A Olímpica arte de se ignorar as grandes questões – Drible de Letra #14

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    Por que motivo não são feitas as grandes questões? Impreparação? Conveniência? Desconhecimento? Ou qualquer outro mistério?  Vivemos tempos peculiares, onde se torna mais fácil, do que, porventura, noutros momentos, deslindar uma tendência curiosa: a arte de contornar questões de fundo que assentam no cerne dos grandes acontecimentos.

    Estamos, como quem não quer a coisa, em plenas eleições legislativas. E por que razão mesmo? Ah, pois: Justiça, essa senhora de olhos vendados e que teima em estar na ordem do dia. Ainda fresco está também o episódio madeirense, onde o Governo Regional se desfez como açúcar em chá quente, resultando na detenção preventiva de três suspeitos, por longos e teatrais 21 dias! E tudo isso sem que as medidas de coação fossem devidamente comunicadas. Depois, eis que surgiu o juiz, como um mágico a tirar um coelho da cartola, a proclamar que, afinal, as provas são mais escassas do que água no deserto. E há um antigo Primeiro-Ministro, esse sim, que já provou o sabor do ferro das grades e agora, qual Dom Quixote contra moinhos de vento, enfrenta acusações que já contam uma década. Depois de tudo isto, observamos, então, um debate com cerca de uma hora e meia, protagonizado pelos habituais suspeitos do centrão – que mais parecem ter um contrato de exclusividade com São Bento há já meio século. Continuará assim? – e nem uma mísera pergunta sobre Justiça? Há um motivo, claro, mas – nas palavras do perspicaz José Milhazes – qual será?

     Ora, o debate que tivemos foi uma dessas peças teatrais que, apesar de prometerem luz, pouco iluminam sobre o futuro de Portugal. Mas, cá entre nós, o que realmente agita as águas do espaço mediático é a pergunta que se faz depois do espetáculo: quem levou a melhor? É a dança das classificações míticas, o bailado das análises sobre quem se preparou mais ou menos, e quem a quem “destrunfou”. Momentos de knock-out, qual combate de boxe, frases de efeito que ficam no ar. E as propostas? Por lá andam, tímidas e meio esquecidas, pois o que menos importa é o como e o quê.

    Fala-se aos quatro ventos que os jovens são o futuro – frase tão batida que já perdeu o verniz. Mas, para que os jovens sejam de facto o amanhã, é preciso que também eles tenham futuro. A não ser que a minha memória esteja a pregar partidas, apenas se sopraram algumas palavras sobre os jovens e as suas vidas, quando Luís Montenegro tocou de leve no IRS jovem. E é com isso que os candidatos a timoneiros do país pretendem estancar que um em cada três jovens emigre em busca de um céu menos cinzento? Ou será que se conta com a magia de descontos em viagens de comboio e noites grátis em pousadas para fidelizar a juventude ao solo pátrio?

     Assistimos, pois, a grandes números de ilusionismo. Mas, na verdade, não importa escrutinar números. O que interessa é a arte de “destrunfar”, de sair por cima na arena do espetáculo mediático, onde os números que realmente interessam são as notas dadas no final. O caos que se instalou no Serviço Nacional de Saúde (SNS), e que sob a batuta do PS teve o seu ápice de indecência humana, é uma triste realidade. Mas Pedro Nuno Santos, antigo Ministro e atual aspirante a Primeiro-Ministro pelo mesmo partido, trouxe-nos um gráfico que, à primeira vista, parecia bonito. Mas a beleza, como bem sabemos, muitas vezes esconde a ausência de substância. O gráfico em questão era uma falácia encenada, um truque de luz e sombra que falava de um aumento do investimento no SNS, como se, logo à partida, fosse diretamente proporcional à eficácia. Está à vista que não é. Mas, mais grave ainda é que os números apresentados passaram incólumes, aceites como verdades indiscutíveis. O incremento ilustrado não é mais do que um reflexo da inflação, que fez subir os preços, e não um indicativo de uma política de saúde mais robusta. E a cereja no topo do bolo é que o valor apontado como orçamento não corresponde ao que foi efetivamente investido. Em 2023, dos 900 milhões de euros destinados à saúde. Apenas 45% foram aplicados. Pedro Nuno Santos tinha à sua frente o seu opositor, que deveria ter rebatido estes números. Estavam lá três moderadores. Todos assistiram à vitória da falácia sem esboçar reação.

     Num país onde a política frequentemente se assemelha a uma corrida de obstáculos na lama, o desporto emerge como o raro palco onde a meritocracia ainda respira. Dos poucos motivos que ainda temos para bater no peito e cantar o Hino Nacional sem um pingo de cinismo. É no desporto que o nosso espírito patriótico, tantas vezes adormecido, desperta com um vigor quase esquecido. Mas isso pouco parece importar para quem almeja governar o País. Já agora, tal como a Cultura.

    Diogo Ribeiro fez o impensável. Nunca Portugal tinha tido um campeão do Mundo na Natação. Diogo conseguiu-o a dobrar, com apenas um intervalo de horas! Um feito inédito, que fez, e bem, a nação vibrar. É que estamos a falar de uma das maiores conquistas de sempre do desporto português. E digo-o com a certeza de quem há vinte anos também fazia das piscinas o seu segundo lar. Em primeiro lugar porque é preciso treinar muito! Para se ganhar um milésimo de segundo, são precisas horas e horas a contar azulejos, como se diz na gíria. Eu, por exemplo, que nem sequer almejei a chegar perto do que o Diogo fez, treinava às seis e meia da manhã, antes das aulas, e depois à noite, novamente. Imaginem o Diogo.

    Diogo Ribeiro Natação
    Fonte: COP

    O mérito estende-se aos bastidores, aos pais que acompanham os seus filhos nadadores ou projetos disso. Um beijinho especial à minha mãe, que tantas e tantas vezes, se levantou antes das 6h, para as 6h30 os filhos estarem a começar o treino.

    Depois, não me parece que as condições se tenham alterado assim tanto, daquela altura para cá. Em Portugal, as piscinas de 50 metros, onde o Diogo conquistou as medalhas, são contadas como lendas. O Desporto Escolar também dava pouca importância. E, para piorar a situação, a ASAE detetou, recentemente, no início do ano, falta de higiene no refeitório do CAR Jamor. Para quem não sabe, o CAR Jamor é onde residem os atletas que trabalham, arduamente, para conseguir representar o nosso país nos Jogos Olímpicos. Mas este tema tem sido olimpicamente ignorado pelos moderadores e pelos candidatos a Primeiro-Ministro. Contudo, não se furtam de bater no peito e capitalizar sobre a vitória do Diogo. Celebrar o sucesso é fácil. Difícil, como se percebe, é conseguir o que o Diogo conseguiu. Vénia.

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