«Não tenho onde treinar aqui em Portugal, só consigo treinar mesmo antes das competições» – Entrevista BnR com Gonçalo Resende

    No passado mês de outubro, Gonçalo Resende tornou-se no primeiro português de sempre a participar na modalidade de voo de asa, no âmbito dos Campeonatos do Mundo de Paraquedismo. O paraquedista de 21 anos falou ao Bola na Rede, sobre o percurso até ao paraquedismo e mais concretamente, até ao Mundial. Faz um balanço dos resultados que alcançou nos Mundiais do Arizona, assim como do que é preciso para singrar na modalidade.  Gonçalo Resende aborda ainda os objetivos para o futuro

    «Neste ano por exemplo eu fui o único português a participar nos campeonatos do Mundo, eu pensei: se vai um português, que vá fazer o mais difícil, o melhor, o mais disputado»

    Bola na Rede: Como nasceu esta paixão pelo paraquedismo?

    Gonçalo Resende: Foi mais ou menos na altura do meu nascimento. O meu pai fez o curso de paraquedismo. E ele viu uma oportunidade de negócio e muito, muito cedo na sua própria carreira de paraquedismo decidiu “Opá, eu vou investir algum dinheiro nisto” e efetivamente comprou a escola de paraquedismo. Não comprou bem a escola, mas comprou o espaço e o nome e as coisas foram crescendo um pouco por aí. Eu desde pequeno que sempre tive interesse no paraquedismo. Quando era mais novo, tinha mais interesse em pilotar aviões e assim, mas perdi um bocado interesse por isso e comecei a dedicar-me mais ao paraquedismo, também numa de poder trabalhar, ganhar dinheiro e assim, mas trabalhar na parte de formação e na parte de desenvolvimento da tecnologia e das coisas relacionadas com o paraquedismo. Foi um pouco quando comecei ali a ter 12 anos, 13 anos, que me comecei a interessar pela parte comercial do paraquedismo. E depois pronto, comecei a trabalhar e tal, e foi assim. 

    Bola na Rede: E é então por volta dessa idade que o paraquedismo deixa de ser apenas um hobby, mas ganha também uma vertente competitiva?

    Gonçalo Resende: A parte da vertente competitiva, diria que não foi bem aí. Eu, quando comecei no paraquedismo mesmo, era andar aqui de um lado para o outro, na zona de saltos e tal, sendo uma criança, não digo a brincar, mas a passar o meu tempo. Quando comecei mesmo a trabalhar, foi a editar vídeos de paraquedismo e depois, a dobrar paraquedas. Quando comecei na parte competitiva foi aos 16 anos, quase 17, que fiz a minha primeira competição aqui em Portugal, de forma nacional, foi mais uma coisa por diversão. Foram amigos com quem eu tinha o hábito de saltar, juntámo-nos, fizemos uma competição e ficámos em terceiro lugar, o que não é uma participação superforte, mas também tínhamos muito pouco treino, foi uma coisa feita um bocado ali, em cima da hora. Quando eu comecei a competir de forma mesmo séria, foi com o meu amigo Diogo Ferreira e também com o nosso colega, André e aí começámos mesmo a treinar, a fazer temporadas inteiras de treino. Até vivíamos juntos, treinávamos juntos, comíamos as mesmas coisas, fazíamos os mesmos exercícios, tudo igual. E claro, tínhamos muitos, muitos saltos de treino. Então foi ali mais ou menos aos 17 anos que comecei a competir ali mesmo a sério, a nível nacional. A nível internacional, faço o treino sozinho porque o voo de asa é uma disciplina que se trabalha sozinho. Foi aos 18 anos e já carecia de treino. Desde os 16 anos, sempre, sempre, sempre a treinar, mas o voo de asa é uma modalidade que já requer muito mais dedicação e treino para sequer se conseguir competir, quanto mais competir a nível mundial.

    Bola na Rede: E porquê essa escolha do voo de asa como modalidade de eleição?

    Gonçalo Resende: É assim, o voo de asa, neste momento, e já desde que foi introduzido, cresceu de uma forma exponencial. Todas as outras disciplinas são relativamente antigas, digamos. É claro que no paraquedismo nada é antigo, o paraquedismo não é um desporto que exista propriamente há muitos anos, mas são disciplinas bastante antigas. Por exemplo, o “freefly” é uma disciplina que já se pratica de forma competitiva, desde os anos 2000. O que dentro do paraquedismo, já é algum tempo e já existe o conceito de “freefly” para aí desde os anos 80 se calhar. Enquanto que o voo de asa foi inventado, as primeiras pessoas a fazer voo de asa, a parte de aterragem mesmo do SUP, que nos chamamos voo de asa. Voo de asa é andar de paraquedas, mas claro que todos os saltos envolvem mesmo o voo de asa, mas a parte mesmo de acelerar o paraquedas e fazer aterragem de alta performance, já só foram sequer começadas se calhar nos anos 2000. Ou seja, na altura em que o “freefly”, que é outra disciplina que eu faço, já estava a nível competitivo e já era uma disciplina assentada, o voo de asa (o SUP ou o “canopy piloting”). Eu interessei-me porque lá está, como eu disse, aquilo nos primeiros 10 anos cresceu de uma forma brutal mesmo e ganhou muita atração. E quando estamos numa zona de saltos, seja grande ou seja pequena, há sempre os gajos do voo de asa, os gajos do SUP que são sempre os mais velhos, os mais experientes, que são ali os mais cobiçados, quase. E epá, sempre me interessou porque partilha tanto um aspeto de proficiência e habilidade com o aspeto de compreender a disciplina e de ensinar e dissecar o conjunto de coisas que tornam a disciplina o que é para progredir. Ou seja, no “freefly” se calhar, tu tens de treinar muito e passar ali muitas horas para ficares bom e para seres bom a fazer os eventos artísticos. No SUP, não é bem assim. Tu podes treinar, treinar, treinar muito, mas se não compreenderes da forma física como é que tudo funciona para que o SUP aconteça, não vais ter uma carreira com sucesso e então como misturava ali duas coisas que eu gostava, interessou-me muito Como sou dos poucos atletas que participa por Portugal nos campeonatos do Mundo, neste ano por exemplo eu fui o único português a participar nos campeonatos do Mundo, eu pensei: se vai um português, que vá fazer o mais difícil, o melhor, o mais disputado. Só para terem uma noção: o “freefly que deve ser neste momento a disciplina mais praticada do Mundo teve 6 equipas a participar no campeonato do Mundo, o que é pouquíssimo. São 3 atletas por equipa, dão 18 atletas no total. No entanto, no SUP tinhas 70 atletas a competir. Houve um ou dois que não conseguiram por não terem visto, mas tinhas 70 gajos a competir. Facilmente numa competição, tens mais de 80 gajos a competir e tudo no mesmo nível, ou seja, o nível está muito mais elevado, mas também como é um desporto individual, acaba também por ter mais tração porque em vez de terem de se juntar uns aos outros, podem ir só eles próprios, então foi um bocado por causa disso.

    Bola na Rede: Um bocado, então, por causa dessa exigência que (o voo de asa) requer?

    Gonçalo Resende: Era a maior proficiência que é necessário ter, ou seja, eu queria fazer a coisa que fosse “a melhor”. Claro que é uma coisa subjetiva, não há nenhum desporto melhor que o outro, mas era o que eu gostava mais e também porque se eu vou fazer sozinho, quero fazer o que traga a Portugal o maior conhecimento à volta do Mundo

    Bola na Rede: Numa entrevista ao canal “Skydive em Português”, referes que a queda que te dá prazer é apenas aquela que faz de forma correta e segura e como pude reparar, tens de facto uma grande exigência em relação ao teu trabalho. Consideras esta exigência essencial para quem quiser fazer carreira no paraquedismo?

    Gonçalo Resende: Considero que é uma coisa essencial, essas exigências ao nível do que é que nós colocamos ou não como barreira da nossa progressão porque há muitos desportos onde nós temos de sair da nossa zona de conforto. Eu já pratiquei “n” desportos e a maioria, se nós estivermos a sair da nossa zona de conforto, estamos a progredir e ajuda-nos a progredir. No paraquedismo, não acho que seja propriamente uma coisa boa, mas isto tem muitos asteriscos. Por exemplo se nós estivermos num nível extremamente elevado, onde a nossa capacidade de acessar o risco que nós estamos a correr já é muito, muito boa, aí estarmos a colocar-nos a nós próprios em risco é benévolo para a nossa progressão ou entrar ali fora da nossa zona de progressão é benévolo. Porquê? Porque o nosso cérebro está tão habituado a fazer as coisas em segurança, que qualquer coisinha fora do normal, mesmo que seja para o bom, vai-nos trazer medo. Mesmo que até seja uma coisa mais segura do que aquilo que fazemos normalmente, pode nos trazer muito, muito medo e não nos permitir progredir, ou seja, quando estamos num nível muito, muito elevado de proficiência, sair da nossa zona de conforto sim, faz sentido. Agora, quando estamos a começar até essa super-mega experiência, sair dessa zona de conforto normalmente, resulta em morte.  Uma pessoa faz uma coisa para a qual não está propriamente preparada e pode-se matar ali à vontade.

    Bola na Rede: E de uma forma mais geral, que características é que um atleta de paraquedismo deve ter?

    Gonçalo Resende: Normalmente, uma coisa que as pessoas pensam sobre o paraquedismo é que é um desporto. Como o futebol, como o voleibol. Quando o paraquedismo em si não é bem… é um desporto, certo. Mas devia ser mais considerado como um Mundo do que propriamente só como um desporto. Por exemplo, se nós falarmos de ciclismo, tens as bicicletas de estrada, as bicicletas de montanha, BMX, tens várias ramificações. E cada atleta tem um tipo de personalidade diferente, um tipo de perfil diferente. No paraquedismo é exatamente a mesma coisa, no paraquedismo é sair de um avião, saltar, aterrar, está feito. Tens paraquedistas que fazem as coisas por desporto, outros fazem por profissão, outros fazem porque querem saltar com principiantes, outros fazem porque simplesmente estão na tropa e precisam de aterrar numa zona que está a ser invadida e não podem chegar lá de avião ou de carro. Ou seja, há várias coisas diferentes. Dentro do paraquedismo desportivo, ainda assim, também há vários tipos de personalidades diferentes. O que eu normalmente digo é que se estiveres a afazer uma das modalidades que é artística, nota-se perfeitamente isso quando conheces pessoas que são boas nesse tipo de áreas. São pessoas criativas, são pessoas não ligadas tanto a matemáticas e a coisas direitinhas, são mais pensadores livres, pessoas que gostam de inventar e de explorar conceitos novos. Enquanto que o pessoal que faz as disciplinas que já estão bem definidas como o voo de formação a quatro, ou como as formações de calote também, são pessoas que gostam mais de método, de que tudo tenha uma metodologia e não de fazer coisas novas mas aprofundar conceitos anteriores. Um atleta de paraquedismo, independentemente da disciplina que faça, deve ser uma pessoa muito bem apresentável a nível físico e a nível de personalidade, uma pessoa que consiga interagir muto bem com os outros atletas, até com outras pessoas, que consiga partilhar muito bem as suas experiências, que consiga partilhar muito bem os seus valores e também conseguir pegar em conteúdos, imagens e coisas pessoas e conseguir apresentar muito bem não só aos outros paraquedistas como ao Mundo porque ao contrário, por exemplo, do futebol ou assim, onde se veem que tu és mesmo muito bom, pegam em ti e levam-te para o estrelato, no paraquedismo não é assim. Tu podes ser o melhor do Mundo, ter muita capacidade de aprender rápido e de fazer as coisas de forma muito segura e bem feita. No entanto, se não souberes vender a tua imagem aos patrocinadores, às pessoas e assim, nunca vais conseguir suceder porque nem sequer vais ter forma de ganhar dinheiro. Podes ganhar a maior competição do Mundo, ganhas zero. Nem o campeão do Mundo vai ganhar dinheiro no campeonato do Mundo. Há competições privadas onde há prémios e às vezes até são relativamente bons, 5 mil euros ou uma coisa assim, mas isso aí só um é que ganha e esses 5 mil euros, se calhar gastou nas viagens, no hotel e nos saltos para treinar para essa competição. Ou seja, o dinheiro vai estar a vir de onde? Vai estar a vir de tu venderes a tua formação, tu formares pessoas, as pessoas vão querer pagar para aprender contigo, vai vir dos patrocinadores que até podem não te dar dinheiro, mas dão-te as coisas onde não vais ter gastar dinheiro. Basta teres um patrocinador de paraquedas e  zonas de saltos, logo aí são milhares de euros que poupas por ano. E por fim, conseguires partilhar bem a tua própria imagem e a imagem das coisas que tu fazes, faz com que tenhas crescimento na comunidade e que toda a comunidade te fica a conhecer muito melhor, ou seja, oportunidades de trabalho, oportunidades de participar em eventos ou assim ficam muito mais acessíveis porque as pessoas sabem “Ah, aquele gajo de Portugal ou da França é muito bom a falar, as pessoas gostam dele, uma pessoa simpática, uma pessoa bem-parecida, apresentável. Vamos chamá-lo a ele para fazer este evento”, acho que são essas partes são essenciais.

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    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.