«Tive propostas de clubes, mas que diziam: “Tens de mudar a tua imagem”» – Entrevista BnR com Abel Xavier

    – Futebol de red carpet

    «O futebol está inserido na sociedade e a sociedade está inserida no futebol»

    Bola na Rede: O LA Galaxy contratou-te muito por aquilo que era a tua imagem. Não viste isso como uma coisa má?

    Abel Xavier: Não. Se te manténs igual a ti próprio e se consideras que os valores para seres competitivo e te afirmares vão mais além da imagem não tens porque mudar. Tive propostas de clubes que diziam “Abel, estamos interessados em ti, mas tens que mudar a tua imagem”. Eu apertava a mão, ia-me embora da reunião e dizia “vamo-nos encontrar como adversários”. Não considerava que isso pudesse ser um requisito em relação às minhas qualidades e ao meu talento. Mantive-me sempre íntegro à questão da imagem. Há dois momentos extremamente importantes na minha carreira, o lance do penálti no Euro 2000 e depois os castigos, que me fizeram refém da minha própria imagem. Naquele momento, com aquele castigo injusto, eu podia ter alterado a minha imagem como escapatória para fugir a qualquer coisa. Eu disse “não, eu tenho que me manter”. Foi assim que eu quis permanecer. Na minha carreira, algo falou mais alto. Essa minha experiência nos Estados Unidos foi engraçada. Eu tinha jogado um Bari X Padova contra o Alexi Lalas, um americano que tinha uma imagem country. O Alexi Lalas desenvolveu a sua carreira e, mais tarde, passou para o dirigismo e era o CEO do Galaxy. Na parte final, no Middlesbrough, eu estava um pouco saturado. Queria uma experiência diferente. O telefone toca e era o Alexi Lalas. Disse-me que estava a desenvolver um projeto na MLS e cada franchising ia poder ter dois jogadores de marketing. Já tinham fechado contrato com o David Beckham, que ia ser a imagem global da MLS, mas estavam a pensar em mim para ser o segundo jogador de marketing. Queriam alguém que fosse afro e que tivesse uma imagem diferente. Nos LA Lakers, no basquetebol, tinham o Dennis Rodman e queriam trazer uma “personagem” para o futebol. Quando ele me falou disso, pensei que nunca na Europa me tinham falado na vertente da imagem nesse sentido, nos direitos de imagem. A minha imagem podia valorizar a estrutura do Galaxy, porque podia posicioná-los em determinados mercados. Sempre me concentrei no futebol, em ser profissional e em ser competitivo. Estava a receber um discurso do presidente do Galaxy orientado para a imagem e para o trabalho noutras áreas. De facto, aquilo era o futuro, é o que está a acontecer neste momento. Falamos dos contratos desportivos e falamos dos contratos da imagem. Já os americanos pensavam de outra forma. Como segundo jogador de marketing, fui orientado para a comunidade mexicana, porque eu falava espanhol. 20% da massa laboral de Los Angeles são mexicanos. Os mexicanos gostam muito de futebol e abria-se ali um nicho de mercado com a minha imagem. Grande parte dos sócios do Galaxy eram mexicanos. Houve ali uma integração muito feliz que fez com que eu ficasse dois anos a viver experiências novas. O término da minha carreira não podia ter sido melhor no que diz respeito ao aumento do meu conhecimento noutro mercado sobre o produto do futebol.

    Bola na Rede: Até que ponto jogar futebol não era secundário?

    Abel Xavier: Não, o futebol para mim foi sempre prioritário. Jamais poderia fugir daquilo que me tornou competitivo e profissional. São as regras que devem existir no teu comportamento face à vida que levas. Lógico que se acabas um treino e tens o teu relações públicas com uma lista de eventos, em que vais para a red carpet, para os Óscares ou eventos sociais, onde, acima de tudo, vais valorizar o Galaxy, tens que marcar presença. Estares a socializar com pessoas de outras áreas (da política, da sociedade ou do entretenimento) não faz de ti menos profissional. Pelo contrário, valoriza-te a ti, porque a imagem do jogador de futebol, muitas vezes, é tirada fora do contexto. O futebol está inserido na sociedade e a sociedade está inserida no futebol. A imagem do jogador de futebol nos Estados Unidos foi mais valorizada, porque começou a aparecer noutras áreas. Todas as outras áreas convergem e vêm ver um jogo de futebol. Então, por que é que o jogador de futebol não pode estar nas outras áreas? Tens é que ter capacidade de interagir com essas pessoas. Se estiveres num evento político e tiveres que falar de política, tu falas de política. Se estiveres num evento social e tiveres que falar de discriminação social, religião ou racismo, tu tens que ter capacidade. No mundo do futebol, tu tens todas essas coisas dentro de um grupo de trabalho. Se tu tens todos esses atributos dentro de um grupo de trabalho, como é que tu não podes estar inserido na sociedade? Podes dar a tua imagem para fazer o bem. Isso faz parte da minha vida. Quando eu mantenho a minha imagem, existe um porquê. Eu, com a minha imagem, contribuo para muitas outras causas que me preenchem.

    Bola na Rede: Pode-se dizer que és um Dennis Rodman à portuguesa?

    Abel Xavier: Não pretendo ter essa conotação. Sou apenas o Abel Xavier.

    Bola na Rede: Em termos desportivos, como tens visto o desenvolvimento do futebol nos Estados Unidos?

    Abel Xavier: Penso que os Estados Unidos souberam aprender com o falhanço. Quando isso acontece, podemos aprender para refazermos. Este novo modelo é um modelo de sucesso. É um campeonato extremamente competitivo e que dá grandes condições de trabalho. Quando analisamos o futuro, o próximo campeonato do mundo será no Catar e depois Estados Unidos, México e Canadá. Tudo tem um sentido. Estes grandes eventos são realizados em determinados mercados, porque as economias os podem sustentar.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.