Diamantino Miranda «Sporting ofereceu mais 20 contos mas preferi o Benfica» – Entrevista BnR

– O miúdo educado mas reguila que teve Cruyff como referência –

BnR: Oriundo de Sarilhos Pequenos, perdoa-me o trocadilho fácil, mas eras de te meter em sarilhos quando eras pequeno?

DM: Era, era. Educado mas reguila, principalmente de língua. Tive sempre o coração ao pé da boca. São características que nós temos que só depois a idade é que nos vai moldando. Mas mesmo como jogador tive sempre a sensação de alguma liberdade de pensamento e se era naquela altura que me apetecia dizer aquilo e, se eu achava que devia dizer, dizia. Eu normalmente dava uma entrevista por ano a cada jornal. Não era de andar sempre nos jornais mas quando dava uma entrevista achava que era sempre muito lida porque depois também era sempre muito debatida e comentada [Diamantino ri-se a bom rir]. Havia coisas que eu dizia que iam um bocado contra os padrões da altura de comportamentos e pensamentos, mas eu sempre fui assim, pensar por mim mas respeitar os outros. Algumas dessas arranjaram-me dissabores mas não me arrependo de absolutamente nada.

BnR: Quem foram os teus ídolos em miúdo?

DM: É assim, eu nunca fui muito de ídolos…

BnR: [Rio-me a bom rir porque Diamantino volta a trocar-me as voltas]

DM: … eu tinha era alguns jogadores que adorava ver jogar.

BnR: Quem?

DM: O jogador que mais me fascinava era o Cruyff. A maneira como ele jogava, a simplicidade, a beleza, a leveza com que ele jogava era uma coisa impressionante.

BnR: Fizeste a formação em que posição?

DM: Joguei sempre como extremo na formação. Entrei nos iniciados do Vitória de Setúbal, fiz um ano e depois subi logo para os juniores, saltei os juvenis. Depois subi logo para sénior, com 16 anos. A maioria dos seniores tinha 34/35 anos, tinham idade para ser meus pais.

BnR: Quem eram eles?

DM: Jaime Graça, JJ [Jacinto João], Carlos Cardoso, que depois foi treinador, Tomé, que depois jogou no Sporting, Wágner.

BnR: No Benfica como é que passas de extremo para médio ofensivo?

DM: Creio que é em ’87, quando o Toni fica com a equipa e o Jesualdo Ferreira é adjunto. Eu tinha 26/27 anos, já era um jogador maduro e eles acharam por bem que a equipa ficaria melhor comigo a jogar como organizador de jogo, porque eu era um jogador com uma técnica muito razoável…

BnR: Estás a ser muito modesto…

DM: … Não, sabes que eu às vezes fico surpreendido comigo quando digo isto. Por exemplo, ontem estava a dar um jogo da seleção portuguesa do Europeu de ’84, contra a Roménia. Eu nem sequer me lembrava que tinha jogado esse jogo e fiquei a ver, já tinha começado a segunda parte. Eu entrei logo aos 10 minutos porque o Chalana se lesionou. Estive a ver um bocado do jogo e fiquei surpreendido, eu realmente fiz algumas coisas que nem me lembrava que tinha feito e que era capaz de fazer. Eu tenho jogadas neste jogo de passar por três e quatro adversários em velocidade, as tais diagonais, e eles a fazerem-me carrinhos por trás para me acertar nas pernas mas não conseguiam. E eu a pensar “Fogo, mas eu jogava isto tudo?” [Diamantino ri-se com gosto]. Até eu fiquei surpreendido com as coisas que fazia.

BnR: Ainda sobre a mudança de posição, onde é que achas que rendias mais?

DM: Acho que a médio ofensivo. Mas eu era muito produtivo nos corredores, eu fazia muitas assistências, além de marcar alguns golos. Depois quando passei para o centro tinha um espaço maior para poder usar as minhas capacidades, a leitura de jogo, o passe, a condução com a bola no pé a queimar linhas e o chegar perto dos pontas-de-lança para dar apoio. Mas por exemplo, uma vez com o Eriksson joguei a ponta-de-lança.

BnR: Quando?

DM: Foi num jogo da Taça de Portugal em Paços de Ferreira, ganhámos 5-1, mas o jogo estava difícil. Eu estava no banco e o Eriksson pôs-me no lugar do ponta-de-lança. Eu acabei por marcar dois golos e no final do jogo o Eriksson agarrou-me pelo braço, ele falava ainda mal português, e disse [Diamantino imita o sotaque de Eriksson] “Eh Diamantino, é como o Paolo Rossi!” Tinha acabado há pouco tempo o Mundial de Espanha, onde o Rossi tinha dado muito nas vistas. A verdade é que ele fica com aquilo na cabeça e no ano seguinte põe-me a ponta-de-lança vários jogos. E eu nesse ano fico a dois golos da Bola de Prata.

BnR: Ehehe,que maravilha.

DM: E só não ganho a Bola de Prata porque nos últimos sete jogos do campeonato ele resolve meter o Nené como ponta-de-lança, ao lado do Filipovic, e fez-me recuar para médio. Nessa altura eu estava na frente com quatro ou cinco golos de avanço mas o Nené acabou por me passar, porque ele era um marcador de golos exímio. O Gomes também me ultrapassa e ganha ele a Bota de Prata com 21 golos e eu com 18 ou 19.

BnR: O que fizeste com o primeiro ordenado?

DM: Não faço a mínima ideia. Posso é dizer-te que numa semana tive um convite de um clube que me dava 65 contos, agora são 300 e tal euros. E eu não assinei com esse clube porque as coisas não estavam a ser bem feitas.

BnR: Isso foi quando estavas no Benfica?

DM: Não, não, quando saí do Setúbal. Estás-me a falar do primeiro ordenado e eu vou-te contar a história do primeiro ordenado [sai mais uma gargalhada de Diamantino]. A história é que eu podia ter ido ganhar mais 20 contos por mês para aquele clube, e naquela altura era muito dinheiro. E eu fui ganhar menos 20 contos para o Benfica, fui ganhar 45 contos.

BnR: Qual era o outro clube?

DM: Era o Sporting. As coisas não estavam a ser feitas como eu achava que deveriam ser e o meu Pai também não achou bem na altura. Na semana a seguir aparece o Benfica, que tratou primeiro das coisas com o Vitória de Setúbal, tudo normal, e eu acabo por ir para o Benfica ganhar menos 20 contos. Fui para o Benfica com 17 anos, não tinha carta, nem eu, nem o Chalana, nem o Zé Luís. Viajávamos de comboio, barco, autocarro, depois é que começámos a ir com o Bento na carrinha do peixe. Mas ainda andámos ali dois ou três anos a fazer a viagem de comboio da Moita, barco do Barreiro até Lisboa, a pé do Terreiro do Paço para o Rossio e depois metro até Sete Rios. Por fim, autocarro até onde são as torres da Vodafone, na 2ª Circular, e saíamos aí por esses prédios, que atrás tinham quintas e nós atravessávamos as quintas para chegar ao Estádio da Luz. Ou seja, demorávamos três horas para chegar lá.

BnR: Repito: o que fizeste com o primeiro ordenado?

DM: Talvez o primeiro ordenado tenha dado para passar ali na Baixa depois do treino, na Rua Augusta havia muitas lojas, mercearias, e a minha mulher é que me lembrou “E quando tu ainda fazias o percurso a pé para o estádio, passavas na Baixa e trazias sempre sacos de pinhões? Mas daqueles descascados!” [Diamantino farta-se de rir].

BnR: Qual a melhor lição que o futebol te deu?

DM: Há más pessoas em todo o lado mas a melhor lição foi ensinar-me a ser uma pessoa de grupo. Não ser individualista, não olhar só para o meu umbigo, ser solidário com os colegas. Embora seja difícil, porque todos procuramos o mesmo: ganhar um lugar na equipa. Ganhar um estatuto e uma visibilidade melhor que o dos outros, para fazermos melhores contratos, isso está sempre presente. Mas sempre com o melhor espírito e sempre com respeito por todos.

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Frederico Seruya
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