Mudança de mentalidade? É para a mesa do futebol português, por favor

    Na apresentação da equipa do Gil Vicente FC aos trabalhos de preparação para a nova temporada, houve uma pergunta de um órgão de comunicação social que me ficou na retina até hoje. Foi questionado a Vítor Oliveira se o Gil Vicente iria ser o bombo da festa deste campeonato. A resposta na altura foi humilde e serena, de alguém que já viveu muito no futebol português e que merece respeito. Tanto ele, como a instituição Gil Vicente Futebol Clube. Nunca, mas nunca um jornalista deve quebrar o seu código de ética profissional para fazer perguntas sensacionalistas, desprovidas de qualquer fundamento lógico e com toda a intenção de criar ruído.

    Os apelidados “Bombos da Festa” são, no meu ponto de vista, a grande sensação do campeonato a par do FC Famalicão. De facto, ninguém esperava que uma equipa que não teve receitas ao longo dos últimos dois anos, que sempre cumpriu, rigorosamente, com as suas obrigações e que passou a última temporada a fazer jogos amigáveis do Campeonato de Portugal, se mantivesse no escalão máximo.

    Pois bem, o Gil Vicente ocupa um tranquilo 10º lugar à entrada para a 22ª jornada do campeonato (em que recebe o líder SL Benfica). Os galos têm apenas uma derrota em casa (o melhor registo da liga a par do FC Porto) e já derrotaram os dois grandes que visitaram Barcelos neste campeonato: 2-1 ao FC Porto e 3-1 ao Sporting CP. Com um plantel humilde, competitivo e de muito trabalho, a orientação de um dos melhores treinadores portugueses da atualidade, há muitos anos, é absolutamente fundamental para este “ano 0” do Gil Vicente estar a correr tão bem.

    Toquemos então os bombos e marchem comigo nesta visita guiada, mais uma, pelo que está tão errado no futebol nacional e que é dirigido, precisamente, àquilo que é a génese deste artigo: a falta de respeito da Comunicação Social para com os clubes portugueses.

    Vítor Oliveira é o rosto do sucesso Gilista
    Fonte: Gil Vicente FC

    Partimos então para o mistério dos fantasmas das salas de imprensa dos clubes da Primeira Liga. Um deserto de jornalistas e de, essencialmente, perguntas verdadeiramente interessantes é típico em locais como Barcelos, Setúbal ou Moreira de Cónegos. Isto é algo que é transversal a praticamente todos os clubes, exceção feita a SL Benfica, FC Porto, Sporting CP, SC Braga e Vitória SC. Porque são clubes mediáticos, porque são clubes que atraem massas. E onde há mediatismo, há polémica e todos sabemos que em Portugal joga-se muito mais fora das quatro linhas do que propriamente lá dentro.

    Regressando ao caso concreto do Gil Vicente, as antevisões aos jogos do clube têm a duração de dois ou três minutos e as perguntas são, geralmente, de, no máximo, três órgãos de comunicação social (estando o órgão oficial do clube incluído). São feitas perguntas básicas como “O que espera do jogo?” ou “o que espera do adversário?” e dá-se por concluído aquilo que deveria ser uma troca de reflexões e de opiniões sobre vários aspetos da equipa em questão, e do jogo em si.

    A conferência de imprensa de rescaldo a um jogo é praticamente igual. “Acha que o resultado é justo?”, é religiosamente perguntado. Nada de perguntas sobre aspetos táticos do jogo, do porquê de ter jogado este jogador e não aquele. Isso não existe para a comunicação social portuguesa. Se fosse na sala de imprensa do Seixal ou do Olival, aí haveria 20 minutos de perguntas e respostas.

    Perguntar-me-ão os nossos leitores: “Mas quando o jogo é contra um grande, não há diferenças?”. Sim, há. Há diferenças substanciais na quantidade de perguntas efetuadas, mas a qualidade das mesmas não indica um aumento relevante. Por mais órgãos de comunicação social que estejam presentes e por mais perguntas que sejam feitas, 90% das mesmas são sobre o momento da equipa grande, sobre se a ausência de jogador A ou B da equipa grande terá importância e assim sucessivamente. Tudo vai de encontro a um único ponto de encontro no famigerado “interesse jornalístico”: o clube grande.

    Em Portugal, existem três clubes e todos os outros são acessórios. São apenas considerados importantes na medida em que esses três não podem fazer um campeonato sozinhos. Aquilo que se verifica em Barcelos é, infelizmente, o reflexo de toda a podridão comunicacional do futebol português. Envolvendo uma sociedade reconhecidamente consumista e juntando a explosão dos fenómenos das redes sociais, tudo o que vemos no futebol português assenta em casos de corrupção, polémicas por declarações de dirigentes contra o clube rival, crises porque o SL Benfica não vence há quatro jogos e quando vemos, esporadicamente, aquilo que achamos ser um artigo interessante sobre um clube do nosso campeonato, vemos a verdadeira fachada da comunicação portuguesa.

    “FC Famalicão em crise” ou “Não vamos ao Dragão passear”, são frases disparatadas que servem de exemplo à falta de respeito diária para com quase todos os clubes, sem terem a mínima noção do verdadeiro momento dos clubes. Agora, um clube que está na luta por uma posição europeia no seu regresso à Primeira Liga 25 anos depois e que chegou às meias finais da Taça de Portugal, pela segunda vez na sua história, está em crise porque não vence há alguns jogos?

    Quantos clubes não gostariam de estar nesta “crise”? Um clube que joga contra um grande e à qual perguntam ao seu treinador de forma leviana “Acha que o Portimonense pode fazer alguma coisa no Dragão?”, espera exatamente o quê como resposta? Esperam uma resposta submissa, um admitir de derrota antes do jogo começar? São estes títulos sensacionalistas, feitos especificamente para o consumo de milhões de pessoas que discutem uma semana inteira factos sobre os quais não reside nenhum interesse sobre o jogo em si, ou sequer sobre as equipas, que me irritam profundamente.

    Há muita coisa a mudar no futebol português, mas, num mundo em que a comunicação e partilha de informação é tão importante, torna-se urgente uma mudança de paradigma e de mentalidade em muitos jornalistas, muitos comentadores e muitos diretores. Talvez com uma informação mais equilibrada e equitativa a todos os clubes, do primeiro ao último na tabela, possamos ter um dia um futebol português um pouco mais limpo. Cada um vê o que quer ver mas cada um transmite aquilo que quer transmitir. Ponham as mãos na consciência. Não matem o futebol.

     

    Bombos da festa? O tanas.

     

    Foto de Capa: Gil Vicente FC

    Artigo revisto por Joana Mendes

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    António Sousa
    António Sousahttp://www.bolanarede.pt
    O António é um famalicense de gema e um amante do futebol e do desporto. Com o sonho em ser treinador de futebol bem presente, é através da escrita que encontra a melhor forma de se expressar. Apologista do jogo interior e do futebol ao domingo à tarde.                                                                                                                                                 O António escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.