Brasil vs Argentina: Ovos d’ouro iguais, omeletes diferentes

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    Engane-se quem pensa que vou escrever sobre culinária! Esta é uma metáfora de raciocínio.

    Certamente que muitos de vocês já escutaram o provérbio: ‘sem ovos não se fazem omeletes’. Este é um dizer que já faz parte da gíria futebolística há muitos anos. E está certo! Mas, será possível que com ovos de qualidade se consigam fazer omeletes ‘ruins’?

    De olhos postos nesta analogia, reconheço que para uma boa omelete é necessário algo mais do que apenas uns excelentes ovos. O condimento, o preparo e a fritura fazem toda a diferença. Até a frigideira onde e como ela é feita pode determinar se sai dourada ou mesmo queimada. Sem falar na competência, na experiência e na inovação de quem a faz. Resumindo: é preciso o “toque de midas”, a mão do Chef!

    RACIOCÍNIO 1: Fazer uma ótima omelete não é tão fácil! Fazer uma equipa jogar bom futebol, também não.

    Mas, o que têm o Brasil e a Argentina que ver com ovos e omeletes?!

    Ora, se tanto Brasil e Argentina têm ovos [entenda-se jogadores] de elevadíssimo potencial porque é que hoje produzem omeletes [entenda-se ‘um futebol’] de diferente qualidade? Creio que o diferencial está nos Chefs [entenda-se técnicos].

    Atualmente, o técnico argentino está bem conceituado no melhor Futebol praticado: o EUROPEU!  E não sou só eu que o digo. O mundo do Futebol é quem o revela! Acha infundada esta afirmação? Considera ofensivo o comentário? Não pretendo ferir suscetibilidades. Estou mesmo afirmando.

    Esclarecendo. Coloquemos lado a lado as referências atuais de cada país, analisando resumidamente PROJETOS CLUBE de alto rendimento e alta exigência, a nível internacional. Começemos pelos brasileiros:

    Carlos Alberto Parreira, (72) campeão do Mundo pelo Brasil nos EUA em 1994. Nesse ano, teve seu  ‘Projeto Clube Europeu’ com o VALÊNCIA onde o 11º lugar alcançado na La Liga não deixou saudades. Em 1995 teve ainda uma época como campeão no Fenerbahçe. Foi sempre muito contestado [até pelos brasileiros]mas, deixa o bonito registo de ter representado 5 seleções diferentes em fases finais do Mundial e o menos bonito quando se aposentou da Coordenação Técnica canarinha após o 7-1 em 2014 (!!!).

    LUIZ FELIPE SCOLARI, (67) campeão do Mundo pelo Brasil na Coreia/Japão em 2002. Rumou à Europa e abraçou o projeto ‘Geração d’Ouro Portugal’ onde teve um bom desempenho [trabalhando “duas vezes ao mês”]. Em 2008 foi-lhe oferecido o primeiro grande ‘Projeto Clube Europeu’CHELSEA. Com estrelas campeãs pós-Mourinho, aguentou menos de 6 meses e rumou ao… Uzbequistão (!!!).

    VANDERLEI LUXEMBURGO, (63) técnico brasileiro recordista com 5 títulos do Brasileirão, também comandou o Brasil entre 1998 e 2001. Após ter sido bi-campeão brasileiro pelo Cruzeiro (2003) e Santos (2004), surgiu o convite esperado do ‘Projeto Clube Europeu’REAL MADRID. Orientou elenco galático com Casillas, Roberto Carlos, Zidane, Figo, Guti, Beckham, Raul, Ronaldo e Owen [entre outros]. Durou 5 meses, deixando Real a 9 pontos do líder Barcelona em 14 jogos. Voltou ao… Corinthians (!!!)

    Treinadores brasileiros

    RACIOCÍNIO 2: foi possível três técnicos brasileiros de renome mundial fazerem menos de 4 épocas na frente de clubes europeus, face às mais de 60 épocas de carreira que acumulam juntos, até ao momento!

    Um país de 200 milhões de habitantes, proclamado o ‘Reino do Futebol’ ou criador dos maiores mágicos da bola, deixa a mensagem no momento da contratação: muitas expectativas, poucos resultados! Foram muitos ovos d’ouro batidos, só que no momento de servir a omelete, o Chef fracassou.

    Agora, olhemos para os nomes Argentinos mais sonantes:

    MARCELO BIELSA, ‘El Loco’ (60) após o bom desempenho nas seleções Argentina e Chilena, entre 1998 e 2011, conseguiu o seu passaporte para o ‘Projeto Clube Europeu’ representando, até ao momento, três clubes: Espanhol, 2008; Atl. Bilbao, 2011-2013; e Marselha, 2014-15. Todas as suas equipas ficaram conhecidas pelo seu futebol ofensivo, tendo sido finalista da Liga Europa e da Taça do Rei e obtendo um 4º lugar na competitiva Liga Francesa. Feitos alcançados com equipas medianas.

    DIEGO SIMEONE, ‘Cholo’ (45) é sem dúvidas o técnico argentino mais bem sucedido atualmente na Europa. O seu ‘Projeto Clube Europeu’ é o Atlético de Madrid desde 2011. Em cinco épocas conquistou tudo o que havia para conquistar em Espanha (La Liga, Taça do Rei e Supertaça), conseguindo ainda o troféu da Liga Europa e a Supertaça Europeia, além da final na Liga dos Campões. Um feito magnífico perantes os colossos Real Madrid e Barcelona, bem como os outros europeus.

    Mauricio Pochettino, técnico jovem (43) que fez praticamente toda a sua carreira como jogador na Europa (entre Espanha e França). No início do seu ‘Projeto Clube Europeu’ assumiu o comando técnico do Espanhol, com 37 anos, tendo assegurado a manutenção tranquila da equipa nos três anos em que a representou. Conseguiu ainda um magnífico 8º lugar com o Southampton, o que lhe valeu o convite do Tottenham, que hoje é uma das sensações da Premier League posicionando-se no 4º lugar.

    Eduardo Berizzo, ou ‘Toto’ (46), é um profundo admirador de Marcelo Bielsa, com quem trabalhou entre 2007 e 2011 na seleção Chilena. Após ter brilhado com o O’Higgins do Chile, internamente e externamente, levando o clube pela primeira vez à final da Copa Sul Americana, recebeu ‘carta-branca’ para o seu ‘Projeto Clube Europeu’ com o Celta de Vigo. Esta é a sua segunda época e vai brilhando com o 5º lugar e um futebol ofensivo vistoso. Vale lembrar que este ano venceram por 4-1 o Barcelona!

    Treinadores argentinos

    Os seus trajetos desportivos estão abrindo portas para outros treinadores argentinos, como Guillermo Schelotto (42, estreante no Palermo do campeonato Italiano dos ‘mestres da táctica’) e Jorge Sampaoli (55, ex-Chile, acredito que futuro estreante na Europa). Naturalmente, não necessitamos de grande exercício mental para identificar o diferencial destes Chefs, num país com pouco mais que 40 milhões.

    Assim, se vai cavando a distância entre referências no que diz respeito aos técnicos Sul Americanos. Também o Brasil, através do São Paulo decide investir “fora”, com o técnico Argentino Edgardo Bauza. Ou o Atlético Mineiro que aposta no Uruguaio Diego Aguirre (ex-internacional). Porém, as boas referências brasileiras interinas também existem, são eles: Tite (54, Campeão Brasileiro pelo Corinthias); Marcelo Oliveira (60, vencedor da Copa Brasil no Palmeiras e ex-bicampeão Brasileiro pelo Cruzeiro); Roger Machado (40, 3º lugar com o Grémio) e Argel Fucks (40, 5º lugar com o Internacional).

    RACIOCÍNIO 3: quando chega a hora de bater os ovos, vemos que os argentinos mesmo sem ovos d’ouro mostram um diferencial na confecção da omelete deliciosa e apreciada pelo clientes [entenda-se adeptos].

    Perante estes fatos como se fundamentam as evidências: porque saiem diferentes as omeletes?!

    A explicação poderia ser bem detalhada, mas simplicidade no Futebol é o que mais se aprecia. O leitor, também a agradece no que toca às fundamentações. Escolhi apresentar uma receita divida em três partes ou processos que acredito estarem por detrás do ‘mistério’ da omelete:

    PARTE 1 DA RECEITA [O CONDIMENTO]: competência vs experiência

    Este é um confronto de paradigmas sem correlação direta, ou seja, larga experiência poderá significar competência, mas para se ser competente não é estritamente necessário ter muita experiência. Um treinador pode, naturalmente, ensinar mal durante muitos anos. Terá experiência, mas certamente não revelará competência nos conhecimentos ou na operacionalidade dos mesmos.

    Durante anos, refletindo sobre esta temática cheguei à conclusão que: anos de profissão não asseguram domínio em termos de competência. Logo, um treinador que tenha sido durante muitos anos um jogador profissional [sobretudo os que confundem competência com experiência de balneário] não é sinónimo de que dominará os conteúdos, as metodologias de treino ou toda a polivalência que hoje um técnico moderno deverá apresentar. Tenho como teoria o seguinte: um médico, com largos anos de experiência, para ser considerado extremamente competente não necessita de ter vivenciado todas as doenças conhecidas e por ele tratadas. Não precisa de ter sido paciente para saber como curar. Da mesma forma que, por exemplo, eu falo e escrevo português há quase três décadas – são muitos anos de experiência na oralidade ou na escrita – e isso não me habilita a ser um profissional reconhecido como competente ou qualificado no ensino da língua portuguesa!

    O grau de competência dos grandes campeonatos do futebol Europeu enquadra-se num nível de exigência máxima. Creio que o técnico argentino se encontra, atualmente, mais próximo desse registo e o nível de experiência do treinador brasileiro é considerado insuficiente para os desafios propostos.

    PARTE 2 DA RECEITA [PREPARO]: adaptabilidade vs super-ego

    Este é um assunto delicado. Delicado pois interfere com culturas, nacionalidades e personalidades. Uma adaptação a qualquer outro país que não o nosso exige um valor determinante: humildade. Ser humilde não se trata de assumir que somos inferiores a quem quer que seja. Humildade é simplesmente reconhecer o nível das nossas valências ou competências e adequa-las ou adaptá-las à cultura onde vamos trabalhar. Humildade é também aceitar interiormente que se pode ter ainda muito a aprender relativamente a algum tema em que se considere um mestre. Adaptabilidade é isto mesmo: imergir na cultura e costumes do outro país; aprender e saber falar a língua deles; respeitar as diferenças; aceitar nada como adquirido; e ter sempre o compromisso de provar a sua qualidade.

    Hoje vemos técnicos Argentinos trabalhando na Espanha, Itália ou Inglaterra, com sucesso. Os Brasileiros não se podem queixar de falta de oportunidades. Mas, de falta de aproveitamento das oportunidades. O que falhou? O leitor leu a palavra “super-ego”! Menciona-la é duro, descrevê-la é ainda mais.

    PARTE 3 DA RECEITA [FRITURA]: atualização metodológica vs ideologia castradora

    No futebol existem duas formas de avaliação dos treinadores: qualitativa e quantitativa. Pela primeira ficamos conhecidos, pela segunda seremos recordados. O treinador que passar com distinção em ambas fará parte do quadro de honra da história do Futebol. Aquele que não conseguir, nem uma, nem a outra, permanece no anonimato ou será conhecido como um profissional de competência ambígua.

    O que faz uma equipa vencer mais do que outra? Ou  uma equipa jogar melhor do que outra? A atualização metodológica de um treinador é um dado a adquirir. É necessário inovar, mudar e evitar a aplicação de ideias passadas ou castradoras da evolução. É determinante deixar de viver preso ao passado ou do mito que no futebol já está tudo inventado. Investir na formação dos técnicos. Atualizar as referências. Toda a gente entende que vence mais ou joga melhor quem tem os melhores. Porém, como se criam os melhores?

    Durante décadas, os técnicos brasileiros viveram na sombra dos grandes craques brasileiros. Estes, literalmente, conduziam os treinadores a serem campeões mundiais. O jogador brasileiro continua a ser muito talentoso, só que o futebol Mundial evoluiu. A qualidade do jogo mudou para melhor. Agora é a hora do treinador brasileiro retribuír com o gesto, tirá-los da sombra e devolver-lhes o protagonismo coletivo mundial. O Brasil está precisando apenas de um “upgrade”, isto é, de uma atualização.

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    Paulo Sousa
    Paulo Sousahttp://www.bolanarede.pt
    Um português residente no Brasil. Vive com intensidade e aprendeu a não ter medo de escolher. Ama e trabalha com o Futebol, que colide com alguns dos seus valores morais. Futebolísticamente interessa-se por assuntos polémicos e desmistificar ideias não sustentadas em fatos. Inconformado, contagia-se pelos porquês que o levam a amadurecer.                                                                                                                                                 O Paulo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.