Fenómeno(s) – Drible de Letra #1

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    Drible de Letra é um espaço de opinião da autoria de André Rúbio Leitão. Um dos sócios fundadores da RMM Comunicação & Consultoria.

    Numa destas belas noites de Outono decidi aventurar-me a prestar especial atenção ao alinhamento de um telejornal e, vejam só, fui brindado com uma avalanche de crises: habitação, saúde, educação. Logo a abrir o festim das desgraças, a crise na habitação: a narrativa cirandou entre peças jornalistas dos mais variados ângulos, complementadas com assertivos e preocupantes comentários de quem, por uma ou outra razão, está dentro do tema; depois, o SNS. Dificuldades de acesso; horas e horas de espera; greves; mortes por falta de cuidados. Uma tristeza, para não dizer pior. No fim da reportagem, enchi o peito de esperança para respirar de alívio…só que não; a crise na educação também quis um lugar ao sol, porque, convenhamos, a vida não seria a mesma sem saber que os nossos professores estão a lutar mais pelos direitos deles do que por ensinar o ABC.

    Por um breve momento, talvez ingénuo, alimentei a esperança de que o próximo segmento do noticiário me oferecesse um suspiro, uma pausa, um pequeno raio de luz neste túnel de desventuras. E então chegou o tão aguardado comentário com assinatura. Mas, qual quê! A expectativa, que timidamente tentou erguer a cabeça, rapidamente foi submergida no mar de desalento. As opiniões tão aguardadas não eram mais do que ecos das mesmas lamúrias, desilusões e frustrações. Uma ode melancólica à situação já angustiante, reforçando a ideia de que, realmente, o espelho do país reflete um cenário digno de um filme de terror. E o cenário desse filme? Sim, o telejornal era sobre Portugal. O país que nunca deixa de superar (ou deveria dizer subverter?) as expectativas!

    Agora, imaginemos, por um momento, uma empresa. Uma gigantesca corporação com sede em Portugal, que promete a todos os seus “clientes” serviços de qualidade: saúde, educação, habitação. Imagine que essa mesma empresa falha miseravelmente em entregar o que promete. Não só isso, mas atinge o cúmulo de permitir que os seus clientes sofram, esperem horas a fio por serviços que nunca chegam ou, pior ainda, percam a vida à espera desses serviços. No mundo real, uma empresa que chegasse a este Estado estaria falida ou, no mínimo, os acionistas (ou seja, nós) estariam a pedir a cabeça do conselho de administração. Mas não. Em Portugal, mantemos o rumo. Um fenómeno.

    E, por falar em fenómenos, aplausos para os Lobos! A Seleção Nacional de râguebi, que, mesmo sem todas as condições ideais e enfrentando obstáculos inimagináveis, ainda conseguiu fazer história com a primeira vitória de sempre num Mundial.

    O feito mereceu, justamente, a atenção mediática. Mas, a bem da verdade, se Portugal voltasse para casa sem qualquer vitória, o êxtase seria semelhante. É um fenómeno esta Seleção. Mesmo que perca todos os jogos e mais alguns, são elevados a heróis nacionais. A razão? Não lutam com as mesmas armas. Não são profissionais. Treinam em pós-laboral, têm de meter férias para participar em campeonatos e, por isso, desde que deixem tudo em campo, podem nem concretizar ensaios que a glorificação está conseguida. Acho bem!

    Quando criticamos, quando exigimos e, até, quando elogiamos temos de ter noção do contexto. A verdade é que os Lobos deixam tudo em campo, em nome da Pátria, e isso é louvável. Desta vez – e aliado à qualidade que têm, ao espírito de sacrifício, talvez esteja também o ambiente favorável em que jogam, independentemente do resultado e, por isso, sem pressão – até conseguiram vencer a 8.ª melhor seleção do Mundo. Estão de parabéns.

    O que já não acho tão bem é quando os mesmos portugueses conduzem em contramão quando se fala de outras modalidades. Lembram-se? O tal contexto. Com que legitimidade se coloca a pressão desmedida, que tantas e tantas vezes se vê, por exemplo, aos atletas olímpicos num exacerbado desejo de medalhas? Mesmo que sejam considerados “profissionais”, sabemos as condições e apoios que, por exemplo, um nadador português tem quando comparado com outro dos EUA? Como vamos reagir se o Diogo Ribeiro não vencer qualquer medalha nos Jogos, mas deixar tudo na água em nome da Pátria, a dar braçadas contra quem tem dez vezes mais condições para estar ali a fazer a água andar? E o Vasco Vilaça, do triatlo? E o Gustavo Ribeiro, do skate?

    Faria sentido o râguebi deixar de ser fenómeno e passar a ser um apanágio português: valorizar quem tem de ser valorizado, se fizer por merecer, mesmo que não consiga vencer quem tem 30 mil vezes mais condições.

    Em relação ao fenómeno do país, bem… é um daqueles enigmas que nem o mais sábio dos sábios consegue desvendar. Mas, em contrapartida, tenho algo a dizer sobre o fenómeno de poder ter direito a, semanalmente, dizer umas larachas num espaço tão conceituado como o Bola na Rede que tem feito o seu caminho, a pulso, de forma brilhante e exemplar. A minha vénia a este projeto do qual, a partir de hoje, faço orgulhosamente parte, na pessoa do Mário Cagica. Um verdadeiro fenómeno.

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