A regra parece universal: mais rápido, mais eficiente, mais rentável, com os avanços da sociedade, tudo é otimizado. O sistema bancário, que começou com simples cartas de câmbio na Idade Média, tornou-se hoje uma engrenagem digital onde milhões circulam em segundos. O fabrico automóvel, que em tempos era artesanal e moroso, foi transformado pelo fordismo e pela produção em massa.
O futebol, inevitavelmente, foi apanhado pelo ciclone de sempre. Aquilo que nasceu como expressão de identidade local, vivido pela classe trabalhadora, avançou para um modelo onde clubes são tratados como ativos. A ascensão dos Multi-Club Ownerships, que nada mais são do que grupos empresariais que controlam simultaneamente vários clubes em diferentes países.
Num mundo onde tudo pode ser comprado, o futebol corre o risco de deixar de ser de quem o vive para ser apenas de quem quer lucrar com ele. E talvez esteja na altura de perguntar: deverá a FIFA intervir antes que o jogo se perca de vez? Ou será esta a mudança de paradigma necessária para a sobrevivência do nosso tão amado desporto?

A resposta a estas questões está longe de ser simples, basta recuar à origem de alguns dos grandes clubes que hoje consideramos bastiões do futebol europeu. A Juventus consolidou-se nos anos 20 com o apoio da poderosa FIAT. Na Alemanha, o peso das indústrias é evidente, o Bayer Leverkusen, por exemplo, nasceu das estruturas da farmacêutica homónima. Em Portugal, o Sporting surgiu com o impulso de uma elite burguesa, enquanto o FC Porto foi apoiado por um influente comerciante da indústria vinícola.
Talvez os clubes que verdadeiramente emergiram do povo e que subsistem aos dias de hoje sejam, afinal, a exceção e não a regra. O futebol, nesse sentido, pode estar apenas a acompanhar o espírito do nosso tempo. Um tempo dominado por grandes empresas, pela obsessão com a eficiência e pela procura constante de rentabilidade. E, nesta ótica, talvez esta seja mesmo a nova forma de “otimizar” o jogo: redes de clubes subordinadas a uma estrutura-mãe, onde o talento é trabalhado nas margens para um dia servir a casa principal com precisão cirúrgica. Jogadores formatados, moldados, prontos a responder às exigências de uma Champions League sem terem de se desenvolver no clube principal.
Para muitos, isto é progresso. Para outros, é o fim da identidade do jogo, é o desencontro do romance que fazia do futebol um jogo que nos mantinha ligados à emoção.

O dilema é evidente: aceitar esta nova realidade – resignando-nos às mudanças inevitáveis, como, por exemplo, o facto de um Crystal Palace ou um Lyon, mesmo que campeões nas suas respetivas ligas, poderem ser impedidos de disputar a Liga dos Campeões devido a conflitos de interesse, ou resistir – escolhemos travar este fenómeno antes que seja irreversível, basta lembrar as manifestações ruidosas e espontâneas que fizeram recuar a ideia da Superliga Europeia.
Porém, refletindo, talvez já estejamos a caminhar para uma Superliga disfarçada. Quando clubes de primeira divisão deixam de ambicionar vencer por mérito próprio e passam a funcionar como equipas B de um “clube-mãe”, a lógica de competição está mortalmente ferida. É um cenário onde os gigantes concentram talento, asfixiam a concorrência e retiram do mercado os jovens promissores, não para os lançar, mas para os controlar. O fair play financeiro torna-se uma formalidade contornável. Os restantes clubes, sem alternativa, subordinam-se, pedem empréstimos de jogadores como quem pede esmolas, uns na esperança vã de conquistar alguma autonomia desportiva, outros de forma subserviente, aguardando servir a sociedade-mãe de mais um talento “já feito”.

São investidores sem qualquer paixão pelo jogo, apenas atentos ao momento ideal para fazer o seu cash out. O sucesso desportivo é um meio, nunca um fim, serve apenas para valorizar o ativo antes de o vender. E pelo caminho? Pelo caminho ficam clubes como o Boavista ou o Bordéus. Perde-se a identidade, apaga-se a relação com a cidade, esvazia-se o sentido de pertença. No fim, ganham os de sempre.
Com esta reflexão, não pretendo atacar o investimento privado no futebol — que em muitos contextos foi, e continua a ser, essencial para a sobrevivência de vários clubes. Mas é fundamental denunciar os riscos profundos do modelo dos Multi-Club Ownerships. Um modelo que não serve o futebol, apenas o desfigura. Reduz o jogo a uma linha de Excel no portefólio de um bilionário.