«Se me perguntares se gostava de integrar a equipa técnica de um Guardiola, Klopp, Zidane… Quem é que não gostava?»- Entrevista BnR com Silvino Louro

    «No Benfica toda a gente queria falar da equipa de futebol. Eu disse nessa altura: “Aqui [no FC Porto], é diferente. Aqui, só fala uma pessoa: o Pinto da Costa e, de vez em quando, o Reinaldo Teles”»

     

    Bola na Rede: Foste o guarda-redes do Benfica em duas finais da Taça dos Campeões Europeus, em 1988, frente ao PSV Eindhoven, e em 1990, diante do AC Milan. Foi o título que ficou por conquistar?

    Silvino: Como jogador, foi.

    Bola na Rede: E ainda guardas alguma mágoa? Sobretudo, em relação à final de Estugarda, contra o PSV, em 1988. Ainda custa recordar aquele desempate por grandes-penalidades?

    Silvino: Já pensei tantas vezes nisso… E continuo convencido que a final contra o PSV ganharia a equipa que marcasse o primeiro golo – porque eram duas equipas que defendiam muito bem. Não nos podemos esquecer que o Benfica teve um grande contratempo para essa final, para mim decisivo, que foi a lesão do Diamantino quatro dias antes da final. O Diamantino era um jogador que desequilibrava muito, e partiu a perna no jogo anterior à final, contra o Vitória de Guimarães. Quando fomos para dentro do campo, foi diferente. Fomos a pensar: “Olha, vamos acreditar em Deus, vamos lá ver o que vai acontecer!”. Entrámos fechadinhos e tentar aproveitar as oportunidades que pudessem surgir no contra-ataque. E, sinceramente, tivemos algumas oportunidades para marcar, como eles também tiveram… mas não conseguimos.

    Bola na Rede: E depois, vieram os penáltis…

    Silvino: Sim. Curiosamente, no tal jogo contra o Vitória de Guimarães, quatro dias antes, ganhámos por 4-0 e até defendi um penálti – batido pelo Caio Júnior, que era treinador da Chapecoense e faleceu no acidente de avião. E na final, nos penáltis, estava muito confiante.

    Bola na Rede: O que sente um guarda-redes nesses momentos? Qual era o teu estado de espírito?

    Silvino: Era o estado de espírito de uma pessoa tranquila. Depois de as coisas não correrem bem, as pessoas gostam muito de falar. Que “não estava com atenção”, que “estava sem confiança”, que “atirava-me sempre para o mesmo lado”… mas nada disso. Sou uma pessoa muito tranquila e, naquele momento, estava muito tranquilo. Mas o único que eu sabia para que lado costumava marcar os penáltis era o [Wim] Kieft, o avançado. Ele costumava bater para o lado direito e eu atirei-me para esse lado. Ainda toco na bola, mas não consegui desviá-la. Depois, havia o Ronald Koeman, que tanto metia na esquerda como na direita, e em força. Depois, o [Gerald] Vanenburg nunca o tinha visto marcar penáltis, o [Soren] Lerby nunca o tinha visto marcar penáltis, o Ivan Nielsen também não, o outro jogador [Hans Gillhaus] que entrou no prolongamento – que também deve ter entrado só para marcar o penálti – também não… portanto, tudo aquilo que sabia era através de uns videozinhos de resumos de jogos que tinha, mas, mesmo assim, não era possível perceber…

    Bola na Rede: Outros tempos. Não tem nada a ver com o trabalho que hoje se faz…

    Silvino: Não tem nada a ver. Digo-te: hoje, tinha defendido pelo menos um ou dois penáltis. Não tenhas dúvidas.

    Bola na Rede: O Toni pôs a equipa a treinar os penáltis na véspera da final?

    Silvino: Sim, sim, treinámos. E sabes quem foi o único jogador que não falhou nenhum penálti no treino?

    Bola na Rede: Deixa-me adivinhar: o Veloso?

    Silvino: (risos) Claro. Só que ele, nos treinos, nunca fez a paradinha e, na final, fez a paradinha. Mas é a primeira vez que estou a falar disto, sinceramente não gosto de falar deste tema…

    Bola na Rede: Ainda é uma mágoa?

    Silvino: Não é mágoa… Mas fico triste. Sabes porquê? Uma pessoa é recordada quando ganha uma competição como esta. Lembramo-nos sempre dos bicampeões europeus. Quem era o guarda-redes? Costa Pereira. Também teve um azar em 1963 (risos), mas pronto, ganhou, foi campeão europeu. Agora, eu nunca fico na memória dos benfiquistas. Ganhei quatro campeonatos, mas a Taça dos Campeões Europeus é diferente. E era uma conquista recente. Passaram agora, no dia 25 de maio, 30 anos.

    Bola na Rede: E depois desses anos todos como titular do Benfica – com tantos momentos e títulos –, perdeste a titularidade em 1993/1994, quando o Toni era novamente o treinador do Benfica. Ficaste magoado por passar a ser suplente do Neno?

    Silvino: Não, não. Encarei as coisas com toda a naturalidade. Uma equipa é formada por 24 ou 25 jogadores. Tem três ou quatro guarda-redes. O Toni decidiu, nesse momento, colocar o Neno a jogar e eu só tive de respeitar. Eu fiz 258 jogos com a camisola do Benfica… fui capitão várias vezes – até na final da Taça dos Campeões de europeus de 1990 era eu o capitão de equipa, por isso, não tinha de ficar magoado com o treinador por ter saído do “onze”. Ainda por para o Neno, por quem tenho um grande respeito, que para mim é como um irmão.

    Bola na Rede: E em relação ao clube? Como é que se deu a saída do Benfica, depois de oito anos de águia ao peito? Na altura, recordo-me, não ficaste muito contente…

    Silvino: O único problema com o Benfica foi, simplesmente, terem-me informado que não contavam comigo quando a equipa estava a entrar de férias, numa fase em que as outras equipas já tinham os seus plantéis preenchidos. Nove anos de ligação, acho que foi um bocadinho…

    Bola na Rede: Quem é que te comunicou a saída?

    Silvino: Fui chamado ao gabinete do Gaspar Ramos, responsável pelo departamento de futebol. Comunicou-me que o Artur Jorge vinha treinar o Benfica…

    Bola na Rede: E o Silvino não contava para o Artur Jorge.

    Silvino: Mais tarde vim a saber que os guarda-redes do Benfica eram para ser: Michel Preud’Homme, Silvino e Brassard. Mas como eu terminava contrato no final dessa época e o Neno ainda tinha mais um ano de contrato… saí eu e ficaram eles. Eu disse: “Ok, tudo bem!” Mas depois o Gaspar Ramos ainda me disse: “Silvino, tu também já tens uma idade…”. Aí respondi: “Idade, eu? É por isso que foram contratar um guarda-redes ainda mais velho que eu (risos)”. Mas atenção: Michel Preud’homme… grande guarda-redes! E fez coisas muito bonitas no Benfica. É uma pessoa com quem até me dou muito bem. Já nos encontrámos várias vezes e temos uma relação muito boa.

    Bola na Rede: E a seguir, regressas ao Vitória de Setúbal.

    Silvino: Sim, apareceu-me o Estrela da Amadora e o Vitória de Setúbal. Pensei: para isso, prefiro ir para o clube da minha terra. Ainda por cima vivia a 200 metros do estádio, estava em casa.

    Bola na Rede: Lamentas não teres vencido a Taça dos Campeões Europeus como jogador porque gostavas de ser recordado de maneira diferente pelos benfiquistas. Mas acho que isso também acontece porque, mais tarde, vais para o rival FC Porto. Ainda hoje, ouvimos muitos benfiquistas zangados contigo por teres tomado essa opção…

    Silvino: Depende de como as pessoas queiram pensar. Vamos lá ver, eu era guarda-redes do Benfica. O Benfica não quis renovar o meu contrato. Eu pergunto: vou deixar de trabalhar? Como é que vou dar de comer aos meus filhos? Tenho de trabalhar, não é? Apareceu-me essa hipótese… agora, nunca faltei ao respeito ao Benfica. Nunca! A única vez em que falei de diferenças entre Benfica e FC Porto foi apenas para referir que no Benfica toda a gente queria falar da equipa de futebol. Até o diretor do atletismo e do basquetebol davam entrevistas sobre a equipa e os jogadores de futebol do Benfica. Eu disse nessa altura: “Aqui [no FC Porto], é diferente. Aqui, só fala uma pessoa: o Pinto da Costa e, de vez em quando, o Reinaldo Teles”.

    Bola na Rede: Essas interferências atrapalhavam a equipa do Benfica?

    Silvino: Exatamente. Quantas vezes ouvi os meus colegas a dizerem no balneário: “Mas quem é este indivíduo? Porque é que este tipo do basquetebol ou do andebol está falar de nós?” Sabes o que era? Queriam todos protagonismo!

    Bola na Rede: E achas que foi essa comparação entre FC Porto e Benfica não “caiu” bem entre os benfiquistas?

    Silvino: Pois foi, mas eu só disse isso. Sempre respeitei o Benfica, nunca entrei em confusões, só que às vezes há coisas que nos prejudicam… Olha, por exemplo: um dia, quando já era treinador de guarda-redes do FC Porto, num FC Porto-Benfica que o FC Porto ganhou por 3-1, o treinador do Benfica era o Chalana. Quando o jogo acaba, ele vira-se para mim e começa a ofender-me… Eu conheço o Chalana muito bem. E o Chalana era muito nervoso… Nessas coisas, temos de ser muito tranquilos. Só disse: “Chalana, calma!”. Sabes o que aconteceu? No dia seguinte, aparece num jornal desportivo que eu e o Chalana tivemos uma grande discussão e que quase chegámos a vias de facto. Pelo amor de Deus. E sabes o que aconteceu no jogo da Luz? Dirigi-me logo ao banco do Benfica e fui dar um grande abraço ao Chalana… Viste esse jornal a escrever sobre isso? Nada!

    Bola na Rede: Mas é sempre difícil explicar estas coisas aos adeptos. O futebol, como sabes, é muita paixão e pouca razão…

    Silvino: Pois é. Mas olha, num jogo no Estádio da Luz, onde me lesionei no ombro, depois de um choque com o Mauro Airez, levei com duas moedas de 50 escudos, daqueles grandes. Uma delas rasgou-me a cabeça. Achas que disse alguma coisa às pessoas do FC Porto? Não disse nada. Ignorei simplesmente…

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.