«Não tenho onde treinar aqui em Portugal, só consigo treinar mesmo antes das competições» – Entrevista BnR com Gonçalo Resende

    «Como o voo de asa é uma disciplina muito nova, há muitas nações que ainda não têm campeonato nacional de voo de asa, nomeadamente Portugal»

    Bola na Rede: Pois, existe aqui uma vertente de “networking” forte no desporto.

    Gonçalo Resende: Muito, muito forte. Conheço até bastantes pessoas que têm poucos contactos e patrocínios porque não estão muito dentro da área de “networking” e assim, são pessoas muito mais fechadas, não ligam a redes sociais. Acabam por ter um bocadinho mais de dificuldades de crescimento. Não vale a pena estar a falar de pessoas específicas, mas há gajos que antes de serem campeões do Mundo, já tinham montes de patrocínios, já eram famosos por tudo e por nada, enquanto que há outros gajos que só quando foram campeões é que começaram a ver a vida crescer. Ou seja, o processo até chegarem a campeões foi muito mais complicado e demorou muito mais tempo.

    Bola na Rede: E passando a falar do Mundial, esse foi um objetivo que já tinhas traçado desde o início da carreira?

    Gonçalo Resende: Sim, já há muitos anos que eu queria ir ao Mundial de voo de asa, especificamente. Eu já tive oportunidade de ir ao campeonato do Mundo de “freefly”, porque para ir ao campeonato do Mundo de “freefly” é um pouquinho diferente do voo de asa. Como o voo de asa é uma disciplina muito nova, há muitas nações que ainda não têm campeonato nacional de voo de asa, nomeadamente Portugal, não há campeonato nacional de voo de asa em Portugal. Não há, digamos que local, pessoas também para participar, ou seja, acaba por não ser feito em Portugal. Há muitos países que ainda fazem o campeonato noutros países. Na República Checa, que também estive este ano, são lá feitos na mesma competição, acho que 3 ou 4 campeonatos nacionais, que é o da República Checa, da Alemanha, da Áustria e às vezes, Reino Unido, este ano foram estes quatro. Porquê? Porque nem todos os países têm onde fazer campeonato de SUP, é preciso ter o lago, é preciso ter muitos júris, ou seja, requer muitas pessoas, muita infraestrutura, ou seja fazem todos os campeonatos juntos e como é um desporto muito jovem ainda, acabam por fazer todos os campeonatos, ali no mesmo sítio, o que é engraçado porque é se calhar a disciplina com mais participantes, no entanto é a que tem me nos campeonatos e competições e assim, Por exemplo, no freefly a forma de nós irmos ao campeonato do Mundo é diferente. Tu competes em campeonato nacional de freefly e aí tens vários competidores, várias equipas. A melhor equipa vai ao campeonato do Mundo. Mas tem um “quê”. Por exemplo, em Portugal, nós não temos muitas equipas, temos pouquíssimas até. Ás vezes até temos de andar a fazer equipas à última da hora que é para conseguir sequer fazer o campeonato. Para além de ser o primeiro lugar ou o segundo, imagina, uma federação com muito dinheiro pode enviar as três equipas de primeiro lugar, a França costuma mandar duas ou três equipas, os Estados Unidos a mesma coisa.

    Gonçalo Resende é o primeiro português a participar no Mundial de voo de asa ou “cannopy piloting”
    Fonte: Federação Portuguesa de Paraquedismo

    Não é só preciso seres do primeiro lugar, também tens que pontuar pontos mínimos, que acho que em Portugal são 7,5. É verdade que cada federação quantos pontos é que é, mas nenhuma federação vai decidir tipo 2 pontos ou assim, claro, não faz sentido. A média é de 0 a 10. Se conseguires pontuar, penso que são 7,5, mas não vale a pena estar a dizer, que eu não tenho a certeza, estás apto a ir a campeonato do Mundo. Cada país tem pelo menos um júri que é especializado no freefly e nós temos um júri que até é membro do quadro de júris da FAI, que é o órgão internacional que faz as competições e assim, a Federação Aeronáutica Internacional, chama-se Manuel Almeida. O nosso júri Manuel Almeida como tem o estatuto de júri da FAI, avalia também a nossa performance nas competições de “freefly” e inclusive em 2021 e 2022, foram os primeiros anos em que nós conseguimos pontuar o suficiente para ir a um campeonato do Mundo, eu estou a dizer em 2020, mas não, foi em 2021. Nós pontuámos o suficiente, ou seja, se nós quiséssemos, nós éramos equipa de primeiro lugar, como tínhamos feito mais de 7,5 pontos, acho que foi 7,6. Nós, se quiséssemos, podíamos ter ido ao campeonato do Mundo. Claro que a nossa federação não tem propriamente grandes verbas para nos mandar assim ao campeonato do Mundo assim e pagar tudo que, outras federações, por acaso, fazem. Mas, se nós quiséssemos, a nossa inscrição estava garantida. Só não participámos porque o meu colega de euipa estava mesmo para começar a trabalhar como piloto de linha aérea, sabem como é que é, uma pessoa está ali a começar o trabalho, não vai estar a pedir logo duas ou três semanas de férias para ir passear a um campeonato do Mundo, ou seja, escolhemos não ir, escolhemos só o Nacional, fazemos sempre. Mas campeonato do Mundo não fizemos no ano passado nem neste ano que estávamos (qualificados nos dois anos). Se calhar no futuro, não sei, depende do que ele queira. A nível de voo de asa, que é o campeonato do Mundo a que eu realmente fui, eu sempre quis ir. Já estou quase para ir desde 2019. Tem sido complicado… não digo complicado, mas uma luta quase para conseguir ir ao campeonato do mundo às vezes porque é complicado as inscrições e assim. São várias pessoas que têm de pegar num papelinho de nada e assinar e autorizar, digamos, para eu ter podido lá ir. E como o voo de asa acaba por ser a disciplina mais perigosa, das que há competição, é sem dúvida a mais perigosa porque existe mesmo o risco de uma pessoa se magoar a sério, enquanto que num campeonato do freefly ou assim, não há grande risco de haver um acidente. Os gajos estão a fazer a competição em queda livre, a menos que batam um contra o outro com grande força ou que o paraquedas tenha algum problema, não vai haver nenhum acidente. Enquanto que no voo de asa, em quase todas as competições pelo menos uma pessoa magoa-se. Nem que seja só um bocadinho, é quase garantido que alguém se magoa sempre. Ainda neste campeonato do Mundo, houve um rapaz que se aleijou infelizmente no joelho. Não foi nada de sério, mas foi o suficiente para ele não conseguir fazer a competição e ter de ir de ambulância para o hospital. Ou seja, como é uma disciplina que já tem essa fama, não vou dizer má fama porque não é uma coisa má, é uma coisa que acontece simplesmente. É um pouco complicado um miúdo menor de idade, em 2019, eu ainda tinha 17 anos quando o campeonato do Mundo ia acontecer e é um bocado complicado um miúdo de 17 anos, 18 anos, ainda por cima com a autorização da Federação, iam dizer “Porque é que vai ele e não outro fulano qualquer?” porque não sou a única pessoa com asas pequenas em Portugal, nem sou o único a fazer voo de asa em Portugal. Porque é que vou eu e não vai outra pessoa qualquer, se calhar mais velha e mais experiente? Como não há campeonato nacional, não dá para ver quem é o melhor, então porque é que havia de ir eu? Não faz sentido absolutamente nenhum ir eu a um campeonato do Mundo. Ainda por cima, ia ser a minha primeira competição e as competições de SUP são coisas complicadas, aquilo é muito psicológico, requer muito treino, muita dedicação e então optei por nem sequer fazer nenhuma competição em 2019, internacional ou não. Esperei até 2020. Em 2020, já estava com asas bastante boas, já estava a voar quase na “performance” máxima com que podia estar, ou seja, já não era o equipamento que me estava a abrandar, ou seja, já era mesmo eu próprio que tinha que aprender, ainda assim, eu não estava a usar pesos extra que é uma coisa que nos ajuda a ir mais rápido. Mesmo assim, consegui ter uma performance. Fiquei em 14º lugar numa competição que costuma ter 70-80 competidores e foi a minha primeira competição em 2020. A partir daí eu já me sentia preparado para ir ao campeonato do Mundo. E pensei “ok, vou-me inscrever, vou tentar ir ao campeonato do Mundo no próximo ano”, que era em 2021. Em 2021, fiz a temporada de competições, o campeonato do Mundo ia ser depois da temporada acabar e foi na Rússia. Quando comecei a temporada, mudei um pouco todo o meu sistema: os meus paraquedas eram diferentes, tinha peso extra, havia muitas coisas novas ali para mim. Eu fiz uma temporada de competições, fui à Itália, fui à República Checa, fui à Dinamarca, essas coisas todas, mas o campeonato do Mundo em si acabei por perceber que não tinha interesse em ir, que achava que era muito cedo, eu pensei e foi o que o meu mentor me disse: “Se vais lá, mais vale ires para fazer um bom trabalho, se vais para lá passar vergonha; chegas lá, estás a falhar ou ainda não tens a proficiência que eles têm, não vás para lá fazer vergonhas. Se vais para lá pela primeira vez, ao menos que seja logo para fazer um bom trabalho”.  Então, em 2021 não fui, fui a uma competição internacional que é da FAI também, o DIPC, “Dubai International Parachutting Championships”. Infelizmente no último dia de treinos, desloquei o cotovelo. Não foi nada de especial. Eu estava a aterrar normal, tropecei, caí para a frente, meti a mão em vez de me deixar reboar, o meu braço apanhou-se ali um bocado na queda e desloquei o cotovelo. Eles meteram-me o cotovelo no sítio, mas aquilo ainda ficou com um calo dorido e eu não pude fazer a competição.

    Bola na Rede: Só para destacar então que existe muito cuidado dos órgãos tutelares em garantir que a participação nos Mundiais é feita com a maior segurança possível e com maturidade, ou seja, com objetivos específicos.

    Gonçalo Resende: Tal e qual. Cada federação tem “x” número de pessoas que podem participar, tem mais ou menos a ver com quantos paraquedistas existem naquele país. Depende muito da decisão da própria federação. Algumas federações dão 3 lugares pagos, em que eles pagam tudo e até dão um bocadinho de dinheiro, para saltos, para treinos e viagens. E há federações que, no caso dos Estados Unidos, tens de ser do top 10 ou uma coisa assim para poder representar os Estados Unidos. Outras federações em que existem 3 atletas que são a equipa nacional, depois se tu pagares a tua inscrição, a federação deixa-te ir lá fazer o que quiseres e pode ser a tua primeira competição. Não é o caso nos Estados Unidos, em Portugal… sinceramente, (o paraquedismo) como é uma coisa tão pequena em Portugal, se alguém quisesse ir, se pedisse, bastava falar com os órgãos da federação. A federação provavelmente ia deixar. Agora, não há nada escrito a dizer que toda a gente pode ir, nem que ninguém pode ir. É um bocado uma opinião em aberto e é a Federação a decidir. Eu acho bom ser a Federação a decidir porque assim previne que uma pessoa chegue lá a dizer “Eu quero fazer a competição”. Se uma pessoa chega lá, portuguesa, que não tenha grande experiência, e a Federação tem que o inscrever porque não o pode discriminar ao ponto de não discriminar essa pessoa, a pessoa não tem qualquer valência no voo de asa, a pessoa chega lá, mata-se, não é propriamente bom para o nome de Portugal e pronto a Federação não me escolheu a mim, fui eu que quis ir e demonstrei interesse, já demonstrei interesse há muitos anos em ir. Pedi à Federação, a Federação fez a inscrição e eu fui lá e fiz o melhor que podia fazer e cheguei inteiro, acho que só por aí, já é benévolo para Portugal e a partir de agora é sempre para cima, mas sim, a Federação tem atenção e todas as federações têm e devem ter atenção a quem mandam porque não é propriamente uma disciplina onde qualquer um pode ir, nem que seja só para fazer presença. Às vezes ir só fazer presença pode correr mal.

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    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.