«O CD Tondela era o único clube em que não me via como suplente» – Entrevista BnR com Tozé Marreco

    – De olhos na Liga 3 –

    «Esta Liga 3 vai ser uma Segunda Liga»

    Bola na Rede: O mister Toni Pereira diz, muitas vezes, que, na Primeira Liga, se fazes um passe longo é jogar na profundidade, se fazes um passe longo, no Campeonato de Portugal, é chutão na frente. Também se trabalha bem no Campeonato de Portugal?

    Tozé Marreco: Disso não há dúvidas. É o que te digo, a variabilidade é das maiores riquezas que o jogo pode ter. Às vezes, uma transição pode ser tão bonita como uma organização ofensiva que após 30 passes acabe em goloFazer os 30 passes só faz sentido se for para desmontar a equipa adversária, não é fazer passes por fazer. Não há só um tipo de futebol e choca-me ouvir “ah… fizeram um golo em transição”. Não vale? Quer dizer, se o Ederson meter diretamente no Sterling ou no Aguero não conta? Faz-me confusão isso. Não há só um tipo de futebol e temos que respeitar todos. Também perdi, este ano, jogos em que o adversário rematou duas vezes. E então? Mérito deles. Não os posso deixar chutar as duas vezes. São fortes na transição? Não os posso deixar transitar, se não eles vão-me matar. Se puder chegar à baliza adversária em dois passes, prefiro chegar em dois passes do que fazer 50. Para algumas fações parece que, para ser bonito, tem que se fazer os 50 e isso não concordo.

    Bola na Rede: De onde vem a tua admiração por José Mourinho e o que é que as tuas equipas bebem das equipas dele?

    Tozé Marreco:  A equipa que gostei mais de ver jogar futebol foi o Porto de 2004. O treinador português tem que agradecer ao Mourinho as portas que ele abriu. É inacreditável o que conquistou e as portas que abriu para outros colegas poderem aparecer. A equipa que mais me marcou foi o Porto de 2004, porque havia essa alternância no jogo e porque, em termos defensivos, tinha uma capacidade de pressão inacreditável. A equipa conseguia ser prática e jogar bonito, ao mesmo tempo. Era bastante completa. [Mourinho], em termos de personalidade, é aquilo que ainda gosto mais que é a frontalidade, a energia, a paixão que ele tem no jogo. Para mim, vai ser sempre referência. Agora também está na moda bater no Mourinho pela forma como ele joga. Em termos de personalidade e de organização será sempre uma referência. Nesse Porto de 2004, com jogadores que vinham do nada, ele conseguiu ser campeão europeu.

    Bola na Rede: Nesta equipa do Oliveira do Hospital, tens dois antigos colegas de equipa: o André Fontes, no Desportivo de Chaves e na Naval, e o Nando Pedrosa, no Tondela. É fácil separares as águas? De que forma gostas de te posicionar dentro do grupo?

    Tozé Marreco: Acho que quando as regras são claras, não pode haver grande dúvida. O Fontes foi o primeiro jogador com quem falei na altura em que aceitei o convite. Por terem jogado comigo, não me precisam de tratar por mister, podem-me tratar por Tozé à vontade, não demonstra mais ou menos respeito. Agora, têm que respeitar as minhas opções e têm que cumprir as regras que estão definidas. A partir daí, não vai haver problema nenhum. Há momentos em que é para treinar, há momentos em que é para brincar, há momentos em que é para nos rirmos. Os jogadores, quando são inteligentes, percebem isso. Não houve problemas nenhuns. Conhecia bem o caráter do Fontes, por isso é que também o fui buscar. Sabia que podia ser uma referência importante ali dentro, além da qualidade de jogo que nos dá. Em muitos momentos, partilhei opiniões com ele. A última decisão é minha, eu é que sou o responsável por isso. Não há grandes dúvidas nesse momento. As regras são claras, não precisei de meter travão em nenhum deles. Souberam os dois lidar com a situação.

    Bola na Rede: Na construção do plantel, desempenhaste funções de scouting, geriste o início do processo de negociação de alguns jogadores… Vês alguma vantagem nesse acumular de papéis ou essa situação é apenas fruto de uma estrutura menos profissionalizada?

    Tozé Marreco: Acho que o mais importante de tudo é a escolha dos jogadores. Nesse processo quero estar sempre envolvido. Se num sítio me dizem que não posso escolher jogadores, será difícil eu ir. É lógico que tem que haver um acordo entre a estrutura e o treinador, mas o treinador tem que ter uma voz ativa no processo de contratação. Não discuto questões financeiras com os jogadores, não quero fazer parte disso. Quero fazer parte sim da escolha dos jogadores, porque acho essencial. É o momento mais importante da época. Por isso, é que chegar um treinador a meio ou no final da época para um plantel que não foi ele que escolheu não é fácil. Quero ser voz ativa nesse processo, porque acho que é essencial. Quero ter sempre a minha base de dados organizada para aquilo que o futuro traz, quero ter jogadores referenciados desde guarda-redes a pontas de lança para, num projeto para onde for, saber que tenho aqueles jogadores e ver “ok, aquele dá para a Primeira Liga”, “aquele tem potencial para jogar na Segunda Liga”. Se tiver no meu plantel um jogador que é referência e ele sair, já tenho ali dois, três nomes preparados para o caso disso acontecer. Além da adaptação ao contexto, a capacidade de antecipar problemas, seja no campo, no balneário ou neste tipo de questão, tem que ser uma qualidade do treinador. Tento antecipar esses problemas fazendo uma base de dados bastante alargada. A maior loucura de ter aceitado isto [Oliveira do Hospital] foi não conhecer absolutamente nada. Desde o final da época até agora, temos as séries todas já vistas com jogadores que achamos que têm qualidade para os diferentes contextos que aí vêm.

    Bola na Rede: Que problemas é que a Liga 3 vem resolver e que oportunidade vai proporcionar?

    Tozé Marreco: Vem separar as melhores equipas do Campeonato de Portugal, aquelas que têm mais condições para chegarem a uma Segunda Liga. É lógico que depois vão haver surpresas como o Oliveira do Hospital e isso é a beleza do futebol. Esta Liga 3 vai ser uma Segunda Liga, não tenho dúvidas nenhumas. Em termos de qualidade e de competição entre as equipas, vai ser uma Segunda Liga praticamente. Acredito até que vão haver clubes nesta Liga 3 com um orçamento maior do que muitos clubes da Segunda Liga. Vai ser uma oportunidade incrível para os jogadores para ainda estarem mais visíveis com as transmissões televisivas que vão ter e com o impacto que o campeonato vai ter. Vai ser uma liga fortíssima. Foi uma revisão que faz todo o sentido para preparar estas equipas e para as equipas que caem da Segunda Liga não caírem diretamente no Campeonato de Portugal. Vai dar uma competição e uma emoção ao jogo muito grande. A oportunidade grande vai ser para os jogadores de estarem ainda mais envolvidos num contexto que vai ser profissional. Na Zona Sul temos Vilafranquense, Torreense, Alverca, União de Leiria, equipas que podiam estar perfeitamente na Segunda Liga. Os clubes vão apostar e vai envolver mais dinheiro, o que é ótimo para os jogadores poderem desenvolver as suas carreiras. Concordo plenamente com a questão dos relvados. Depois, espero que haja um controlo efetivo e que não haja problemas a nível salarial. Tem tudo para ser uma competição muito boa.

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.