A 16 de Janeiro, já a janela de transferências desse mês ia a meio, Pinto da Costa concedeu uma entrevista ao Porto Canal. À data, apenas Ricardo Quaresma havia chegado e ninguém parecia destinado a abandonar o Dragão – o mercado de Inverno aparentava estar calmo. Na entrevista, o presidente do FC Porto garantiu que Lucho – “património” do clube – ficaria no plantel até ao final da época e assegurou que nenhum titular sairia por um valor inferior ao da cláusula de rescisão. Três semanas depois, Lucho é jogador do Al-Rayyan do Qatar e Otamendi transferiu-se para o Valência por 12 milhões de euros (mais 3 milhões, mediante a concretização de objectivos). Porém, neste hiato temporal muita coisa se passou. Vamos por partes.
Lucho González
A partida do capitão de equipa a meio da temporada nunca pode ser encarada como um acontecimento de somenos importância. Mais do que a inegável classe futebolística que Lucho transportava para o relvado, o FC Porto perdeu a invulgar capacidade de liderança daquele que justamente ganhou o epíteto de El Comandante. A ficar, Lucho seria sempre um jogador útil dentro de campo e fundamental no balneário. No entanto, tendo uma proposta milionária vinda do Médio Oriente em mãos, não poderia recusar este convite.
O próprio Lucho, já com 33 anos, estava ciente da perda de faculdades que já todos percepcionavam (pese embora o papel que Paulo Fonseca lhe concedeu durante a maior parte do tempo estivesse longe de potenciar as suas qualidades) e adiou a assinatura de um novo vínculo contratual com os dragões precisamente porque queria certificar-se de que estaria em condições físicas para continuar a competir ao mais alto nível.
É verdade que Pinto da Costa garantiu que não saía. Mas é igualmente verdade que, por tudo o que Lucho deu ao clube e por tudo aquilo que representa para o universo azul e branco, a direcção não podia levantar objecções à sua partida. Além disso, não acredito que a proposta do Al-Rayyan já tivesse chegado à torre das Antas no momento em que Pinto da Costa proferiu aquelas palavras.
Fernando/Mangala
Esta, sim, foi a grande “novela” do mercado. Como se sabe, Fernando terminava contrato com o FC Porto no final da época. Todavia, já tinha chegado a acordo com o clube para a renovação, de modo a permitir aos azuis e brancos lucrar com a sua transferência no Verão. No entanto, Fernando optou por não cumprir com a sua palavra e esteve mesmo com um pé fora do Dragão. Depois de ver o seu nome fortemente associado aos principais emblemas italianos e ingleses, acabou por ser mesmo o novo-rico Manchester City a chegar-se à frente com a proposta mais tentadora. Alegadamente, os citizens vieram ao Porto decididos a levar o luso-brasileiro… e Mangala. O internacional francês, também pretendido por meia Europa, decidiu ficar. Ou, pelo menos, foi obrigado a decidir nesse sentido. Ao que parece, os ingleses estavam na disposição de depositar nos cofres do Dragão mais de 50 milhões de euros para levar os dois futebolistas.
Gorada a transferência, continuou a insistir-se na não-renovação de Fernando e num pré-acordo do médio com o City. Havia já quem conspirasse que a lesão que o deixou de fora das últimas duas partidas era encenada e que Fernando só não jogava por não ter querido assinar novo contrato. Verdade ou não, o certo é que a renovação até 2017 já foi anunciada e o jogador já foi convocado para o encontro de amanhã, frente ao Paços de Ferreira. O risco de Fernando deixar de jogar era tremendo para a equipa e para ele próprio: a equipa perderia a pedra mais basilar do seu meio-campo (o único dos três titulares no final da época passada que ainda resiste); o jogador deitaria por terra qualquer aspiração a vestir a camisola do Brasil ou de Portugal no Mundial 2014. Acredito que Fernando vai continuar com a postura altamente profissional que tem apresentado desde o início da época dentro das quatro linhas. A certeza de que o “Polvo” está aí para ficar, pelo menos até ao final da época, é um alívio para qualquer adepto portista. Em relação a Mangala, se dúvidas houvesse quanto ao seu compromisso, a braçadeira envergada no último jogo tê-las-á dissipado.
Otamendi
Recusada a proposta assombrosa do Manchester City por Mangala, a direcção acabou por permitir a venda de Otamendi já em Janeiro, mesmo contando com a possibilidade de o defesa se valorizar no caso de vir a ser convocado para o Mundial. É certo que os 12/15 milhões de euros pagos pelo Valência estão muito longe dos 30 milhões em que se cifrava a sua cláusula de rescisão, mas haverá várias razões que justificam esta opção: primeiro, convinha ao FC Porto obter algum encaixe financeiro durante o mercado de Inverno; segundo, Otamendi estava, esta época, num nível uns furos abaixo daquele que já havia apresentado e começava a ser deixado de fora do onze por Paulo Fonseca com alguma regularidade; terceiro, a posição de defesa central é uma das poucas em que o FC Porto tem muitas e boas soluções; quarto, porque a estrutura terá entendido que seria importante dar definitivamente um espaço de afirmação a Reyes e Abdoulaye, que entretanto regressou do empréstimo ao Vitória de Guimarães para suprir a ausência de ‘Ota’.
A transferência só se consumou já muito próximo do fecho do mercado e, por isso, o Valência não conseguiu inscrever o argentino a tempo. Como consequência disso, Otamendi viu-se forçado a rumar à sua América do Sul para se manter em competição. O Atlético Mineiro de Ronaldinho Gaúcho, actual detentor da Libertadores, é o clube que o irá acolher até ao Mundial no Brasil – o grande objectivo da época para o atleta.
Outros
Entretanto, houve mais algumas alterações nos quadros do FC Porto. Chegadas, só houve uma, por empréstimo: do médio ofensivo brasileiro Elias, de 17 anos, agenciado pela Traffic. Saídas, houve quatro: todas com razão de ser.
Um dos episódios mais caricatos da história recente do FC Porto – o desaparecimento de Izmailov – conheceu um novo desenvolvimento: no dia 31 de Janeiro foi oficializado o empréstimo ao FK Qäbälä, do Azerbaijão. O único efeito prático é mesmo “poupar uns trocos”, uma vez que o russo já não ia aos treinos há mais de quatro meses. Menos uma preocupação para os portistas.
O guarda-redes turco Sinan Bolat, contratado esta época a custo zero, foi emprestado ao Kayserispor, lanterna vermelha do campeonato do seu país natal, para procurar minutos de competição. Não faria sentido tê-lo no plantel sem espaço para jogar, sequer, pela equipa B.
O avançado francês Thibaut Vion, campeão do mundo de sub-20, rescindiu e regressou ao Metz depois de duas temporadas e meia entre os juniores e a equipa B dos dragões. Já o paraguaio Mauro Caballero foi emprestado ao Penafiel, que corre o risco de subir de divisão, para substituir Rafael Lopes na frente de ataque. Considerando a emergência de André Silva e Gonçalo Paciência na equipa B, parecem-me duas decisões sensatas. É preferível privilegiar os portugueses da formação.
Por definir está ainda situação de Jorge Fucile, que continua a pertencer ao FC Porto mas não treina com a equipa. A América do Sul e a Rússia são as únicas portas abertas para o jogador.
Em suma, depois de o FC Porto ter encontrado, desde cedo, o extremo que lhe faltava para reforçar a posição mais débil do plantel, Ricardo Quaresma (que me tem surpreendido pela positiva e dá a sensação de poder crescer ainda mais dentro da equipa), o FC Porto decidiu não comprar mais ninguém. Exigiam-se reforços para as laterais da defesa, considerando o afastamento de Fucile, mas Danilo e Alex Sandro continuam a ter nos jovens da equipa B e nos centrais titulares a única concorrência.
Por outro lado, os dragões acabaram por perder o seu capitão – um titularíssimo no meio-campo e uma voz de comando no balneário – e um central com muitos anos de casa, que ultimamente ia batalhando com Maicon por um lugar no onze-base (mas que, em boa forma, é incomparavelmente superior ao brasileiro, embora os dois tenham características distintas).
No que diz respeito à vaga deixada em aberto por Lucho González, espera-se que esta seja acerrimamente disputada pelos vários médios-centro que ficam, quase todos eles a necessitar de minutos de jogo e com fortes ambições de disputar o Mundial – Defour pela Bélgica, Herrera pelo México, Josué por Portugal e até Quintero pela Colômbia. Nenhum deles tem a maturidade de El Comandante, mas todos vão querer mostrar o que valem. Afinal, eles são as apostas para o rejuvenescimento acelerado do meio-campo portista e, juntamente com um “Polvo” com confiança e contrato renovados e com um Carlos Eduardo que recentemente surgiu em grande estilo, tentarão fazer esquecer o antigo camisola ‘3’ do FC Porto.
Em relação aos centrais, Maicon e Mangala deverão continuar a formar a dupla titular, mas há dois jovens com muitíssimo potencial preparados para ser lançados já esta época: Reyes já leva alguns meses em Portugal e terá, mais tarde ou mais cedo, de justificar o avultado investimento feito no seu passe e Abdoulaye Ba, um poço de força com qualidades fantásticas, já tem alguma experiência e está pronto a “explodir”. Na minha opinião, ambos constituem uma segunda linha de grande valor – presente e futuro – e dão segurança.
Estes dois negócios enfraqueceram o plantel, é certo, mas abriram espaço a novos talentos para emergirem, como (quase) sempre tem acontecido na história do FC Porto. Além disso, a manutenção de Fernando e Mangala, que a certa altura parecia difícil de conseguir, foi a melhor notícia que Paulo Fonseca poderia ter recebido. Os tri-campeões nacionais não têm, por isso, nada a temer e, com o fecho do mercado, possuem agora toda a tranquilidade para disputar as quatro competições em que estão envolvidos.