«Figo e Rui Costa saíram em minha defesa no caso do doping» – Entrevista BnR com Kenedy

    – Campeão no Benfica, “palhacinho” em Paris e dobradinha no Porto –

    BnR: Lembras-te da tua estreia na equipa principal do Benfica?

    K: Eu como júnior comecei a treinar com os seniores, era o mister Eriksson o treinador, ele gostava muito de mim. Ele no dia antes de se ir embora, isto são coisas que nós guardamos, chamou-me ao gabinete dele e disse-me “Tu foste o melhor jogador da formação que eu vi na minha vida. E um dia vamo-nos encontrar!”. Mas a estreia, fui convocado para a Madeira, contra o Marítimo, era o último jogo da época só que havia vários jogadores que ainda não tinham feito jogos no campeonato. Eu fui para o banco e ele acabou por meter outros que não tinham jogado, lembro-me que era o João Pires e mais dois ou três. Eu não disse nada, já estava feliz da vida de estar ali, e ele pediu-me desculpa por não me ter posto a jogar.

    BnR: Isso é quando ainda estás nos juniores?

    K: Sim. Depois no primeiro ano de sénior eu penso que não faço jogo nenhum, era o mister Tomislav Ivic. No ano a seguir, o meu segundo ano de sénior, com o mister Toni o primeiro grande jogo que faço é a apresentação aos sócios, no Estádio da Luz É um jogo memorável para mim, com 19 anos a jogar um Benfica-Barcelona. Era o Barcelona com Romário, Begiristáin, Laudrup, aquela equipa espetacular, e nós ganhámos 2-1.

    Kenedy foi campeão pelo Benfica em 1994
    Fonte: SL Benfica

    BnR: Fazes parte do famoso “6-3 em Alvalade”. Nesse jogo até jogaste mais à frente do que o habitual ou não?

    K: Não, por acaso nesse jogo joguei a defesa esquerdo. Eu com o mister Toni, nesse ano em que fomos campeões, raramente joguei à frente. Aliás, eu começo a jogar a defesa esquerdo no SL Benfica mas até aos juniores nunca fui defesa esquerdo. Joguei a ponta-de-lança, número 10 e extremo esquerdo.

    BnR: Como é que se dá essa mudança então?

    K: Tudo começa quando eu vou treinar aos seniores com o mister Eriksson. Lembro-me dum dia em que eu estava a treinar no pelado, nós todos cheios de lama, e os seniores estavam no campo nº4, ao lado. Quem se lembra das antigas instalações do Benfica, havia o campo nº1, nº2, nº3, nº4 e este era ao lado do pelado. Eles estavam a fazer um treino conjunto, vejo o mister Eriksson falar com o mister Nené e chama-me. Eu cheguei lá, todo cheio de lama, com as botas todas sujas, e os outros todos bonitinhos, e ele dá-me o colete e diz, lembro-me como se fosse hoje, “Vai ali para defesa esquerdo”.

    BnR: E tu?

    K: Eu nem lhe disse que não jogava ali, a partir dali ficou aquela coisa de que podia ser defesa esquerdo e com o mister Toni nesse ano praticamente joguei sempre a defesa esquerdo. Neste jogo dos 6-3 eu nem estava à espera de jogar, porque este era um jogo do título e eu andava a jogar a defesa esquerdo, o Rui Costa a médio esquerdo e o Schwartz estava magoado. Só que nessa semana voltam todos e eu com 19 anos sempre pensei que ia para o banco, dormi tranquilo da vida.

    BnR: Quando é que sabes que vais ser titular?

    K: Na palestra no hotel. O mister Toni dá os três defesas e depois pára um bocadinho e diz “Defesa esquerdo: Kenedy”. Eu comecei a tremer. Lembro-me que o Hélder e o João Pinto estavam ao meu lado, eles ficaram a olhar para mim, quase que me seguraram para eu não cair para o lado. Mas pronto, é daqueles jogos que, juntamente com os 4-4 em Leverkusen, apesar de não ter jogado, foram os jogos mais importantes da minha carreira.

    BnR: O Toni normalmente dizia a equipa titular no balneário ou ainda no hotel?

    K: Não, dizia no hotel. Por acaso nesse jogo, para mim um dos melhores em que eu joguei, acaba por ficar no banco o Rui Costa. Jogo eu a defesa esquerdo e joga o Schwartz a médio esquerdo. Penso que ninguém estava à espera daquilo, nem o próprio Rui. Acabou por ter um sabor diferente para mim o estar naquele jogo, que até hoje ainda se fala, é sempre bom.

    BnR: Em 1996 representas Portugal nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Como foi essa experiência?

    K: Foi fantástico. Quem passa aquelas experiências de Jogos Olímpicos… Apesar de nós no futebol termos ficado um bocado à parte, não ficámos bem na aldeia olímpica, acho que fomos lá só uma vez visitar. Mas é fantástico o dia da inauguração dos Jogos Olímpicos, o fecho. Nós tivemos a sorte de ter ficado até ao fim, perdemos só nas medalhas. Foi uma experiência muito boa ter representado Portugal nesses Jogos Olímpicos e termos conseguido um 4º lugar, tendo em conta as equipas que estavam nos Jogos Olímpicos e os jogadores que estavam nessas equipas.

    BnR: Jogaste com o Dani nessa altura não foi? Foi daí que ficou a vossa amizade?

    K: Sim, nós já nos conhecíamos das seleções. O Dani é mais novo que eu um ano, penso eu, mas fazia sempre parte destas seleções mais velhas. É uma excelente pessoa e, além de ser uma excelente pessoa, no futebol para mim, joguei com muita gente de nível mundial mas a nível de pé esquerdo está nos três melhores com quem joguei em toda a minha vida. O Dani era fantástico.

    BnR: Como surge a oportunidade de rumares ao Paris Saint Germain?

    K: Eu acabava o contrato com o Benfica e surge nesse mesmo ano a Lei Bosman. Queria ficar no Benfica, achei que na altura o que me ofereceram para renovar, se calhar comparado com outros jogadores que não sentiam aquela mística de estar no Benfica, que eu sentia por já lá estar há tantos anos, senti que não houve um esforço muito grande de quem estava à frente do clube para eu ficar. Não exigi nada do outro mundo e achava que, já lá estando há tantos anos, os 10% no contrato que eles queriam aumentar em relação ao que eu ganhava, era pouco.

    Kenedy jogou uma época no Paris SG
    Fonte: Histoire du PSG

    BnR: Sais então como jogador livre?

    K: Sim, era um jogador livre nessa altura. O meu empresário era o Manuel Barbosa, que Deus o tenha, e um dia ele diz-me “Tenho um clube para ti, não assines”, porque o Benfica também não voltou com outra proposta. Na altura, a única pessoa que veio falar comigo foi o Toni e eu disse “Não, eu vou ver o que consigo fazer e tal” mas depois não houve… E também o treinador que viria seria o Paulo Autuori e eu a última vez que tinha tido uma conversa antes de acabar a época ele disse “Conto contigo mas tu é que sabes”. Quando te diz isto, pronto… (risos). Coincidência das coincidências, jogava comigo nesse ano o Ricardo Gomes e no verão foi para treinador do Paris Saint Germain e eu fui com ele.

    BnR: O que destacas dessa época em Paris?

    K: Foi uma época fantástica. Eu na altura, com 22 anos creio, na primeira época em França fiz mais de 25 jogos a titular. Para quem chega, um estrangeiro em Paris… lembro-me perfeitamente que o Raí, que é até hoje um amigo meu, demorou uma época, uma época e meia a afirmar-se. Há sempre aquelas coisas quando um estrangeiro chega lá, é uma mentalidade diferente, é um país diferente mas nesse ano fiz logo esses jogos todos e foi uma grande experiência.

    BnR: Na altura não era o Paris SG que é hoje.

    K: Sim, é um clube fantástico mas não era aquilo que é hoje, apesar de na altura já ter excelentes condições. Fui muito bem tratado e toda a gente gostava de mim. Aquelas opções às vezes que nós tomamos na vida, eu tinha um contrato de três anos e depois eu forcei para me vir embora na pré-época seguinte. São aquelas opções que nós às vezes não sabemos porque as fazemos mas faz parte de uma vida e foi uma das piores decisões que eu tomei.

    BnR: Porque é que dizes isso?

    K: Na altura o Paris SG estava interessado no Edmilson, aquele loirinho que jogou no Porto, estava a fazer uma boa época. Na altura até foi o Jorge Mendes, no seu começo, e o Pinto da Costa que ligavam para mim, foi se calhar um dos primeiros jogadores com quem o Jorge Mendes fez alguma coisa. Começaram a ligar para mim e a dizer “Vens para Portugal, o ordenado é o mesmo, vens na troca do Edmilson”. Eu pensei “Vou voltar a casa, voltar para o Porto, o Porto também está na Liga dos Campeões, o ordenado é mesmo…”, pronto aquelas coisas todas.

    BnR: O Paris SG estava disposto a vender-te?

    K: Lembro-me que no dia em que estava no aeroporto, o Presidente do Canal+ e do Paris SG, o sr. Michel Denisot, disse “Não quero que vás embora, eu pago o que for preciso pelo Edmilson mas tu ficas aqui”. Ele adorava-me, o gajo tinha uma coisa por mim porque sempre fui aquele divertido, o palhacinho do balneário, estava sempre tudo bem e divertido. Ele adorava-me e os franceses, se não fores assim, não te integram. Porque outros estrangeiros chegavam lá, ficavam calados. Aliás, eu comecei a falar francês logo em três ou quatro meses. Eu queria brincar com eles, gozar com eles e fui aprendendo assim naturalmente. Mas eu forcei, forcei e acabei por vir para o Porto.

    BnR: És tetracampeão no Porto. Naquela altura era difícil não se ser campeão no Porto?

    K: O FC Porto tinha uma excelente equipa, bem organizada, a estrutura, o sr. Presidente Pinto da Costa e tinham bons jogadores também. Nessa altura o plantel do Porto em que eu fui tetra era fantástico, Zahovic, Drulovic, Jardel, Sérgio Conceição, Capucho, Aloísio, Jorge Costa, Paulinho Santos, Rui Jorge. Um elenco muito bom e nesse ano conseguimos ganhar o Campeonato e a Taça de Portugal.

    BnR: Dobradinha no Porto, não é para todos.

    K: É, dobradinha nesse ano e no Benfica também já tinha ganho o Campeonato em 93/94 e a Taça de Portugal em 96, aquela do very-light.

    BnR: Vocês jogadores apercebem-se no relvado do que se passa na bancada?

    K: Nós apercebemo-nos que aconteceu alguma coisa, não temos a noção que infelizmente faleceu alguém. Só temos a informação ao intervalo que parece que a pessoa foi atingida e parece que talvez tenha falecido. Na altura, lembro-me que os capitães reuniram-se, penso que o Oceano e Carlos Xavier estavam presentes da equipa do Sporting e tentaram de uma maneira ou outra que o jogo não fosse até ao fim. Mas pronto, também ainda não tinham a certeza se a pessoa tinha falecido ou não. Penso que nesse dia nem houve entrega da Taça, por causa desse acontecimento.

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