Um grande jogador com estatuto de craque numa equipa, costuma envergar uma grande camisola. Os exemplos são inúmeros e a lista interminável. No entanto, na história recente de bastantes clubes já aconteceu o sucessor de uma camisola mítica, não corresponder ao peso da mesma.
O Manchester United é um desses exemplos. O clube teve alguns dos melhores números 7 da história do futebol europeu e mundial, como George Best, Eric Cantona, David Beckham e claro está, Cristiano Ronaldo. Após o português sair em 2009 e até voltar a Old Trafford em 2021, muitos foram os jogadores que não vingaram com o “maldito” número nas costas.

Michael Owen esteve ao serviço dos “red devils” por três temporadas (de 2009 a 2012) e ao contrário do seu historial no rival Liverpool, Real Madrid e Newcastle, o astro inglês teve números mais modestos (17 golos e uma assistência em 52 jogos). Após a saída de Owen de Manchester, foi o equatoriano Antonio Valencia a utilizar o número e azar dos azares, foi a sua época menos produtiva no United (apenas um golo e seis assistências em 40 jogos). Uma praga que fez o jogador voltar ao “seu” número 25 e a camisola sete ficou vaga uma época, até chegar Ángel Di María.
O craque argentino chegou em 2014/15 e ao serviço de Loius van Gaal, teve uma das suas “piores” temporadas (quatro golos e 11 assistências em 32 jogos) e saiu no fim da mesma. Na época seguinte, chegou a Old Trafford Memphis Depay, um dos melhores jogadores holandeses da atualidade e também não conseguiu vingar de sete às costas durante um ano e meio (sete golos e três assistências em 53 jogos), associado também ao período negativo para a equipa e à concorrência que chegou depois para a sua posição (Ibrahimovic).
Em 2017/18 e em troca de Henrikh Mkhitaryan com o Arsenal, o número sete dos “red devils” passou a ser Alexis Sánchez. Um dos melhores jogadores chilenos da história do futebol, acabou por fracassar também ao envergar o sete do Manchester United e com números dececionantes ao longo de época e meia (cinco golos e nove assistências em 45 jogos). Toda esta sequência de mudanças na camisola sete, até Cristiano Ronaldo regressar vindo da Juventus.
O mesmo acontece com a mesma ou outras camisolas em diversos clubes. O Barcelona nunca mais teve um número dez à altura desde a saída de Leo Messi e aguarda-se como vai ser Lamine Yamal com a camisola mítica a partir de 2025/26. Em Milão, desde que Filippo Inzaghi se reformou, os rossoneri nunca mais tiveram um número nove à sua dimensão (Alexandre Pato, Fernando Torres, Mattia Destro, Luiz Adriano, Gianluca Lapadula e André Silva desiludiram em San Siro). Na mesma cidade, mas a azul, desde a saída de Samuel Eto´o e chegar Lukaku, ficaram aquém das expetativas Mauro Zárate, Pablo Osvaldo e Éder. Tal como no Arsenal, nunca mais existiu um nove que prosperasse e se afirmasse desde Nicolas Anelka (Suker, Park Chu-Young, Lukas Podolski, Lucas Pérez e Alexandre Lacazette não se mantiveram como referência do ataque “gunner” por muito tempo). Já para não falar da maldição da camisola sete do Real Madrid, que desde Cristiano Ronaldo (que sucedeu com o melhor dos sucessos Raúl González com o número) teve dois grandes fiascos até Vini Júnior envergar o sete com êxito (até agora): Mariano Díaz e Eden Hazard.

Já diria alguém que “não se acredita em bruxas, mas que as há…há”. Aqui pode-se dizer algo parecido, que um jogador não rende mais ou menos consoante o número que veste na camisola, mas que isso muitas vezes acontece com camisolas emblemáticas… acontece. Em Portugal, o azar da camisola sete tem batido à porta de muitos elementos que a vestem no Sporting Clube de Portugal. Pode dizer-se que quem veste o sete em Alvalade, anda entre o brilho (mais raro) e o fardo (quase constante).
Desde que Luís Figo brilhou com a camisola sete na primeira metade da década de 1990, poucos foram os jogadores conseguiram deixar marca positiva com tal número às costas. O então jovem “pastilhas” formado em Alvalade tinha tudo: classe, técnica, visão de jogo e já alguma liderança. Depois dele, a mística do número começou aos poucos a desvanecer-se, como se o peso de tal simbolismo tivesse passado a esmagar em vez de causar inspiração.
Houve quem se destacasse com o sete leonino, ainda que brevemente. Após Figo ter saído para a Catalunha, sucedeu-lhe Ricardo Sá Pinto. Vindo do Salgueiros e com a sua garra característica, assinou uma temporada de grande nível com este dorsal (14 golos e 11 assistências em 38 jogos). Depois da agressão escandalosa ao então selecionador nacional, Artur Jorge, ter sido suspenso e ter saído para a Real Sociedad, seguiu-se Ivaylo Iordanov.
O internacional búlgaro, que antes ocupava a camisola nove, em 1997/98 ocupou a camisola sete e teve rendimento sólido até a doença o afastar dos relvados. Ainda regressou a tempo de voltar ao sete, mas em 1998/99 voltou ao “seu” nove. Depois de “Iorda”, só Marius Niculae, mesmo com uma grave lesão, deixou uma marca positiva na memória dos adeptos com o sete nas costas, sobretudo pela sua ajuda na conquista do título de 2001/02 (tendo tido 20 golos e quatro assitências, num total de 76 jogos do romeno de leão ao peito).
É verdade que entre 2007 e 2012, o russo Izmailov brindou os adeptos com um número considerável de excelentes exibições (20 golos e 21 assistências em 142 jogos). Contudo, as suas lesões e muitas vezes o seu comportamento “inexplicável” deitou muito a perder e terminou por sair deixando alguma deceção nos adeptos, deixando uma clara ideia que ficou muito por dar e até por explicar.
Entre este período e depois… um vazio praticamente total. Uma longa lista de nomes em que as expectativas superaram largamente os rendimentos. Jogadores como Leandro, Delfim, Jeffrén, Matheus Pereira, Campbell, Bojinov, Rúben Ribeiro, Camacho, Tabata ou Shikabala não deixaram qualquer rasto a não ser (muitas vezes) o da deceção. Entre lesões, inconsistência, indisciplina ou falta de qualidade, a camisola sete transformou-se numa “maldição” no reino do leão. Uma espécie de enigma que quase ninguém parece conseguir resolver, parecendo até que o número está algo que amaldiçoado desde os tempos de Figo e companhia.
Mas para 2025/26, o Sporting decidiu entregar esse legado a Geovany Quenda, e com isso reacendeu-se a esperança. O jovem de 18 anos vai, em princípio, entregar ao número sete verde e branco, o seu talento, atrevimento e o seu último capítulo em Alvalade. A nível de capacidade para devolver a glória à camisola, tudo tem para dar certo.

Quenda é um extremo rápido, ágil e tecnicamente muito requintado. Lançado por Rúben Amorim, é um produto da formação leonina e com raízes na Damaia e Seixal. Portador de um drible curto, mas desconcertante, uma aceleração acima da média e já revelou alguma maturidade nas suas tomadas de decisão em campo. Atua preferencialmente sobre a direita, mas tanto desequilibra por dentro como na linha, também do lado esquerdo. Junta a tudo isto, um entendimento tático já algo apurado.
Em 2024/25, acumulou 54 jogos, três golos e seis assistências, além de ter sido uma das revelações. Estatísticas que, embora modestas, escondem uma influência crescente no jogo ofensivo da equipa. Podendo esta ser a sua época de “explosão” Foi particularmente eficaz em alguns jogos grandes (FC Porto em dois jogos e Manchester City), demonstrando capacidade e confiança.

A época 2025/26 será a última de Quenda com a camisola do Sporting, já que está confirmada a sua transferência para o Chelsea em 2026/27, por um valor que chegou aos 50 milhões de euros. Sai como uma das maiores e melhores vendas da história do clube verde e branco e, quem sabe, como o jogador que quebrou finalmente a maldição da sete em Alvalade.
O número que durante décadas foi um peso, pode agora tornar-se símbolo de renascimento. Tudo depende de Quenda. Talento, coragem e qualidade técnica não lhe faltam. Embora, ainda haja algumas sombras como Rui Borges não lhe ter dado a titularidade na Supertaça e não ter feito a diferença nos 17 minutos que jogou. Resta ver, se o “pé esquerdo” com que iniciou a época no Algarve, será “chuva de pouca dura”, pois um talento como Geovany Quenda merece “sol de longa dura”.