BnR: A visão do público, em geral, é de que quem consegue essa selecção consegue-a por mérito individual e não por um trabalho conjunto. A mim parece-me. Acha isso?
O.B.: Há uma tendência oposta, que é a de considerar que os desempenhos individuais, ou os sucessos individuais, são só individuais. Ou seja, o facto de nós estarmos presentes nas grandes competições, de, inclusive, já termos arbitrado finais de competições internacionais, se deveu apenas e só aos méritos individuais. Não foi o Olegário que conseguiu ir ao Campeonato do Mundo, foi o mérito do Olegário, mas foi sobretudo as condições e o trabalho desenvolvido em Portugal ao longo de anos que permitiram que o Olegário tivesse os pré-requisitos que lhe permitissem impor-se perante os seus pares internacionais. A arbitragem portuguesa é reconhecida em termos internacionais como uma arbitragem de grande qualidade. O Pedro veio acrescentar-lhe uma dimensão mais mediática. Teve de facto uma carreira fantástica, um final de carreira de sonho, mas repito: a arbitragem portuguesa não soube catalisar esses desempenhos e essas afirmações internacionais de um ou dois árbitros para se transportar para uma arbitragem de qualidade em termos mediáticos. Para que se possa dizer que é obrigatório que uma competição internacional tenha árbitros portugueses.
BnR: Acha que em Portugal, e no futebol em geral, a arbitragem beneficiaria com a introdução de novas tecnologias?
O.B.: Continua a criar-se uma grande celeuma à volta desse tema, como se os árbitros fossem os opositores dessas tecnologias. Não somos. Há muitas evidências de que os árbitros querem e pedem que haja suporte para as suas decisões, porque já é tempo de nós deixarmos de ser os únicos responsáveis pela tomada de decisões tão importantes. É importante não esquecer que o que tornou o futebol um espectáculo mundialmente reconhecido, que faz mexer economias de países e todo o povo que gosta de futebol, foi precisamente a sua universalidade. O facto de ser possível jogar futebol em qualquer canto desde que haja uma bola e quatro pedras para fazer balizas. Consegue-se colocar miúdos de dez anos a jogar como se fossem Ronaldos e Messis, mas exactamente por isso: porque o miúdo de dez anos joga exactamente com as mesmas condições do Ronaldo e do Messi. Dir-me-ão, os opositores desta teoria do purismo da modalidade, que o Ronaldo e o Messi ganham milhões e os miúdos de dez anos não ganham nada; é verdade. Mas no dia em que fizermos o futebol dos ricos e o futebol dos pobres estaremos a matar o futebol.

Fonte: FIFA World Cup
BnR: Há prioridades antes de se pensar na introdução de novas tecnologias?
O.B.: Não há dinheiro em Portugal para relvar campos, não podemos estar a fingir querer estar a tratar de assuntos sérios e dizer que temos de arranjar meios tecnológicos para os relvados. Eu gostaria de que todos aqueles que estão no futebol profissional e que falam repetidamente em colocar tecnologias começassem por pagar os salários aos jogadores por dar condições e ter condições dignas para de facto estarem nesta modalidade na sua vertente profissional. Depois de atingirmos esse patamar, que eu considero ser o patamar mínimo, então, sim, dedicar-nos-emos às questões de elite.
BnR: Considera, então, este um tema mais mediático que prioritário…
O.B.: Isso não invalida o facto de os árbitros não quererem que a verdade desportiva esteja acima de tudo, e para mim, enquanto árbitro, fico muito mais confortável se estiver suportado tecnologicamente do que se tiver de assumir sozinho essa responsabilidade, correndo o risco de verificar mais tarde que a minha decisão estava errada. De qualquer forma, recordo que há alguns anos houve uma final do Campeonato do Mundo de Rugby, modalidade em que o vídeo-árbitro está implementado, que foi decidida com recurso ao vídeo-árbitro e em que se verificou que, três ou quatro dias mais tarde, a decisão tinha sido errada. Esta é uma questão que serve para manter a agenda mediática, serve para pôr as pessoas a conversar, serve de desculpa quando os resultados não nos convêm…Porque também era importante que os agentes desportivos reclamassem meios tecnológicos quando são beneficiados por erros dos árbitros.
BnR: Como assim?
O.B.: Bastava que os clubes propusessem, e seria um gesto bonito, que, e é óbvio que isto que vou dizer é irónico porque são questões regulamentares que não é possível cumprir, no regulamento das competições, sempre que houvesse erros verificados de forma cabal e sem dúvidas das decisões de arbitragem e de que as suas equipas tinham sido beneficiadas, esses pontos lhes fossem retirados. Se começássemos por aí faríamos uma primeira experiência sobre aquilo que são as tecnologias no futebol.