Há um “novo” Sporting, com ênfase nas aspas. Já foi uma equipa com um cunho muito forte do seu treinador, mas Ruben Amorim já saiu há quase um ano. Com a época em andamento e um plantel com a identidade do atual treinador do Manchester United tão vincada, Rui Borges preocupou-se em adaptar-se ao plantel (e bem) até ter tempo para impor o seu próprio estilo de jogo em Alvalade. Findada a época e com duas taças no bolso, era tempo de descansar e pensar na temporada 2025/2026, onde Rui Borges tem promovido algumas mudanças táticas, mas mantendo algumas bases.
Os preparativos para esta mudança começaram no mercado de transferências leonino: era importante trazer perfis novos, principalmente na defesa. Rui Borges aprecia laterais subidos e confortáveis em dar largura e chegada ao último terço e o único perfil do plantel do Sporting que encaixava nesta descrição era o de Maxi Araújo. Por isso mesmo, Ricardo Mangas e Vagiannidis foram alvos identificados pelos leões. Ao mesmo tempo, era preciso arrumar a casa no que toca ao setor de defesas centrais (ainda que o caso St. Juste seja constrangedor) e Kochorashvili traz mais opções e um perfil novo para o miolo.

Claro que o elefante na sala deste mercado de transferências foi o ex-ponta de lança do Sporting, Viktor Gyokeres. Naturalmente, perder tal goleador é um duro golpe para qualquer equipa do mundo, mas, ao mesmo tempo, trouxe uma oportunidade: reformular a posição. Recorde-se que todos os ataques do Sporting na temporada passada terminavam, invariavelmente, em Gyokeres – a sua saída também agrega um encaixe financeiro e a possibilidade de trazer jogadores mais associativos e condizentes com o estilo de jogo do treinador, como é o caso de Suarez e Ioannidis, que até têm um perfil algo complementar, mas com algumas parecenças.
Ainda neste prisma, para realçar o trabalho no mercado de transferências, se a ideia fosse continuar o status quo, o sucessor de Gyokeres seria um jogador como Ivanovic, agora jogador do Benfica, e Conrad Harder ainda estaria no plantel leonino.
Naturalmente, a mudança é mais suave e torna-se fácil manipular as peças no tabuleiro quando há um núcleo duro de jogadores que vai prevalecendo ao longo do tempo: Pedro Gonçalves, Trincão, Inácio e Hjulmand são peças-chave na equipa de Alvalade e a base da equipa, onde dinâmicas e personalidades adaptam-se a qualquer sistema.

Desta forma, há mudanças táticas e específicas em determinados momentos do jogo do Sporting, mas que ainda mantém as fundações deste plantel. Por exemplo, o Sporting ainda recorre a uma defesa a cinco quando o jogo é propício a tal, o Sporting constrói muitas vezes com três jogadores e procura muitas vezes Trincão em posição de receber, rodar e acelerar e Pedro Gonçalves entre linhas. Creio que Rui Borges tentou aliar a sua forma de ver o jogo com aquilo que o plantel já conseguia fazer e aos estímulos a que melhor reage, digo que não é uma combinação totalmente perfeita, mas é funcional. Passo a explicar:
O Sporting começa a partir do 4x2x3x1. Hjulmand e Kocho/Morita formam um duplo pivot, Pedro Gonçalves na esquerda, Trincão atrás de Suárez e Quenda na direita. No que toca à fase de construção, há muito que se lhe diga, dada a forma como o Sporting varia neste momento do jogo – por vezes, constrói em 2 + 2 com Inácio, Debast, Hjulmand e Kocho (ou Morita) a formarem um quadrado. No entanto, grande parte das vezes sai a três, seja com Hjulmand a baixar para o meio dos centrais, com Kocho ou Morita (dependendo de quem jogar) a descair para o lado esquerdo da defesa ou, ainda, com Vagiannidis ou Fresneda a juntarem-se aos centrais numa saída a 3-2-5 (próximo do que era o Sporting em ataque posicional com Ruben Amorim).
Portanto, o Sporting, tal como nos anos anteriores, ainda movimenta três jogadores para a primeira fase de construção, a diferença prende-se em que não o faz com três centrais de raiz.

Não obstante que o conjunto de Rui Borges disponha de um leque de armas para sair a jogar com qualidade, há uma série de fenómenos que se mantém independentemente da forma como o Sporting decide abordar a construção: laterais bem projetados, principalmente o lateral esquerdo (uma vez que Pedro Gonçalves procura o espaço entre linhas, oferecendo o corredor ao lateral) e uma espécie de “dupla lateralização” no corredor direito, onde tanto Vagiannidis e Quenda dão largura à equipa, apesar do extremo procurar movimentos de fora para dentro para receber no pé.
Assim como era com Ruben Amorim, há uma procura por Trincão e Pedro Gonçalves atrás das linhas adversárias, um para acelerar o jogo, outro para receber no chamado half space e trazer critério ao último terço.
A diferença deste Sporting em concreto para o de Ruben Amorim é também no perfil do avançado: Gyokeres procurava esticar o jogo e descair para o espaço que os extremos abriam, Suárez quer ir ao encontro da bola, jogar de costas e tabelar. Ao juntar jogadores de perfil associativo, com boa leitura de jogo e ocupação dos espaços, o Sporting usa e abusa do corredor central e assume-se como a melhor equipa em Portugal a jogar em ataque posicional.
No momento sem bola, há algumas nuances. O Sporting quer recuperar a bola em terrenos altos e ficar pouco tempo sem ser a equipa que ataca, por isso, pressiona alto numa pressão homem a homem a todo o campo e fá-lo numa estrutura de 4x4x2, onde Trincão se junta a Suárez na primeira linha de pressão.

É uma forma de pressionar perfeitamente enquadrada no contexto, várias equipas das cinco principais ligas pressionam desta maneira, mas parece-me que esta é a parte mais deficitária do jogo leonino: perde-se em referências individuais e, quando o adversário promove movimentos constantes, cria dúvidas na pressão e abre espaços, expondo o meio-campo.
Isto aconteceu várias vezes em Alvalade frente ao Sporting de Braga e foi uma das principais razões pelas quais a equipa do Minho conseguiu ter conforto no jogo durante tanto tempo. Voltando à conversa dos perfis, há alguns jogadores não tão confortáveis no momento de pressão, como Pedro Gonçalves, Morita e Inácio. Repare-se, identifiquei um jogador de cada setor, o que por si só traduz-se num problema por parte do campo, sendo jogadores aos quais se pede para que pressionem homem a homem, há risco com pouca probabilidade de recompensa.
Talvez uma solução para este fenómeno seja a passagem para uma pressão mista, escondendo os pontos fracos da equipa com uma pressão à zona, mas ainda promovendo uma pressão homem a homem nos jogadores confortáveis e capazes de o fazer- também não seria a primeira vez que Rui Borges o faz, tal foi o clássico. À semelhança do que fez José Mourinho, no tal “matar dois com três”, também Rui Borges pressionou Bednarek, Neuhen Perez e Alan Varela com Trincão e Suárez, de forma a controlar o médio argentino. O problema do Sporting não está, contudo, na pressão que Trincão e Suárez fazem, porque o fazem bem, mas esta situação pode ser adaptada a outras partes do campo.
Pode ser importante também a inclusão de Diomande. É certo que Debast e Inácio dão garantias na construção através do passe, mas Diomande está mais confortável em saltar linhas e cobrir espaços e pode mitigar este problema de pressão.

O sistema de Ruben Amorim é uma estrutura rígida em 3x4x3, que se desmonta poucas vezes. Rui Borges traz uma premissa importante do futebol moderno: dinâmicas sobre sistemas. O Sporting ainda defende, ocasionalmente, em 5x2x3. O Sporting ainda procura por Trincão e Pedro Gonçalves atrás das linhas adversárias. O Sporting ainda constrói a três, como fez nos últimos cinco anos. O Sporting ainda pressiona alto, como fez nos últimos cinco anos.
A identidade voou para Manchester, mas os princípios ficaram e foram adaptados a uma realidade perfeitamente plausível.