«Foi uma loucura após o jogo de Alkmaar» – Entrevista BnR com Miguel Garcia

    – Experiência no estrangeiro e fim da carreira –

    BnR: Fala-me da Turquia, o que recordas das duas épocas lá?

    MG: Foi um campeonato que eu não estava à espera, são fanáticos por futebol, estádios sempre cheios e a competitividade é muito superior aqui à nossa. Porque uma equipa que luta para não descer ou que desce, quando joga em casa pode ganhar a um grande, há muita competitividade. Por isso, foi um dos aspetos que eu gostei mais na Turquia, todos os jogos eram competitivos, não havia equipas fracas. Qualquer equipa do meio da tabela pode descer, o Bursaspor e o Kayserispor neste momento estão na Segunda Divisão. Aqui em Portugal é impensável, por exemplo um Braga, um Guimarães, um Belenenses, tudo bem que o Guimarães já desceu há uns anos atrás, mas na Turquia é normal uma equipa que luta para a Liga Europa, como é o caso desses clubes que referi, descerem de divisão porque o campeonato é muito competitivo.

    BnR: Foi onde encontraste o melhor ambiente nos estádios?

    MG: Sem dúvida. Íamos jogar com o Fenerbahçe, com o Galatasaray, estádios completamente cheios, ambiente espetacular. Mesmo no nosso estádio, 30.000 pessoas e estava sempre cheio, toda a gente a puxar pela equipa, uma grande festa. É impossível entrar num jogo e não estar motivado. Eu sentia-me jogador, importante, e depois não queremos deixar mal as pessoas que nos apoiam, toda a gente ali dava o máximo.

    BnR: Uma experiência diferente da do Maiorca?

    MG: Tive só uma época no Maiorca mas na minha carreira toda foi onde eu gostei menos de jogar. As coisas correram bem até janeiro, eu cheguei tarde, saí da Turquia em Julho e acabei por ir para o Maiorca só no final de agosto. Começo logo a jogar e até janeiro joguei quase sempre só que o Maiorca, apesar de ter boas condições de trabalho, em termos de adeptos em si foi o clube onde eu gostei menos de estar. Lá, quando as coisas não correm bem, ninguém aparece no estádio, ninguém apoia os jogadores, sinceramente foi uma experiência que não gostei muito. A única coisa que gostei foi de ter lá vivido, perto do mar, bom tempo, qualidade de vida, isso sim.

    BnR: Jogaste ainda na Índia, que condições encontraste a nível desportivo?

    MG: Foi uma surpresa bastante agradável, não tinha noção. As condições de trabalho não posso dizer que eram iguais ao Sporting ou ao Braga, não eram, mas os estádios em si eram bons. Nos jogos havia sempre festa, fogo-de-artifício, ambiente espetacular, cobertura televisiva, o marketing em si à volta do campeonato, a Indian Super League, fantástico, uma surpresa agradável. Condições de treino não havia assim grandes campos de treino para treinar, também porque os jogos eram de quatro em quatro dias, era mais recuperação que treinos em si, mas foi uma surpresa bastante agradável porque não estava à espera das condições que nos proporcionaram e também do futebol em si.

    Miguel Garcia terminou a carreira na India
    Fonte: Arquivo pessoal Miguel Garcia

    BnR: E em relação à qualidade do futebol praticado?

    MG: A qualidade dos indianos não é muito grande, se calhar em comparação estamos a falar de um CNS, uma 2ª Divisão B, mas depois levando para lá jogadores com uma qualidade acima da média, como Del Piero, Anelka, Ljungberg, Roberto Pires, que estavam já em final da carreira mas continuavam a ter muita qualidade. Isso equilibrava um bocadinho o campeonato e era um campeonato interessante porque todas as equipas podiam ser campeãs, isso é que é giro. Pelo menos naquele ano os orçamentos eram todos iguais, cada um escolhia os jogadores que queria e foi giro porque ninguém sabia quem era o favorito, quem ficava a meio da tabela ou quem era o último. Foi interessante a passagem na Indian Super League. Logo após ter terminado, fui para o Sporting Goa, que era a antiga primeira divisão deles. Era uma liga um bocadinho mais fraca porque só permitiam três estrangeiros e aí havia pouca gente no estádio, condições de treino e trabalho muito abaixo da média aqui em Portugal. Mas foi uma experiência de que também gostei porque eu ia para o treino de mota, sem capacete. Acabava de treinar, eu é que tinha que levar a minha roupa para casa para lavar.

    BnR: Adaptaste-te bem à vida lá?

    MG: Sim, sempre me adaptei bem em todos os sítios por onde passei. Eu achava isso giro porque tinha passado por clubes super profissionais em que tinha tudo feito, queria uma coisa e tinha. Ali na India, nesta liga, a I-League, não. Eu ia de mota, já ia equipado, as concentrações eram lá no estádio, não havia centro de estágio. Não havia autocarro, combinávamos ir juntos, havia jogadores que tinham carro e nos dias dos jogos combinávamos três ou quatro e íamos lá ter.

    BnR: Um jogador de futebol lá não é uma vedeta?

    MG: Mais ou menos, porque o desporto-rei lá é o cricket. Quando eu fui para lá foi a primeira edição da ISL por isso se estivermos a falar neste momento em si, passados cinco anos, se calhar os jogadores já são reconhecidos na rua. Na altura não, era tranquilo.

    BnR: O que é que foi mais frustrante, a final da Taça UEFA perdida em casa, as lesões ou nunca ter chegado a internacional A?

    MG: Hum… acho que foi ter perdido a final em casa, porque as lesões fazem parte da carreira de um jogador. Toda a gente teve uma lesão, mais grave ou menos grave, cabe-nos a nós dar a volta por cima, por isso encarei isso com normalidade, são momentos tristes que se conseguiu dar a volta por cima. Ser internacional A era um dos objetivos, não consegui. Estive muito perto de ter sido porque o Scolari acabou por falar comigo pessoalmente e tudo. Acabei por não conseguir esse objetivo mas continuei sempre a trabalhar para estar sempre no limite das minhas qualidades e representar clubes que lutassem sempre por títulos.

    BnR: Qual a melhor lição que o futebol te deu?

    MG: Lutar pelos nossos sonhos. Desde miúdo que o meu sonho sempre foi ser profissional de futebol e uma coisa que o futebol me ensinou foi a não desistir dos nossos sonhos, nunca baixar os braços e lutar sempre por aquilo que nos queremos.

    BnR: Inevitável comentar a situação atual. Qual é a tua opinião sobre como deverá ser o desfecho desta época?

    MG: É complicado para as pessoas competentes e que têm de decidir o que é que é o melhor desfecho dos campeonatos. Acho que isto depende muito do tempo que isto durar, temos que seguir indicações superiores do Governo. São decisões complicadas porque se calhar a Liga quer retomar o campeonato em final de maio ou em junho mas será que nessa altura já conseguimos estar todos na rua? O problema é esse, na minha opinião devíamos terminar os campeonatos, nem que fosse em setembro ou outubro porque é injusto para equipas que estão a lutar para ser campeãs ou que vão subir de divisão ou aquelas que estão agora abaixo da linha de água mas podem subir na classificação. Acho que é injusto pensar em não terminar o campeonato, nem que terminem em outubro, novembro ou dezembro mas terminem e recomeçavam a próxima época em janeiro.

    BnR: Mas há a questão da UEFA, que precisa de ter até ao início de agosto as equipas que vão participar nas competições europeias da próxima época…

    MG: Não sabia dessa indicação da UEFA. É complicado decidir, vão haver injustiças…

    BnR: Se ainda estivesses no ativo, oferecer-te-ias para abdicar de parte do salário?

    MG: É uma situação complicada, isso dependia muito também do que é que eu teria neste momento posto de parte. Depende das obrigações que teria nesta altura, é uma decisão complicada, se estivesse mais confortável em termos financeiros certamente que abdicaria de uma parte do meu salário. Se não estivesse confortável e se dependesse desse dinheiro para viver e fazer face às minhas obrigações, aí já era mais complicado porque para abdicar do meu salário teria também que não cumprir com obrigações que teria neste momento. Acho que dependia sempre da minha situação financeira no momento, mas compreendo que é complicado, depende da vida das pessoas, das obrigações que têm. Está bem que neste momento já há moratórias para os créditos aos bancos mas há outras despesas, colégio dos filhos, por exemplo, ninguém está a fazer moratórias, as pessoas têm que comer, comprar coisas para se tratarem, comprimidos, luz, gás, água, telemóvel, isto tudo junto ao fim do mês é muito dinheiro e se houver essa redução salarial para muitos jogadores vai deixá-los numa zona difícil. É complicado e espero que passe rapidamente para o bem de todos.

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