«A melhor coisa que me aconteceu na vida foi Mourinho ter-se lembrado de mim» -Entrevista BnR com Ricardo Formosinho

«A melhor coisa que me aconteceu na vida foi o José Mourinho ter-se lembrado de que poderia ser útil para ele».

BnR: É inevitável falarmos também de José Mourinho, com quem trabalhou no Manchester United e Tottenham mais recentemente. Como conheceu o special one?

RF: Caro amigo, nós somos amigos desde que o José tinha 11 anos. Portanto, diria 45/50 anos. Éramos miúdos, o pai dele jogava no Vitória, e partilhámos muito. Ele gostava e gosta muito do Vitória, era um fã. Também a mãe dele foi professora, durante muitos anos, do meu irmão e criámos muitos laços. Mais tarde, durante a relação profissional, fui sempre um seguidor e um apaixonado pelo José Mourinho. Pela forma como conduziu a sua carreira e as suas equipas. Trocávamos impressões e cheguei a pedir-lhe opiniões, com certeza. Não me custa dizer isso porque pedir opinião aos melhores não fica mal a ninguém. Conversávamos e, mais tarde, fomos falando de outras coisas e um dia, faz agora cerca de sete ou oito anos, recebi um telefonema de um amigo meu.

BnR: Imagino o que vem aí…

RF: (Risos) Recebo esse telefonema a perguntar-me: “O que é que fazes?“. E eu respondi que estava em casa. Do outro lado: “Podes vir à minha casa?“. Disse que sim e esse meu amigo mandou um motorista para me ir buscar a casa. Disse para a minha esposa: “O meu amigo provavelmente quer dar-me um abraço de Natal”. Chego a casa dele e ele diz-me: “Consegues guardar um segredo?“. Digo que sim e ele: “Vou trabalhar para o Manchester United e quero ter-te comigo”. Bom, eu nem sabia se haveria de rir ou de chorar, e claro que aceitei. A melhor coisa que me aconteceu na vida foi o José Mourinho ter-se lembrado de que poderia ser útil para ele. Acho que fui útil para ele até ao dia em que decidi sair. Ele apoiou-me sempre e tem um lugar no meu coração e no de toda a minha família. Por isso, digo sempre: obrigado, José. Trata-se do homem que deu uma volta ao futebol português. Tanto nacional, como internacional. Isto não é gratidão; é verdade. Se temos o mercado aberto, caros amigos, a ele o devemos. Porque ele fez e disse coisas diferentes.

Fonte: Real Madrid CF

BnR: A partir de que momento é que começou a perceber que ele viria a ser especial?

RF: Ele estava no FC Barcelona e era adjunto do Bobby Robson. Eu perguntei-lhe algumas coisas sobre o clube e, tendo em conta a forma simples como me explicou e como me mostrou os caminhos para o sucesso, logo ali lembro-me de dizer: “Estamos na presença de algo diferente de tudo, para melhor”.

BnR: José Mourinho atravessa uma fase mais atribulada na carreira; muitos adoram-no, outros criticam-no. Uma das mais recorrentes é mesmo a forma como a mensagem poderá não passar para alguns jogadores. O que acha de tudo isto? São críticas justas ou exageradas? Há muita cobrança?

RF: Há uma grande cobrança, que é lógica e legítima porque só se faz a quem é bom. Só se atira pedras a uma árvore que dê frutos. Compreendo as críticas que lhe fazem, mas eu não partilho dessas críticas. A ambição dele é imensa, seja contra uma equipa da Primeira ou da Terceira Divisão. Quer ganhar e ele está dentro da evolução do treino e do jogo. Ele está num patamar muito à frente: o da estratégia. Mais importante do que o 4-4-2, 4-3-3, ou 3-5-2, é a estratégia para a tua forma de jogo e para as tuas ideias. Sobre isso, não há hipótese: ele está muito à frente. Ele é ambicioso e atrevido. Aliás, se me permites…

BnR: Força.

RF: Há uma crítica que lhe fazem com a qual eu não concordo: a de que ele é um treinador defensivo. É o seguinte: as equipas dele, quando não têm a bola, defendem. Quando têm a bola, atacam. E, para cada jogo, ele monta a sua estratégia. Veja-se o jogo da AS Roma com a Atalanta BC. Parece sorte? Não foi. Foi a vitória da estratégia perante uma equipa com grande potência ofensiva e com boas dinâmicas. A estratégia leva-te para aquilo que te convém. És melhor treinador se consegues potenciar as tuas capacidades e explorar as fragilidades do adversário. Se ele entende que é o caminho que o leva para a vitória, por que é que vai mudar? Para agradar? Em termos estratégicos, está uns anos à frente dos anos. Jogar bonito? É evidente que quem joga bem está mais próximo de ganhar. Mas o jogar bonito e bem é subjetivo. Pergunta à massa adepta de um clube: querem jogar bonito e perder ou jogar menos bonito e ganhar? Ao nível da indústria do futebol, o importante é ganhar.

BnR: Em relação a desafios, acha que esta experiência na AS Roma pode vir a ser interessante para José Mourinho?

RF: É assim… Ele vai voltar a ganhar. A AS Roma não tem uma super-equipa comparada com outras formações da Série A. Mas, “step by step“, está a melhorar, e num futuro próximo vamos ver uma AS Roma com um potencial bem mais forte. Nisso, o José é grande. Vamos recuar ao FC Porto: ele precisou de quase um ano para colocar a equipa a jogar. Recorde-se o que era o Chelsea, antes de ele lá chegar.

BnR: Pegando aqui em mais uns pontos sobre a sua experiência com José Mourinho. No Tottenham, chega com um contexto completamente diferente: há uma série televisiva, no caso, o “All or Nothing“, a decorrer. É difícil treinar sabendo que há um conjunto de câmaras televisivas que estão a gravar tudo aquilo que é dito entre vocês?

RF: Foi um entrave para algumas coisas, claro. Sabemos que o futebol tem uma linguagem muito própria e que há comportamentos, dentro do futebol, que não são ríspidos, mas se os transportares para fora da órbita futebolística (cá para fora) podem parecer mais agressivos ou perigosos. E ali, se ias para um lado ou para o outro, tinhas uma câmara e um microfone, e isso era algo impeditivo no que tocava a passar a mensagem. E os jogadores não são todos iguais quando se trata de receber mensagens. Uns reagem de uma determinada forma e sob determinada pressão, outros reagem de outra forma.

BnR: Podemos explorar melhor essa questão, olhando para exemplos de jogadores que estiveram consigo na experiência em Inglaterra. Lanço os nomes de Harry Kane e Son de um lado, do outro Paul Pogba e Dele Alli. Quatro atletas de potencial, mas com rendimento diferente com José Mourinho. Isto pode ter que ver mesmo com essa questão?

RF: Olha, só uma coisa: nunca vi qualquer problema ou discussão entre Pogba e José Mourinho. Deu-se muita ênfase a isso e não foi bem assim. Agora, sobre o rendimento de cada um… O treinador coloca os que dão maior rendimento. O Kane e o Son são dois grandes jogadores, jogam bem agora e jogaram muito com Mourinho. Sobre o Dele… Bom, eu não quero falar do Dele Alli…

Mário Cagica Oliveira
Mário Cagica Oliveirahttp://www.bolanarede.pt
O Mário é o fundador do Bola na Rede, professor universitário e comentador de Desporto na DAZN Portugal e Rádio Observador. Vive o Desporto 24/7 e tem em José Mourinho a sua referência.

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