SALTOS > LONGA DISTÂNCIA
Fica a questão: O porquê da preferência pelos saltos? Podem existir várias respostas para esta questão, mas a mais óbvia é: a World Athletics quis evitar polémicas desnecessárias. Numa situação em que poucos contestariam os prémios dados a Duplantis e Rojas, dois atletas com um registo totalmente limpo de polémicas, porque haveria a WA de se pôr a jeito das más línguas? Não é que exista algo contra Cheptegei e Jepchirchir, o problema é que as provas de longa distância estão sobre brasas, neste momento. Os recordes caem como se fossem gotas da chuva pelo Norte de Inglaterra e os narizes torcidos são muitos.
Primeiro, e mais importante, os ténis. Sim, os ténis. Outra vez, os ténis. Os Vaporfly da Nike deram o mote, mas já há hoje modelos da Adidas (que deram neste último fim-de-semana um novo…recorde mundial masculino na Meia, numa prova com quatro atletas abaixo do antigo recorde!) e de outras marcas concorrentes, que usam a mesma tecnologia ou similar. A melhoria da performance é imensa. Vários estudos apontam para uma melhoria superior a 2 minutos na Maratona, alguns vão até próximo dos 4 minutos. É absurdo, é esmagador, mas…é legal. No entanto, fica sempre a questão, devemos dar assim tanta atenção a estes recordes? É justo compararmos estes tempos com tempos passados?
Existem aqueles que defendem que a tecnologia sempre fez a diferença e que as sapatilhas dos sprinters também estão muito longe das utilizadas por Jesse Owens em Berlim. Correto. No entanto, nunca existiu uma evolução tão grande, um salto tão absurdo em tão pouco tempo, uma tão disruptiva alteração nas melhores performance de sempre e aqui talvez estejamos mais próximos da polémica dos fatos da Natação (que foram proibidos depois de tanta polémica) do que de um simples novo modelo de calçado. A mesma WA que permite que isto aconteça – impondo poucas regras e voltando atrás, mesmo nessas poucas regras – é a mesma WA que depois não dá o prémio de melhor do ano a um atleta que bateu o recorde dos 5.000 e 10.000 num ano. Estranho, não?
Depois, entre dentes, há outras informações que circulam e que a imprensa não gosta de citar, embora o elefante paire por lá. Quem está por dentro do desporto sabe que foi um ano em que os controlos anti-doping deixaram muito a desejar. Fora de competição, houve muitos atletas não testados durante um largo período de tempo (afinal, as viagens continuam proibidas em grande parte do mundo e não se consegue garantir o transporte das amostras em tempo apropriado para testagem).
É injusto para Cheptegei e Jepchirchir? Ainda para mais, atletas já com provas dadas e sem nunca terem nada acusado? Bastante provavelmente é, mas a World Athletics também poderá estar escaldada de situações passadas, sabendo que a incidência de casos na estrada e longa distância tem sido bem superior aos eventos de saltos e lançamentos. Julgamos que Cheptegei e Jepchirchir estão limpos. Acreditamo que a WA pensa o mesmo. Mas não deixa de ser um elefante no meio da sala, num ano de COVID.