«Jorge Jesus abriu a porta para muitos profissionais de Portugal no Brasil» – Entrevista BnR com Sandro Orlandelli

    – Em busca do sonho –

    «Na última semana o senhor José disse que o Arsène Wenger me queria conhecer»

    BnR: Como é que surgiu a oportunidade?

    Sandro Orlandelli: Foi uma situação inusitada. Eu estava a trabalhar como treinador dos sub-16 do Corinthians e era responsável pelo recrutamento de jogadores das 92 escolas do clube no Brasil. Então criamos alguns congressos para trazer os donos das escolas, para entenderem os conceitos e filosofias do que estávamos a implementar. Numa dessas reuniões, conheci um dono de uma escola do norte do Brasil e, numa conversa informal, eu comentei que tinha muito interesse em fazer um estágio em Inglaterra, ele perguntou porquê e eu disse que estudei muito sistemas táticos e ele perguntou para que clube pretendia ir e eu, por acaso, falei no Arsenal, porque eu tive sempre muita afinidade pelo sistema tático, pelo scouting, pela preparação física, e o Arsenal era um clube de vanguarda. Ele disse que conhecia o Manager e perguntou “se eu conseguir falar com ele e ele te aceitar, tens interesse em ir?” e eu disse “lógico”. Passados dois dias, ele ligou-me para dizer que o pessoal do Arsenal estava à minha espera. Eu comprei logo o bilhete de avião, eu não tinha dinheiro nem nada, não tinha onde ficar. No Corinthians avisei que ia, perdi o emprego lá, fui atrás do meu sonho, pedi um dinheiro emprestado, 100 libras para ficar 17 dias em Londres, e recebi um papelzinho de um ex-dono de escolinha do Corinthians a dizer que ele tinha ido a Londres e tinha tido contacto com um jogador ex-Fluminense, que agora era pastor, e ele me podia ajudar.

    BnR: Atirou-se mesmo de cabeça.

    Sandro Orlandelli: Eu fiquei com o papel, eu só tinha o telemóvel e a internet mal funcionava, não era como hoje. Eu tinha uma prima a morar em Londres com 12 brasileiros e eles não me quiseram aceitar, mas eu pensei “vou e arranjo-me lá” e decidi ir. Dois dias antes da viagem, recebo uma chamada desse rapaz que tinha promovido a oportunidade no Arsenal a dizer que eles não me poderiam aceitar e eu não poderia ir. Eu disse-lhe que já tinha comprado o bilhete, que já tinha perdido o emprego, para ele, ao menos, me dar o número do Arsenal para ligar para lá. Eu nem falava inglês, mas liguei e atendeu uma secretária, que depois trabalhou comigo durante 11 anos, e eu falei, meio desajeitado, ninguém entendeu nada, e eu fui na mesma para Londres, sem certezas, com 100 libras, mas com coragem e com o coração. Chegado a Londres, não tinha onde ficar, fiquei no metro de Picadilly na primeira noite. Na altura havia lá um McDonald’s que já não existe, eu estava cheio de fome e fui ver o preço da comida, olhei para as minhas 100 libras e pensei “17 dias aqui, eu vou morrer de fome”, e não comprei nada, passei fome, e acabei por conseguir que me aceitassem na casa da minha prima, onde dormi numa cave.

    BnR: [Sandro prossegue]

    Sandro Orlandelli: Na altura, os telefones fixos em Londres não se pagavam, então podia ligar gratuitamente para os números de Londres. Então, liguei para o Pastor, o Paulo César, identifiquei-me, ele foi super simpático e eu disse que precisava de ir ao estádio do Arsenal porque tinha um estágio para fazer lá e ele disse que me podia ajudar. Marcamos na estação de Picadilly, eu fui com um casaco da seleção brasileira para ser mais fácil de me identificar. Fomos até ao estádio, era segunda-feira, estava tudo vazio. Batemos à porta e o porteiro disse que não estava ninguém e que não poderia fazer nada por nós. Então, eu pedi ao Paulo: “Paulo, pode fazer-me um favor? Diz para ele me olhar nos olhos e eu falo em português e você traduz para ele”, e eu disse que alguém me tinha enganado, que me tinham dito que eu podia fazer um estágio no Arsenal, e eu tinha gasto tudo o que eu tinha na minha vida para ter aquela oportunidade e só queria receber o não da pessoa que ma tinha negado. Ele comoveu-se e deixou-me entrar no estádio. Enquanto ele estava a fazer umas chamadas, eu fui tirando umas fotos, a achar que seria a minha primeira e última vez lá. O porteiro deu-nos uma morada e disse que tínhamos três horas para chegar a uma cidade próxima a Londres, mas havia muito trânsito. O Paulo levou-me a três estações de comboio, não encontramos o destino e disse-me: “Sandro, infelizmente cheguei ao meu limite e não te posso ajudar mais”.

    BnR: Digno de filme.

    Sandro Orlandelli: Eu abracei-o de uma forma bem carinhosa, e passa a imagem na minha cabeça de que tenho a oportunidade de conhecer o Big Ben e passear por ali naqueles dias ou então vou atrás do sonho, e fui caminhando, e já ia eu a 100 metros quando ele me chama: “Sandro, Sandro, tenho uma última chance para tentarmos. Eu tenho um colega que tem uma escola de futsal, ele adora o futebol brasileiro e tem um pub. Se ele se interessar em levar-te, e em troca deres uns treinos nas escolas e trabalhares no pub, aceitarias?” e eu disse “lógico”. Era a chance de ganhar uma “graninha” para poder comer. Então ele veio com vontade e levou-me ao centro de treinos do Arsenal, eles atenderam-me, falavam para mim e eu não entendia nada, deram-me um tradutor, um português, o senhor José, que até hoje trabalha no clube. Ele deu-me toda a atenção, eu fiz o estágio no Arsenal e à noite trabalhava no pub e dava treino à noite também. Na primeira semana fiquei com a formação, sub-17, sub-19, e na última semana o senhor José disse que o Arsène Wenger me queria conhecer. Eu fui fazer o acompanhamento da primeira equipa, e fiquei dois dias lá, ele cumprimentava-me e tal, mas no terceiro dia, fui caminhando com ele enquanto apanhava os coletes e ele perguntou-me se eu conhecia jogadores brasileiros para jogar no Arsenal. Muito inteligente o Arsène Wenger, muito inteligente. Eu disse: “bom, sim, mas acho que o senhor não conhece”. Ele olhou espantado para mim: “como assim não conheço?”, então eu dei um nome que era o Káká. Ele ainda estava em desenvolvimento no São Paulo, nem tinha ainda destaque, mas naquele ano foi convocado para a seleção. Entretanto, acabou o meu estágio, despedi-me de todos, deram-me uma carta.]

    BnR: [Sandro prossegue]

    Sandro Orlandelli: Eu tinha dito como jogava o Káká, que tinha hipótese de ir à seleção brasileira, disse-lhe em que posição eu achava que ele jogava, e então ele foi para a seleção no Mundial de 2002. Em setembro de 2002, recebi uma chamada do Dick Law, o chefe de operações do Arsenal, a dizer-me que estavam à procura de um scout no Brasil para começar esse processo embrionário que não existia no futebol inglês, e assim surgiu o convite para começar a trabalhar no Arsenal e na América Latina. Assim comecei a minha história dentro do clube, foram 11 anos de muitas aprendizagens, foi uma fase em que tive uma sensibilidade diferente da que há hoje. Eu ajudava a dar treino, participava na integração dos novos jogadores, tinha muita liberdade, participei em muitos processos, foi um clube em que tive carta branca e isso ajudou-me a crescer muito profissionalmente. É a força do destino, parece um conto de fadas.

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    Pedro Pinto Diniz
    Pedro Pinto Dinizhttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é um apaixonado por desporto. Em cada linha, procura transmitir toda a sua paixão pelo desporto-rei, o futebol, e por todos os aspetos que o envolvem. O Pedro tem o objetivo de se tornar jornalista desportivo e tem no Bola na Rede o seu primeiro passo para o sucesso.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.