«Custou-me estar na qualificação e depois levarem o Custódio. Chamavam os jogadores do Mendes» – Entrevista BnR com Paulo Machado

    Se dentro de campo é caraterizado pela raça, entrega e determinação, fora dele, a boa-disposição e simpatia são os seus pontos fortes. Originário do Bairro do Cerco, Paulo Machado aceitou o convite do Bola na Rede para falar sobre a carreira que conta com passagens por campeonatos fora de Portugal. Da estreia pela mão de Mourinho até ao reencontro com Jorge Costa na Índia, sem esquecer a conquista do Europeu de sub-17 de 2003, eis então o percurso do médio que diz querer continuar a jogar até quando tiver forças para o fazer.

    – Origens e Anos de Dragão ao Peito –

    Bola na Rede (BnR): Antes de começarmos, e em tom de brincadeira, deixa-me fazer esta questão: o teu bigode em 2014 quando estavas no Olympiacos fez um enorme sucesso. O senhor Machado foi a inspiração para esse look?

    Paulo Machado (PM): Aquele grande bigode mesmo! (risos). O meu pai já tem o bigode, não vou dizer desde que nasceu, pois não se nasce com bigode, mas, desde que o teve, sempre usou. Houve um jogo em que disse “Vou cortar o bigode e fazer uma homenagem ao meu pai”, fiz isso e os gregos ficaram malucos! Nunca pensei que fosse fazer tanto sucesso a nível mundial, pois toda a gente falou nisso e até comentaram “Olha o Freddie Mercury!”. Até me lembro que fizemos uma publicidade para o Olympiacos e obrigaram-me a ter o bigode.

    BnR: O Hugo Almeida é que te copiou ou foi ao contrário?

    PM: Isso já não sei ao certo, pois metemos os dois o bigode num jogo da Liga dos Campeões e andávamos iguais. Depois disso, dissemos “Isto vai virar moda, vamos voltar ao tempo antigo”. (risos)

    BnR: Confesso que ainda jogo o FM2008, e os teus atributos mais fortes nesse jogo são a Determinação, Trabalho de Equipa, Agressividade, num bom sentido claro. De que forma a vivência no Cerco ajudou a ser um atleta mais forte psicologicamente e bastante comprometido com a equipa ao longo da tua carreira?

    PM: Ajudou um bocado, pois quando vives num bairro e vês coisas que se calhar outras pessoas que têm outras possibilidades não veem. Vi pessoas a injetarem-se o dia todo e a traficar droga, e pensas para ti mesmo “Não quero isto para a minha vida, quero ser jogador”. Essa frase começa a entrar no teu pensamento, ganhas uma força mental e não te deixas ir abaixo. Quando assinas por uma equipa e estás totalmente comprometido, e dás tudo o que tens e não tens. Isso foi sempre o que meu pai me ensinou “Podes nem sempre jogar bem, mas dá sempre o teu máximo dentro de campo e as pessoas vão valorizar o teu esforço” e foi o que eu fiz. E digo isto muitas vezes: tenho um irmão mais velho que jogou no Leça e tem mais qualidade que eu, só eu que eu ganhei pela raça e entrega. O que ele tinha a mais, tinha eu menos, mas o que eu tinha a mais, ele tinha menos que era a agressividade e vontade.

    BnR: É no Cerco que começas a dar os primeiros pontapés na bola. Já te destacavas quando faziam jogos?

    PM: No Bairro havia jogadores melhores que eu, como o meu primo Rui que jogava muito, tanto que o Porto o queria e ele não quis ir, e esse era um dos melhores jogadores do Cerco. Até escolhiam antes o meu irmão que a mim, tanto que ainda hoje vamos jogar futebol com o pessoal do Bairro e escolhem-no primeiro.

    BnR: A sério?

    PM: Sim, ainda continuam a fazer isso! Podes pensar “Ah, ele é jogador”, mas quando vamos jogar peladinhas, toda a gente prefere ter o meu irmão do que a mim na sua equipa.

    BnR: A tua ida para o FC Porto dá-se aos 10 anos de idade. Falaram diretamente contigo para ir lá treinar?

    PM: Não falaram primeiro comigo diretamente, falaram depois. Tínhamos o Alcino Palmeira que foi um grande boxista do Porto, e ele ainda era treinador de Boxe no Porto e também diretor no Bairro Cerco do Porto. O sr. Alcino disse aos diretores do Porto que tinha lá no Bairro um miúdo que podia dar jogador, perguntou-lhes se podia ir treinar à experiência e disseram que sim. Foi ele próprio e o senhor Figueiredo que me levaram diretamente ao Porto para treinar.

    BnR: A chegada a esse treino foi com toda a pompa e circunstância…

    PM: Foi mesmo! (risos). Levei um apito, e pensei “Ora bem, estou a chegar aqui e tem de ser em grande”, abro a porta e apitei, toda a gente ficou a olhar para mim. O pensamento dos outros jogadores foi, “Mas quem é este maluquinho que vai entrar agora com um apito?”, e, na verdade, aparecia lá de tudo um pouco para treinar. Depois de começar a jogar lá, apanhei malta um pouco estranha, os que não falavam com ninguém, apanhei de tudo.

    BnR: Os teus primeiros tempos na formação não foram fáceis para ti. Quais foram as maiores dificuldades?

    PM: Foi difícil, porque nessa altura, e mesmo agora, existiam aqueles pais com mais possibilidades, os ditos “ricos” e que conseguiam meter os filhos a jogar no Porto, e havia muitos desse tipo, e como eu vinha de um bairro ninguém queria estar ao pé de mim. O único que quando cheguei lá e comecei logo a dar-me bem, foi o Ivanildo. Depois acabei por me dar com o (João Pedro) Macieira e inclusive era o pai dele que até me trazia a casa, mas, de resto, a maioria eram filhos de pais ricos e ninguém se sentava ao meu lado. Sentia-me um pouco discriminado nesses tempos.

    BnR: Ao longo da tua formação, partilhaste o balneário com vários jovens craques do Olival. Qual foi o companheiro de equipa que mais te marcou e porquê?

    PM: O que me marcou mais foi o Ivanildo. Nas camadas jovens, ele era um fenómeno e não havia ninguém que conseguisse pará-lo. Lembro-me dum jogo que fizemos no Alentejo, mal começa a partida, o Ivanildo pega na bola, finta toda a gente e marca golo. Era o único da nossa equipa que fazia isso. Toda a gente que via o Ivanildo, fugia e pensava “Lá vou eu levar com o Ivanildo”. As lesões que ele teve acabaram por impedi-lo de chegar mais longe, infelizmente.

    Fonte: Facebook Paulo Machado

    BnR: A tua estreia nos seniores foi no jogo de inauguração do Estádio do Dragão. O José Mourinho disse-te algo antes do jogo que te marcou?

    PM: Sim disse, e é normal que me marcou. Na noite anterior ao jogo, eu quase nem dormi só de pensar “Amanhã vou jogar na inauguração do Dragão”, que é o sonho de qualquer jogador da formação. Fiquei a pensar se ia jogar muito ou pouco tempo, e lembro-me dele vir ter comigo e dizer “Amanhã vais jogar 30 minutos. Dos jovens todos, vais ser quem vai jogar mais tempo”, fiquei maravilhado com as suas palavras. E, de facto, fui mesmo de todos os jovens o que jogou mais tempo.

    BnR: Além desse jogo, há ainda o da Taça…

    PM: Tive a felicidade de poder jogar nas Antas e na inauguração do Estádio do Dragão. A partida nas Antas contra o Vilafranquense treinado pelo Rui Vitória foi também especial, pois já sonhava poder jogar pelo Porto e conseguir fazê-lo no Estádio das Antas era um orgulho. O meu pai é sócio do Porto há cerca de 30 anos e vê-lo na bancada a apoiar-me foi uma enorme alegria.

    BnR: Deves ter-te sentido radiante nesse dia…

    PM: Claro. Aliás, a minha família é toda portista, e conseguir chegar à equipa A e jogar, apesar de não ser titularíssimo ou ter as oportunidades que muitos tiveram, não reclamo das oportunidades, porque muita gente diz que não fui nada no Porto, mas esquecem-se que tinha jogadores que jogavam na minha posição e não era fácil, tinha de ser um fenómeno para passá-los à frente.

    BnR: A concorrência no meio-campo era de peso, o que acaba por impedir a tua afirmação no Porto. Recebias algum conselho dos jogadores mais experientes?

    PM: Jogavam Costinha, Maniche e Deco, saía o Maniche, entrava o Alenichev. Conselhos recebia sempre. Eles gostavam de mim e davam-me valor porque, apesar de ser jovem, chegava aos treinos e se tivesse de dar “porrada” a este ou àquele, eles gostavam disso pois demonstrava um bocado a minha personalidade e raça que tinha. Por vir do Bairro e tudo, diziam “Este aqui não vai ter medo de nada” e se calhar isso fez conquistar o Mourinho e as pessoas dali. Vim dum bairro muito pobre, não passava fome, graças a Deus, tínhamos dinheiro para comer e beber, o que era mais importante. E ter conseguido alcançar a equipa A, era valorizado por isso.

    BnR: Como eras um dos mais novos da equipa, acabavas por ser o “estafeta” e acatar os pedidos dos jogadores mais experientes. Vias isso como algo de negativo?

    PM: Eu na equipa A fazia de tudo, era mesmo o estafeta. Ia buscar garrafas de água, quando íamos para a piscina diziam-me “Olha o miúdo, vai buscar toalhas” e lá tinha de ir. Naquela altura, se dissesse que não, estavas tramado, o melhor era fazer o que te pediam (risos). Sinceramente, não pensava muito se faziam de mim um escravo ou qualquer coisa do género, até ficava todo feliz por ir buscar toalhas para o Jorge Costa e Vítor Baía. Era uma oportunidade única puderes jogar no clube do teu coração e estar ao lado dos jogadores que vias na televisão, tu fazes qualquer coisa para ser amigo deles.

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    Guilherme Costa
    Guilherme Costahttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme é licenciado em Gestão. É um amante de qualquer modalidade desportiva, embora seja o futebol que o faz vibrar mais intensamente. Gosta bastante de rir e de fazer rir as pessoas que o rodeiam, daí acompanhar com bastante regularidade tudo o que envolve o humor.                                                                                                                                                 O Guilherme escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.