Da glória bracarense à espera de oportunidades – Entrevista a Domingos Paciência

    “Senti o meu lugar em risco no Sporting de Braga”

    (BnR): Que treinador o marcou mais enquanto jogador?

    (DP): Falo sempre de um treinador que tive em Espanha e que serve de referência também ao Guardiola. Hoje percebo essa admiração do Guardiola. É o Juanma Lillo. Tinha uma forma de trabalhar e de comunicar diferente. Mas também seria injusto dizer que outros treinadores não foram importantes, como o Bobby Robson, como o Ivic, Carlos Alberto Silva, Fernando Santos. Com todos eles aprendi aspectos que valorizo enquanto treinador mas também aspectos que não devo seguir.

    (BnR): E qual o inspirou mais enquanto treinador?

    (DP): Fui buscar a um pouco de todos. As pessoas dizem que o Fernando Santos é ranhoso, mas às vezes temos de ser, o Bobby Robson era um espectaculo na forma como treinava e motivava o jogador, é importante que isso seja levado para o treino, a organização do Mourinho e de outros também é importante. A parte lunática do Quinito e a forma como falava também é importante. O Ivic, que riscava um livro todo, e eu achava aquilo uma parvoíce, mas a verdade é que mais tarde eu fazia o mesmo. Percebi o que ele queria explicar quando eu falava com os jogadores e fazia isso num quadro. Quando se é jogador acha-se isso uma estupidez mas quando se é treinador é perfeitamente normal.

    (BnR): Ser treinador era algo que já estava nos seus planos?

    (DP): Quando acabei a minha carreira, o presidente convidou-me para ficar ligado à formação do FC Porto, primeiro como adjunto na equipa B e depois como treinador principal. Foram 3 anos como adjunto e 1 como treinador principal e foram esses anos que me fizeram perceber que era aquilo que queria seguir. Serviu como incubadora para eu perceber se crescia como treinador ou não.

    (BnR): A sua passagem pela Académica fica marcada por duas vitórias na Luz, uma delas com um surpreendente 3-0. Qual foi o segredo para essas vitórias?

    (DP): Já com Leiria tinha feitos bons resultados na Luz. Passados 54 anos, A Académica ganhou na Luz. Houve uma estratégia, tínhamos Luís Aguiar, Miguel Pedro, Sougou, jogadores que faziam a diferença e que eram rápidos e jogavam bem em transições, além disso aproveitamos os erros que o Benfica cometeu. Queria também referir que senti um orgulho muito grande em treinar a Académica, pela forma como aquela cidade vive e como aquela gente vibra com o futebol. A Académica é um histórico e merece estar na Primeira Liga.

    (BnR): Foi no Sporting de Braga que teve as suas melhores épocas e foi, provavelmente, um dos treinadores que melhores recordações deixou. No entanto a época começou com uma eliminação precoce na Liga Europa e alguma contestação por parte dos adeptos. Sentiu o apoio do presidente nessa altura?

    (DP): Não, não senti. Senti o lugar em perigo. É normal quando se aposta num treinador que vem de outra realidade e falha esse objectivo, a continuidade esteja em causa. Não foi fácil, tínhamos muitas lesões, fiz uma lista para a UEFA de 22 jogadores e na altura do jogo com o Elfsborg 10 deles não estavam disponíveis. A juntar a isso, tínhamos um adversário já muito avançado na época, com outro andamento. Depois felizmente, contra a Académica, na primeira jornada, aos 87 minutos, o golo do Meyong acaba por me dar um balão de oxigénio, balão esse que foi enchendo e acabamos a lutar pelo título.

    Fonte: UEFA
    Fonte: UEFA

    (BnR): A partir do momento em que o Sporting de Braga foi eliminado da Europa, passa só a jogar ao fim-de-semana, o objectivo era tentar fazer algo mais no campeonato, como um apuramento para a Champions ou lutar pelo titulo?

    (DP): É evidente quando se trabalha semana a semana existe mais tempo para se criar rotinas, preparar processos, recuperar jogadores. Se tivesse na Liga Europa, isso talvez não tivesse acontecido.

    (BnR): Como reagiu às palavras de Jesus quando este afirmou que o Domingos apenas aproveitou a base que JJ deixou em Braga? Isso uniu o balneário?

    (DP): Sim, quando os jogadores gostam do treinador, eles sentem essas palavras. Eles sentiram que isso era injusto para mim. Entraram jogadores novos e outros renderam mais comigo do que com o Jorge Jesus. É uma falta de respeito enorme para um colega, mas aconteceu comigo e já aconteceu com outros, mas um dia esses iluminados acabam por ter uma lâmpada fundida. Vejam o que aconteceu com Rui Vitória e com Jorge Jesus, na hora da verdade ganhou o mais humilde. Que a equipa tivesse processos bem trabalhados, isso não está em causa, pois ele deve trabalhar bem, pelo menos nos clubes ganha, nos outros não fez nada de especial, mas nos clubes grandes é sempre mais fácil ganhar.

    (BnR): Para muitos adeptos do Sporting de Braga, o jogo em Sevilha foi dos jogos mais marcantes enquanto adeptos do clube. Como descreve esse jogo?

    (DP): Só quem esteve lá e assistiu à beleza de um dia/noite diferente é que consegue descrever esse jogo. Um calor agradável, uma lua enorme sobre o estádio. Quem viveu aquele jogo jamais o esquecerá, foi memorável pelo ambiente, pela sequência que aconteceu no jogo. Eu próprio senti que aquele era o nosso dia, quando meto o Lima e ele faz 3 golos percebi que estava escrita. Foi uma página bonita na historia do futebol português e na historia do Braga.

    (BnR): Após esse jogo, a aventura europeia só acabou na final da Liga Europa, em Dublin, e pela frente caíram clubes como Arsenal, Liverpool, Dinamo Kiev e Benfica. Quando é que sentiu que viesse quem viesse, o Braga ia chegar à final?

    (DP): Sim, houve 2 momentos na Liga Europa que são marcantes. O segundo jogo em Liverpool, a equipa faz um jogo fantástico, com uma atitude extraordinária e senti que a partir deste momento já ninguém nos ganhava. O outro momento foi na Luz em que estamos a perder 2-1 e vejo o Jesus a querer segurar o resultado e há algo que me diz para eu também aceitar este resultado pois em casa vamos ganhar 1-0 e vamos à final.

    (BnR): O jogo com o Dinamo de Kiev, em que a equipa jogou a partida toda com menos um, também o fez acreditar que estava escrito o Braga ir à final?

    (DP): Durante a semana tive uma preocupação muito grande, pois não tinha lateral direito e testei o Paulo César e o Salino. Acabei por optar pelo Paulo César. A verdade é que o Paulo César é expulso na primeira parte, tenho de meter o Salino e a verdade é que o Salino passa a ser lateral direito na época a seguir e vai para o Olympiacos como lateral direito. É engraçado como é o destino dos jogadores. São situações assim que definem uma carreira. Quanto ao jogo, a equipa trabalhou até à exaustão, superou-se.

    (BnR): Qual foi a sensação de disputar uma final europeia?

    (DP): Era tudo aquilo que eu não queria. Não queria defrontar o Porto na final, não pelo clube que é mas porque a final tinha de ser uma final internacional e a força do Porto na altura era muita, com a base já feita pelo Jesualdo. Com todo o respeito pelo André, que é um grande treinador, ele apanhou uma equipa já com as bases do Jesualdo, com jogadores como Falcão, Moutinho, James ou Hulk. O Porto ganhava os jogos por 3, 4 ou 5 e eu não tinha as mesmas armas que eles. A estratégia era fazer uma primeira parte a segurar o resultado e a segunda a tentar atacar, infelizmente sofri um golo perto do intervalo. Mas sinto-me um privilegiado por ter disputado uma final europeia, é uma grande sensação.

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