Pensa-se e insinua-se o Benfica como rei das vendas, mercador mais manhoso na grande feira da Europa. Vendendo o que pode da forma mais audaz possível – o pesadelo dos benfiquistas mais românticos, os que valorizam a ligação emocional com os atletas e o Seixal como base identitária, parece mais uma vez iminente: João Neves estará prestes a tornar-se jogador do Paris Saint Germain.
O gigante francês que já levara Gonçalo Ramos em negócio despropositado e impusera, sem grandes alaridos, dois lesionados crónicos como Draxler e Bernat. Como mercador ainda mais manhoso e conhecedor dos truques do apoio ao cliente, conseguirá a terceira proeza: impingir por empréstimo um sucessor conveniente, Renato Sanches, nome grande e familiar que Rui Costa imaginará como calmante para uma massa adepta já farta de arrancar cabelos.
Lembrar Renato é olhar para 2015-16 e compreender a preponderância num campeonato que parecia perdido em Dezembro, com o miúdo a agarrar numa equipa amorfa e a transformá-la num rolo compressor capaz de 16 vitórias (em 17 jornadas) e 43 golos marcados (2,52 de média) nessa segunda volta.
A mesma preponderância teve-a no Europeu de França, sabemos, e a chegada do Bayern com as malas de dinheiro foi tão justificada como precoce, ditando aí o fim do Renato no pleno das suas capacidades – só em Lille, sobretudo no título 2020-21, chegou a tocar no mesmo zénite.
Os números já se espalharam pela internet, a sua indisponibilidade física tornou-se até certo em ponto em anedota, a merecer comentários de Mourinho: Renato, numa carreira sénior de nove anos, já passou dois sem competir (697 dias), o mesmo é dizer 134 jogos falhados; nos últimos dois anos, entre Paris e Roma, cumpriu… 1167 minutos distribuídos por 39 jogos (29 minutos de média de utilização) e apenas seis titularidades. As inegáveis qualidades técnico-tácticas mantêm-se na memória colectiva, mas sobressai um último dado esclarecedor: a época com mais jogos cumpridos (35) continua a ser 2015-16!
Vindo e recuperando a boa forma, livrando-se dessa atracção pelo abismo, será naturalmente o titular, ao lado do cada vez mais indispensável Florentino Luís. É o trinco benfiquista a grande certeza da intermediária, restando perceber o que vai na cabeça de Roger Schmidt quanto às alternativas. Leandro Barreiro, testado em parelha na vitória com o Farense, convence pelo raio de acção, mas não demonstra ainda a criatividade suficiente para sustentar o ataque.
Como backup de segurança haverá sempre a inteligência de João Mário, que a raciocinar de bola no pé continua a ser dos melhores da equipa; será justo pedir a Aursnes, mártir beatificado, sair novamente da posição onde se revelou de elite no Benfica e mostrar-se, enfim, ao terceiro ano, na posição original, onde foi um dos protagonistas do Feyenoord de Arne Slot finalista da Liga Europa (ao lado de Orkun Kökcu, nunca demais relembrar)? Ou poderá o turco repensar melhor as declarações tumultuosas da temporada passada, voltando com outro vigor ao duplo-pivot – no qual cumpriu aproximadamente 150 jogos ao serviço dos neerlandeses?
Há ainda incógnitas como Rafael Luís ou Martim Neto, juventude abastada tecnicamente nascida no Seixal e prontos a fazer o mesmo percurso de Neves, mesmo apesar de não terem ainda participado competitivamente na pré-época. Martim, figuraça na inédita Youth League, até já provou mais competências que o Neves que apareceu certo dia num amigável contra o Sevilha, em Dezembro de 2023 – esse João Neves, meio perdido entre os B’s e os Sub-23, não poderia pedir a si o mesmo respeito que um Martim Neto, 33 vezes utilizado num Gil Vicente de Primeira Liga, poderá agora exigir a Roger Schmidt nas captações para novo dínamo do meio-campo.
E todo este palavreado sem referir Benjamín Rollheiser pela frustração em torno da sua caprichosa lesão, que lhe rouba determinante timming de afirmação.
O argentino assentou que nem uma luva como segundo volante, oferecendo com a canhota o discernimento atacante que nem talvez o sobredotado João Neves alguma vez ofereceu, sempre mais ocupado em ser omnipresente. A lesão fá-lo parar seis semanas, fazendo-o perder as primeiras rondas dum campeonato renhido como tantos outros, mas essencial para Benfica e Rui Costa.
A única coincidência que dá ânimo: Pizzi, quando começou a ser trabalhado por Jesus para ser Oito, em 2014-15, também se lesionou no início da pré-época, partindo o cotovelo esquerdo. Perdeu umas semanas valentes e só se estreou a 5 de Outubro, num 4-0 ao Arouca.
Ao contrário de Rollheiser, não havia pressa, que se acalmou o vício do negócio e se adiou a venda de Enzo Pérez (que como Benjamín, fora estrela em La Plata pelo Estudiantes) para Janeiro. Pizzi assumiria na segunda volta para fazer do Benfica campeão. Reformula-se a pergunta: sem Neves e Rollheiser, quem assume?