Força da Tática: Como Nagelsmann derrotou Mourinho (Parte 3)

Depois da primeira parte e da segunda parte, na última parte deste conjunto de artigos, vamos falar sobre o momento defensivo da equipa do Leipzig e as suas variações táticas que acabaram por anular o Tottenham.

Dinâmicas em Momento Defensivo

O Tottenham iniciava a construção de jogo com os dois defesas centrais, com o lateral esquerdo recuado e com um dos médios a descer no terreno. O Leipzig conseguiu anular a primeira fase de construção através de uma pressão com bloco alto e com encaixes a cada elemento da equipa do Tottenham. Assim, a equipa inglesa era muitas vezes forçada a jogar longo e, com jogadores como Lucas Moura e Bergwijn (ambos jogadores sem capacidade de ser referência) no ataque, a taxa de sucesso destes passes era muito baixa.

A equipa alemã orientava a pressão para o espaço exterior (principalmente para o corredor esquerdo do Tottenham) e, a partir daí, anulava as linhas de passe, normalmente de um dos centrais ou lateral. Para este efeito, era crucial o trabalho da primeira linha de pressão, que além de realizar encaixes a cada central, conseguia fechar espaços para eventuais passes verticais para zonas interiores. Por sua vez, Nkunku fechava o espaço de intervenção do médio defensivo do Tottenham, Harry Winks. Apesar de serem óbvios os encaixes individuais, a equipa germânica pressionava à zona e sempre com a bola como foco de atenção, anulando determinados ângulos para a equipa inglesa progredir com bola e chegar a zonas adiantadas de forma ”limpa”.

Sabes qual é a diferença entre um cão guardião e um cão feroz? Pões um cão feroz à porta da tua casa e vêm dois ladrões. Ao primeiro que se aproxima o cão feroz ladra e atira-se ao ladrão. Ele corre, o cão vai atrás e deixa a porta, o outro ladrão entra e rouba. Pelo contrário, o cão guardião ladra ao primeiro ladrão, mas volta para guardar a porta, não a abandona. O cão guardião é o que marca à zona, o outro marca ao homem.” César Luís Menotti

Um dos pontos de destaque desta pressão (um ponto puramente estratégico!) coincide com a orientação da pressão, quase sempre para o lado esquerdo da equipa inglesa. Mas porquê? Porque do outro lado estava um lateral mais ofensivo (Aurier) e com argumentos diferentes de Ben Davies para criar desequilíbrio. A importância do lado estratégico e de ver para além do coletivo! A perceção de cada individualidade também é importante para percebermos possíveis lacunas que o coletivo poderá ter.

Uma equipa é sempre composta pela soma das partes, mas as partes também estão no todo” – Vítor Matos em Quarentena da Bola.

Por sua vez, na segunda mão o Tottenham apresentava uma estrutura tática com 3 defesas centrais e com dois alas (Aurier e Sessegnon) bastante subidos. De forma a encaixar no adversário e tentar recuperar a bola o mais rápido e em terrenos mais perto da baliza adversária, o Leipzig alterou a sua forma de pressionar.

Agora, os três avançados pressionavam, mais uma vez, de forma zonal os 3 defesas do Tottenham, laterais com laterais e os médios prontos para pressionarem os médios do Tottenham no caso de estes receberem a bola. Um dos aspetos importantes está relacionado com a leitura corporal que os jogadores do Leipzig (principalmente, médios e defesas centrais) faziam para prever uma possível ação do adversário. Esta perceção permitia muitas vezes uma antecipação ao adversário e consequente recuperação de bola.

Quando a bola estava no corredor, a equipa do Leipzig orientava-se para esse corredor, tapando todas as linhas de passe aí existentes. Neste caso, o lateral desse lado avançava no terreno para pressionar, e formava uma linha de 3 elementos com o duplo pivô do meio-campo (sistema mutável e altamente dinâmico, mas neste caso um visível 4x3x3). Assim, a linha defensiva era formada pelos 3 centrais e pelo lateral do lado contrário (imagem abaixo). Esta estrutura poderia ter como principal problema o passe longo para o flanco contrário, no entanto, as rápidas basculações da equipa alemã não permitiam espaço e tempo aos jogadores do Tottenham sempre que isso acontecia.

Outro aspeto relaciona-se com a condição de o lateral ser ultrapassado. Nesse caso a cobertura seria realizada pelo defesa central de forma rápida e muito eficiente. Dado que os dois centrais (Klostermann e Halstenberg) são “laterais” de posição de origem, estes possuem velocidade e intensidade para se deslocarem até ao seu oponente num curto espaço de tempo e recuperar a posse.

Os médios tinham um papel importante pela intensidade na recuperação da bola, quando esta chegava a terrenos interiores. Foram os grandes responsáveis pelos equilíbrios da equipa em momento de perda da posse. Neste aspeto destaca-se Laimer, que foi o jogador com mais recuperações de bola no total das duas mãos.

Uma das chaves para este sistema de pressão era a capacidade de os centrais subirem no terreno e marcarem os avançados. O Tottenham colocava vários jogadores entre a linha média e a linha defensiva do Leipzig, mas a estrutura compacta e a intensidade na saída à marcação dos centrais marcavam a diferença.

Quando um passe vertical superava a linha média do Leipzig e os avançados recebiam a bola entre-linhas, um dos defesas saía da sua posição e pressionava com intensidade esse avançado, até o mesmo perder a bola. Devido ao posicionamento mais adiantado da linha defensiva, o Tottenham poderia aproveitar a profundidade pela velocidade de Bergwijn ou de Lucas Moura, mas nunca o fez. Em vez disso, Dele Alli descia para terrenos interiores, fazendo de terceiro médio, e tentava combinar com os avançados quase sempre em espaço entre-linhas (algo facilmente anulado pela equipa germânica).

A equipa alemã tem também um excelente controlo da profundidade. O facto de todos os defesas centrais terem características físicas de excelência ao nível da velocidade, força, agilidade e capacidade de reação, permitia-lhes encurtar distâncias nas suas costas e conseguir alcançar os avançados num curto espaço e intervalo de tempo. Outro aspeto reside no bom entendimento desta linha defensiva aquando dos momentos de avançar e recuar, sempre com concentração e rigor na identificação de bola coberta ou descoberta.

Como é óbvio a equipa do Leipzig quando se viu em vantagem optou por recuar um pouco as suas linhas, pressionando num bloco médio. Na segunda mão adotou um comportamento bastante pressionante, mas, novamente, quando ganhou vantagem começou a defender mais baixo.

Defender bem o mais longe possível da baliza é uma arte” – Nuno Campos em Quarentena da Bola

Quem pretende ser ofensivo terá necessariamente de ter uma preocupação especial pela primeira fase defensiva. E em caso de perda de posse terá de ter uma abordagem espontânea, mas organizada. Uma equipa sem clareza nesse momento permitirá ao adversário, não só ficar confortável com bola, como retirará confiança e desgastará os seus jogadores.

Nagelsmann chega a referir que “Eu gosto de atacar o adversário perto da sua baliza porque o teu próprio caminho para chegar ao golo não é tão longo se recuperares a bola mais adiantado”. Este objetivo de recuperar a bola em zonas altas e não permitir o adversário chegar a zonas de criação, está relacionado com o momento ofensivo da equipa. Não se poderá dissociar momento defensivo com momento ofensivo. Quando procuramos criar dificuldade ao adversário em terrenos perto da sua baliza, estamos mais perto de criar perigo no caso de recuperarmos a bola. Agora, claro, esta pressão terá de ser eficiente, porque se não o for, existe risco máximo de a bola chegar a zonas de criação, ultrapassando 2 linhas de pressão, e o adversário chegar à baliza com mais perigo.

O lado estratégico de Nagelsmann está bem assente na forma como defendem. As mudanças ao longo das duas mãos, de acordo com o resultado e com as dinâmicas da equipa adversária, são prova disso mesmo.  No entanto, a identidade da equipa e os macro princípios nunca são alterados. O Leipzig é sem dúvida uma das melhores equipas a defender em terrenos subidos, fazendo-o com grande eficácia. Nesta eliminatória, foram várias as perdas de posse que o Tottenham concedeu, pela intensidade, inteligência e perfil físico dos jogadores comandados por Nagelsmann.

O Leipzig era uma equipa que atacava com os seus jogadores próximos, principalmente médios e avançados que formavam triângulos para combinações mais eficazes. Este princípio não só permitia uma troca de bola mais fluída, como também uma recuperação da posse muito mais eficaz. Quando perdiam a bola tinham vários jogadores próximos para reagirem à perda. É uma equipa que se foca na bola e consegue colocar num curto espaço de tempo vários jogadores na pressão. Vale muito pelo coletivo, porque todos os jogadores conseguem ser altamente intensos neste momento de reação à perda. A agressividade e intensidade neste pressing por parte de todos os jogadores foi fundamental. Todos defendiam e todos atacavam!

Em ataque posicional, normalmente, deixavam 4 ou 5 jogadores (duplo pivô do meio-campo, os três defesas centrais ou um dos laterais) preparados para agir em momento de perda de posse, mas os restantes elementos conseguiam recompor-se de forma bastante rápida.

Apesar de todas estas valências, o Leipzig ainda sente alguma dificuldade quando a sua linha média é ultrapassada e jogadores com criatividade e capacidade técnica diferenciadora, como Lucas Moura ou Dele Alli, conseguiam acelerar o jogo e colocar-se de frente para a linha defensiva. Principalmente em momentos em que os laterais estão subidos, a linha dos 3 centrais era encarada de frente pelos avançados do Tottenham e era criado algum perigo. Além disso, pela constante subida dos laterais (sujeitos a cargas físicas altíssimas durante a partida) existia espaço nas suas costas que poderia ser aproveitado. Quando o futebol é um jogo de probabilidades e possibilidades, estes são claramente riscos, que valem a pena pelas possibilidades que o conjunto das dinâmicas oferece.

Uma equipa que pelas caraterísticas dos seus jogadores consegue ter uma variabilidade pouco comum e que lhe permite ser forte em todos os momentos do jogo. Nagelsmann promete ser um dos grandes destaques para o futuro do Futebol!

 

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Diogo Coelho
Diogo Coelhohttp://www.bolanarede.pt
Natural de Rio Maior. Adepto do bom futebol desde que se lembra. Gosta de dedicar o seu tempo à análise de jogo e dos seus intervenientes. Admirador do estilo de jogo de Guardiola e partilha da ideia que no futebol destacam-se aqueles que mostram mais inteligência.                                                                                                                                                 O Diogo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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