«Tive propostas de clubes, mas que diziam: “Tens de mudar a tua imagem”» – Entrevista BnR com Abel Xavier

    – De um lado ao outro do Merseyside –

    «Sou respeitado pelo Everton da mesma forma que sou respeitado pelo Liverpool»

    Bola na Rede: Depois de uma experiência em Itália e outra em Espanha, vais para a Holanda, para o PSV Eindhoven, onde és orientado por Bobby Robson. Como é que ele era?

    Abel Xavier: Já conhecia um pouco de Bobby Robson. Ele tinha trabalhado no Sporting e deixou uma marca muito importante. Depois, foi para o Porto e continuou a ser um treinador muito querido pela forma de estar, acima de tudo. Tive o privilégio, mais uma vez, de ter trabalho com o Sir Bobby Robson no PSV Eindhoven. Quando, hoje em dia, falamos de trabalhar os recursos humanos, criação de empatia, da vertente comunicacional e do fazer acreditar, o maior exemplo da minha carreira nesse aspeto foi Bobby Robson. Ele era o primeiro, antes de dar um exercício, a exemplificar. Um treinador que tinha a idade que ele tinha, um treinador que tinha o peso internacional que ele tinha, um senhor que contagiava pela sua energia. Era um treinador muito capacitado a criar empatias. No seu desaparecimento, não estavam lá só pessoas do futebol. Só conseguimos ver a dimensão das pessoas analisando que tipo de pessoas é que estão a prestar tributo. Bobby Robson era uma das figuras mais inabaláveis do desporto mundial. Não creio que haja um jogador que tenha passado por ele, jogando mais ou menos, que não se sinta honrado por ter Bobby Robson como treinador.

    Bola na Rede: Lidava bem com os egos dos jogadores, portanto.

    Abel Xavier: Era exatamente a isso que me referia. Independentemente das decisões que um treinador tem que tomar, e são decisões que, muitas vezes, provocam desconforto, porque não podem jogar todos, quando elas são tomadas de uma forma honesta, frontal e comunicada da melhor maneira, o ambiente só pode ser saudável. Essa é uma das maiores qualidades de Bobby Robson. Era fantástico na gestão do grupo.

    Bola na Rede: Segue-se o Everton e o Liverpool. Sentiste muito a rivalidade do Merseyside?

    Abel Xavier: Eu tinha quatro anos de contrato e saio do PSV Eindhoven porque Bobby Robson também sai. Tenho uma abordagem para ir para Inglaterra. Vou para Londres e tenho tudo acordado para ser jogador do West Ham treinado por Harry Redknapp. Uma grande equipa, com [Frank] Lampard, [Rio] Ferdinand e [Paolo] Di Canio. Estou num hotel de Londres com Harry Redknapp, só que o futebol é muito dinâmico. Quando pretendemos alguém, ou fechamos e concretizamos ou as coisas podem escapar, por muita vontade que eu, enquanto jogador, possa ter. Há questões que se levantam. Quando se falam de questões económicas, pode pesar mais para aquilo que é importante para o clube do que para o jogador. Na altura, Harry Redknapp quis considerar a situação e Walter Smith, treinador do Everton, antecipou-se e fui para o norte. Na altura, havia esse estigma de que os jogadores estrangeiros que queriam jogar em Inglaterra queriam as equipas de Londres. É uma falsa questão. Entrando no campeonato inglês, não importa onde estás. Estás no melhor campeonato do mundo. A partir daí ganhei noção da rivalidade que existia entre Everton e Liverpool. Entro no campeonato onde mais me identifiquei como jogador. Acompanho o crescimento do campeonato inglês e o crescimento do treinador estrangeiro em Inglaterra. A história da minha passagem do Everton para o Liverpool foi a transição de uma estrutura britânica, para uma estrutura mais internacional sob o comando de Gérard Houllier. Quando falamos do Liverpool atual, temos que ver que existe um passado fraturante que foi quando a administração deu via verde a Gérard Houllier para fazer as mudanças estruturais que fazem com que o Liverpool seja um dos maiores clubes que existe no mundo. Tive um grande privilégio de conhecer aquilo que o Liverpool tem dentro das infraestruturas e o porquê de ser bem-sucedido.

    Bola na Rede: Alguém ficou chateado com essa mudança?

    Abel Xavier: É normal. Sabes que no futebol há muita emoção. Há o pensamento de desenvolvimento da carreira e há o pensamento do adepto, que nunca vai aceitar a mudança para o máximo rival. Quando fazes o processo de mudança com respeito e frontalidade como eu fiz, as portas ficam intactas e abertas. Sou respeitado pelo Everton da mesma forma que sou respeitado pelo Liverpool. 

    Bola na Rede: Ainda achas que hoje em dia a Premier League é o melhor campeonato do mundo?

    Abel Xavier: Tem a ver com a evolução do futebol. Lembro-me que quando estava no Benfica o campeonato para onde todos queriam ir era o campeonato italiano. Eu tive a capacidade de ir para Itália. Depois, há uma evolução do campeonato espanhol. Tive oportunidade de ir para o campeonato espanhol. Portanto, acompanhei a evolução do futebol. Depois, falamos de Inglaterra. Entro em pressão alta por ter que tomar uma decisão entre duas estruturas distanciadas por um quilómetro. Não estamos só a falar da distância do estádio, estamos a falar da distância social. O que é que isso significa na cidade? Qual é a cultura dentro da história do próprio país? Qual é o desenvolvimento que está por trás das duas estruturas no futebol? A afirmação das equipas do norte contra as equipas de Londres… Quem joga em equipas desta dimensão, que se querem afirmar territorialmente através do futebol, sabe que isso tem peso. Por isso é que, quando jogava pelo Benfica contra o Porto entendi, o que é que queria dizer rivalidade territorial também.

    Bola na Rede: Mas a Premier League continua na frente dessa corrida?

    Abel Xavier: Penso que sim. Houve uma evolução de uma mentalidade muito britânica no conceito do jogo. A história do campeonato inglês é a história de um povo guerreiro. Se houver confronto, é competitivo. Deu um salto de qualidade quando traz jogadores e treinadores estrangeiros. Quando a gestão de treinadores, nomeadamente franceses, entra no futebol inglês começa-se a aportar uma melhor qualidade de trabalho. Primeiro com Arsène Wenger e, mais tarde, com Gérard Houllier. A partir daí, começamos a ver um futebol completamente diferente e uma gestão diferente das equipas. As estruturas começaram a ser muito mais profissionais. O campeonato inglês começou a ser um produto mais atrativo. É o mercado, quer para jogadores, quer para treinadores, mais atrativo que há. Se tens valor, podes-te concentrar em criar um modelo de sustentabilidade e tornar as equipas competitivas para atingirem determinados objetivos. Tive a felicidade de jogar no Everton, que lutava para não descer, e no Liverpool que lutava por títulos e Liga dos Campeões, ou seja, os objetivos não têm a ver com o valor económico, porque as equipas são bem suportadas economicamente. Tem a ver com o recrutamento de bons jogadores e da sua gestão de acordo com as expectativas.

    Bola na Rede: Seres o primeiro português no Liverpool significou alguma coisa para ti?

    Abel Xavier: É um clube muito especial, de valores humanos muito elevados. Vou-te dar um exemplo. O Markus Babbel teve uma lesão muito grave, uma bactéria, que o incapacitou de jogar futebol durante muito tempo. Aliás, a minha contratação para lateral-direito tem a ver com isso e com a fratura da perna do Jamie Carragher. Markus Babbel atravessava um problema grave do ponto de vista da saúde, que, a determinado momento, até o fez estar de cadeira de rodas. Uma decisão que a administração tomou para que ele fosse guerreiro e desse a volta às circunstâncias foi ir ter com ele ao hospital e renovar-lhe o contrato por mais quatro anos. Era extremamente importante a forma como os jogadores eram vistos na sociedade. As coisas que foram pensadas em termos de dar condições aos jogadores, para mim, foi o patamar mais elevado de todas as estruturas onde estive inserido, com o maior respeito que tenho por todos os clubes onde passei. Uma vez vivida a experiência de ser jogador do Liverpool é que conseguimos comparar as diferenças que existem para outras estruturas.

    Bola na Rede: Ouvir o You’ll Never Walk Alone em Anfield é assim tão bonito como parece?

    Abel Xavier: É uma coisa indescritível. Quando eu jogava pela seleção portuguesa, havia um momento marcante, independentemente de o estádio estar com mais ou menos pessoas: os minutos do hino. São minutos de reflexão e silêncio, porque tudo para. No Liverpool, é a mesma coisa. É um hino muito próprio, muito sentido. Quando o público o começa a cantar transcende-se.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    José Silva renova contrato com o Sporting

    José Silva renovou contrato com o Sporting. O lateral-direito...

    Virgil Van Dijk tem 3 clubes interessados na sua contratação

    A continuidade de Virgil Van Dijk no Liverpool não...

    PSG remata duas vezes ao poste na mesma jogada

    O PSG enfrenta esta quarta-feira o Borussia Dortmund, em...

    Benfica com 3 baixas no treino desta quarta-feira

    O Benfica regressou aos treinos esta quarta-feira, tendo em...
    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.