendimentos e a auto-liquidarem o seu imposto.
    Fonte: Gestifute

    Portanto, nada obsta a que a Start SGPS integre na categoria das menos-valias as reduções de capital, com consequências no apuramento do lucro tributável. Ora, por lei, a redução de capital não é relevante para efeitos fiscais, desde 2008 até ao presente, enquanto menos-valia, conforme dita o artigo 23º do CIRC.

    LÊ MAIS: Entrelinhas do Desporto: A desavença de Belém

    A Administração Tributária, a posteriori, possui o poder de verificar se a despesa que foi declarada para efeitos fiscais é relevante ou não, de forma casuística. Esta verificação casuística apenas é realizada depois de ser apresentada a declaração de rendimentos e do apuramento do imposto a ser pago.

    Pese embora se presumam verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, nada obsta a que esta presunção seja afastada, nos casos indicados pelo artigo 75º n.º 2 da Lei Geral Tributária: “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; (…) c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.”.

    Conforme as circunstâncias, se a A.T. verificar que há custos que não deveriam ter sido declarados e que originem confusão acerca das esferas patrimoniais ou outro tipo de fraudes, recairá sobre a sociedade uma maior intensidade no que concerne à necessidade de provar que não existiu qualquer tentativa de defraudar o Estado.

    Por último, as sociedades que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, como é o caso das SGPS, estão obrigadas ao pagamento especial por conta, regulado pelo artigo 104º do CIRC e seguintes.

    A razão da existência do pagamento especial por conta reside no combate à evasão fiscal, sendo o valor a ser pago calculado através do lucro tributável do período fiscal anterior. O pagamento especial por conta traduz-se numa espécie de adiantamento do imposto que será devido, em sede de IRC, também para que a sociedade não seja obrigada a realizar de uma vez só o pagamento do imposto, pois o valor devido pode ser elevado e de difícil cumprimento para a sociedade.

    Conforme o caso, o montante adiantado a título de pagamento especial por conta pode ser reembolsado. Se a Start SGPS integrou as reduções de capital como despesa fiscalmente relevante, o apuramento do lucro tributável está adulterado. Assim, os montantes adiantados, a título de pagamento especial por conta, também estarão adulterados uma vez que o cálculo do valor a ser pago é realizado com base no lucro tributável do período fiscal anterior. Digamos que se trata de um efeito “bola de neve”.

    Se a Start SGPS efetivamente integrou as reduções de capital na sua declaração como despesas para efeitos fiscais, a “poupança fiscal” que lograram é me impossível de mesurar, ao longo dos períodos fiscais desde 2008 a 2013.
    Fonte: Gestifute

    Por sua vez, Jorge Mendes, residente em território português e por isso obrigado a declarar a totalidade dos seus rendimentos para efeitos de IRS, declarou os rendimentos derivados de trabalho dependente ao passo que os seus presumíveis rendimentos de capitais não foram declarados, na sua plenitude ou parcialmente.

    Crê-se por isso que, o intermediário português esquivou-se da incidência fiscal sobre os rendimentos que auferiria por via da distribuição de dividendos, através do esquema societário acima descrito. Como Jorge Mendes é residente em território português, está obrigado a declarar a totalidade dos seus rendimentos por forma a que seja definido o imposto a ser pago ou a quantia a ser reembolsada, em sede de IRS.

    LÊ MAIS: Entrelinhas do Desporto: A justiça desportiva de uns e de outros

    Hipoteticamente falando, se Jorge Mendes recebesse dividendos da Start SE, o rendimento daí proveniente haveria que ser integrado na categoria E (rendimentos de capitais), o qual está sujeito à taxa autónoma de 28%, em conformidade com o preceituado no artigo 5º n.º 1 e 72º n.º1 alínea d) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS). Na segunda hipótese, como acima referido, sob a alçada da Convenção entre Portugal e Holanda, Jorge Mendes poderia sempre optar pela retenção definitiva de 15% na Holanda.

    A boa-fé é presumida como mote para todas as relações que constituímos durante a nossa vida, incluindo a fiscal. Incumbe ao contribuinte declarar com verdade a totalidade dos seus rendimentos, sendo certo que este dever tem uma especial força.

    A inveracidade da declaração do contribuinte poderá consubstanciar fraude ou abuso de confiança fiscal, conforme descrito nos artigos 103º, 104º e 105º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

    As investigações em torno do universo Jorge Mendes são extremamente complexas e envolvem diferentes pessoas e sociedades em ordenamentos jurídicos diferentes. Só através de uma cooperação eficaz entre as A.T.’s envolvidas é que se poderá concluir as investigações com a devida celeridade, repondo a verdade material e a justiça.

    A Administração Tributária portuguesa está a investigar outros intermediários, Clubes/SAD’s/SDUQ’s, não sendo Jorge Mendes um caso único. Infelizmente, a nossa Administração Tributária não possui os recursos humanos, o know-how ou até mecanismos de cooperação (com outras A.T.’s) para que possam precaver ou proceder ao desmantelamento de redes organizadas de evasão fiscal no futebol.

    Fonte: Gestifute
    Dado o volume e o peso comercial da indústria do futebol na Europa, há que repensar a forma como as A.T.’s europeias cooperam entre si para que de forma mais célere consigam precaver a prática de mecanismos de evasão fiscal, sem prejuízo dos direitos que os investigados possuem.

    Jorge Mendes é um dos portugueses melhor sucedidos na atualidade, conhecido e reconhecido em todo o mundo, mas tal não obvia a que seja investigado por alegados delitos fiscais ou que não seja colocado sob o escrutínio da comunicação social e bem assim, de todos os portugueses.

    Permaneço incrédulo quanto ao volume de notícias que tomam por objeto o universo e os negócios de Jorge Mendes a nível internacional, ao passo que em solo português, tudo se passa como se nada tivesse passado. Como se os documentos que vieram a público não são dignos de serem decompostos e apresentados aos cidadãos portugueses. A complexidade do tema não serve de argumento para não o exibir e/ou explicar.

    A comunicação social é responsável pela formação consciente e coerente da opinião pública apesar de que a nível nacional, se olvidem de o realizar. Será desconforto em tomar por “alvo” uma pessoa que foi condecorada com o Colar de Honra de Mérito Desportivo ou que “detém” a maior empresa de agenciamento do futebol mundial? Em vez da comunicação social portuguesa aproveitar o seu estatuto para destilar ódio entre os três grandes, deveria insurgir-se contra a forma como o negócio do futebol é executado e se todos nós, estamos ou não a ser defraudados por alguém que cresce às nossas custas, seja um Clube/SAD/SDUQ, um atleta, um treinador ou um intermediário.

    LÊ MAIS: Entrelinhas do Desporto: O fair-play financeiro da UEFA

    Ninguém deve retirar mérito à forma como Jorge Mendes obteve sucesso e qualquer português deve sentir orgulho pela nossa nação ser representada no palco dos intermediários. Mas a que preço? Só há duas coisas na vida às quais não podemos evadir: a morte e os impostos.

     

    Foto de Capa: Bola na Rede

     

     

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Evanilson sobre Sérgio Conceição: «Ele exige muito de cada jogador»

    Evanilson, avançado brasileiro do FC Porto, falou sobre Sérgio...

    «Viktor Gyokeres é uma máquina de guerra»

    Valibor Savic orientou Viktor Gyokeres no Brommapojkarna, turma da...
    Rodrigo Batista
    Rodrigo Batistahttp://www.bolanarede.pt
    O Rodrigo tem 23 anos, é advogado e Pós-Graduado em Direito, Finanças e Justiça do Desporto pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.                                                                                                                                                 O Rodrigo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.