«Um profissional de futebol nunca é livre. Nós somos animais competitivos» – Entrevista BnR com Hélder Guedes

    «Eu acho que um profissional de futebol nunca é livre. Nós somos animais competitivos»

    Bola na Rede: As pessoas costumam dizer “Ai, se eu soubesse o que sei hoje…”, insinuando que tomariam decisões diferentes se tivessem então o conhecimento que têm agora. Eu, como não sei grande coisa, prefiro dizer “Ai, se eu soubesse o que sou hoje…”, porque mudaria muita coisa se soubesse então quem sou agora. Se soubesse há 16/18/20 anos atrás que seria agora, aos 34 anos, o jogador e o profissional que é, teria mudado alguma coisa?

    Hélder Guedes: Não parto desse princípio, dessa lógica. Acho que nós para aprender temos que fazer coisas menos boas e coisas erradas. Isso é que nos dá o conhecimento e nos prepara ainda mais. Agora, se voltava a repetir? Aí é outra questão. Agora, se teria mudado ou se soubesse o que sei hoje… Não penso assim. Há um trajeto e nós vamos aprendendo e evoluindo com esses episódios e esses acontecimentos que fazem parte, não só no futebol, mas também na vida.

    Bola na Rede: Ainda no que diz respeito às suas escolhas – e mesmo no que concerne à sua atividade profissional cotidiana -, até que ponto é que um jogador profissional é livre? Isto é, o que é que um futebolista de um escalão primário ou secundário pode fazer sem que haja pressões externas sobre ele, nomeadamente de agentes?

    Hélder Guedes: Eu acho que um profissional de futebol nunca é livre. Como eu costumo dizer, e sendo repetitivo, nós somos animais competitivos. E não são fatores externos a colocar essa pressão. Acho que somos nós próprios que a colocamos, porque nós necessitamos disso, nós estamos mecanizados para a competição. Nós vivemos assim, sem ela não nos sentimos bem. Por isso, acho que somos nós próprios a colocar sobre nós essa pressão quando ninguém o faz. E noto isso agora que não estou a jogar. É até aquilo de que tenho mais dependência – essa competitividade.

    Bola na Rede: Acha que por vezes se perde a noção de que antes de ser jogador, um futebolista já era um ser humano com condições e necessidades biológicas e um cidadão com condições e necessidades sociais? Parece-lhe que, na ânsia de otimizar e rentabilizar os atletas de alta competição, acabamos por destruir muito do que é a pessoa por trás do atleta?

    Hélder Guedes: Estou totalmente de acordo. Por vezes, confunde-se o atleta com máquina, com equipamento. Eu costumo dizer que tem de ser uma rentabilidade para ontem e com grande volume produtivo. E isso não existe, não é? Hoje em dia, o futebol é um negócio e é administrado como as empresas. E eu concordo, mas tem que haver aqui um equilíbrio. O jogador não é uma máquina, não é um equipamento, por isso tem que haver um equilíbrio e tem que haver paciência da parte, por vezes, dos adeptos e das administrações.

    Bola na Rede: Juntando a estes últimos parâmetros o vetor financeiro do futebol, que no futebol dito moderno assume proporções avassaladoras, sente que os jogadores são cada vez mais mercadorias, objetos de comércio? Pergunto-lhe isto até por ser curioso que o seu percurso contrasta com este paradigma, uma vez que o Guedes não fez movimentar qualquer verba nas suas transferências?

    Hélder Guedes: É como eu disse anteriormente: é um negócio o futebol. Só retificar aqui a questão de não ter movimentado qualquer verba… Errado, errado. Até porque já fiz movimentar duas vezes em Penafiel – uma das vezes para o FC Paços de Ferreira e outra para o Rio Ave FC.

    Bola na Rede: Voltando à vertente desportiva… O Guedes foi internacional sub-20 (apontou inclusive 2 golos em 12 partidas) e fez ainda dois jogos nos Sub-21 – no Torneio Internacional Vale do Tejo 2008, que venceu com Portugal (entrou aos 77´ e aos 78´ respetivamente). No entanto, acaba por seguir um trajeto paralelo à Seleção A. O que é preciso bater certo na carreira de um jogador e em particular na transição dos escalões jovens para o futebol sénior para que a sua evolução permita chegar à seleção principal e não ficar apenas pelas chamadas às seleções jovens?

    Hélder Guedes: Sendo muito pragmático – e não quero ser “desinspirador” -, para mim o grande fator é a qualidade. Há qualidade, estás mais perto; não há qualidade, ficas para trás. Depois, claro, tens alguns fatores, como a sorte, às vezes, as oportunidades, que nem todos têm as mesmas… Mas, o fator principal é a qualidade.

    Fonte: FPF

    Bola na Rede: Há demasiada pressão sobre os jovens no seu período de formação? Se a há, de onde vem maioritariamente: dos pais, dos treinadores…?

    Hélder Guedes: Na minha altura também já existia essa pressão. Hoje, existe cada vez mais e mais até internamente. Isto também porque já envolve muito dinheiro, até os pais dos jovens já começam a receber dinheiro por parte dos agentes para assinar e isto faz com que a pressão seja maior internamente. Cada vez mais, a família quer que o filho seja o sustento e isso, por vezes, não é bom. O sustento e, às vezes, até o reconhecimento social, que hoje em dia já se vê muito isso. E isso não é bom.

    Bola na Rede: Qual é a maior diferença entre a sua geração de sub-21 e a geração atual? Há mais condições agora para estes jovens crescerem e decidirem bem os seus passos para vingarem no futebol profissional?

    Hélder Guedes: Sim, têm outras condições, é verdade – e ainda bem que têm, é sinal que estamos a evoluir. Eu vejo pela própria Federação, que tem imensos recursos, imensas condições. Mas até da parte dos clubes e tirando até os três grandes. O próprio SC Braga, o Vitória FC, o Rio Ave FC são clubes que foram evoluindo e que dão mais condições aos atletas do que na minha altura, o que torna a competitividade maior e isso é bom para o crescimento.

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    Márcio Francisco Paiva
    Márcio Francisco Paivahttp://www.bolanarede.pt
    O desporto bem praticado fascina-o, o jornalismo bem feito extasia-o. É apaixonado (ou doente, se quiserem, é quase igual – um apaixonado apenas comete mais loucuras) pelo SL Benfica e por tudo o que envolve o clube: modalidades, futebol de formação, futebol sénior. Por ser fascinado por desporto bem praticado, segue com especial atenção a NBA, a Premier League, os majors de Snooker, os Grand Slams de ténis, o campeonato espanhol de futsal e diversas competições europeias e mundiais de futebol e futsal. Quando está aborrecido, vê qualquer desporto. Quando está mesmo, mesmo aborrecido, pratica desporto. Sozinho. E perde.