Sven-Goran Eriksson já fora campeão da UEFA pelo IFK Gotemburgo, finalista da mesma competição e da Taça dos Campeões pelo Benfica, dominado os dois países e depois tentado o melhor futebol do mundo, o Calcio, onde levara a Fiorentina à Europa e reconstruído a Roma para fazer frente à Juventus de Platini e Boniek, perdendo o campeonato por quatro pontos.
Em 1992, depois de ficar a uma vitória de nova final dos Campeões pelo Benfica, que só não se concretizou porque o Barça de Cruyff veio à Luz empatar a zero, Eriksson percebera que já não era possível evoluir mais no paraíso português.
O campeonato tinha corrido mal, com 12 empates e cinco derrotas em 34 jornadas, o FC Porto tornava-se já grande dominador nacional, que venceria seis das sete Ligas seguintes, e o sueco percebia as entrelinhas, teve o tacto que sempre o distinguiu – percebeu o futuro mais cedo que os outros. Chamaram-no outra vez de Itália e aproveitou. Com tanta obra feita por cá, ninguém levou a mal deixar-se ir no canto da sereia.
Paolo Mantovani era um grande magnata do petróleo, sortudo com a grande crise dos anos 70 e a localização estratégica de Génova, e tinha pegado na Sampdoria para construir uma grande squadra, capaz de ombrear com os Milãos e as Juventus. Depois de ganha a Taça das Taças em 1990, logo a seguir tinha conseguido atingir a final dos Campeões, a mesma que o Benfica falhou para o Barça, mas o pontapé de Koeman em Wembley tinha-lhe adiado o sonho. Via em Sven o homem certo para continuar o trabalhão de Boskov.
Às costas da grande estrela, um carismático Roberto Mancini, Sven-Goran Eriksson foi delineando o projecto – se o sétimo lugar na Serie A em 1992-93 parece despropositado, o terceiro lugar da época seguinte ajuda a perceber os motivos da aposta de Mantovani, que regozijou quando o treinador sueco lhe ofereceu a Coppa, vencendo furiosamente o Ancona na final por 6-1. Grandes promessas para 1994-95, novamente pela porta da Taça dos Vencedores das Taças.
16 de Março de 1995. A Samp já tinha afastado o BodoGlimt e o Grasshoppers e calhava agora de vir… às Antas. Três anos depois do lendário encontro em que César Brito bisou para o título, Eriksson reencontrava o FC Porto e Pinto da Costa para recuperar uma desvantagem de um golo, conseguida sobretudo pela astúcia de Bobby Robson em Génova na primeira mão, onde Eriksson fora surpreendido pela matreirice dos portugueses.
Na Invicta enchia-se o peito de confiança e orgulho, parecia estar tudo ganho e a festa irrompeu a níveis insensatos desde que se percebeu, no aquecimento, que a Sampdoria viria ao Porto jogar com o equipamento alternativo, um vermelho vermelhão à Benfica só com o azul, preto, branco e vermelho clássicos em listas na lapela, como pormenor – e por isso se dizia que ainda ia saber melhor a qualificação. Sven, que nunca se evidenciou como supersticioso, certamente não teria problemas em valorizar a ideia contrária, que o vermelho só daria ainda mais força aos seus planos de vingança.
Mannini, Vierchowod na defesa, Lombardo e Mancini no ataque – eram os sobreviventes da equipa que fora finalista europeia naquele plantel de 1995. Líderes com experiência de grande guerra, habitualmente titulares, mas só os da frente jogaram nas Antas – comandando taticamente em parelha um esquema alternativo, o mesmo plano que Eriksson inventara para o jogo de César Brito – passar do 4-4-2 trabalhado à exaustão para acomodar-se em 3-5-2.
Se na primeira vez tinha sido Vítor Paneira a cobrir do lado direito em organização defensiva, a intenção agora passava por dar a provar ao Porto o mesmo veneno de Génova, manietando as diabruras de Domingos e Yuran com a segurança defensiva dada por um jovem e despachado líbero, de nome Sacchetti. O rapídissimo Lombardo e o maestro Mancini aproveitariam as sobras de espaço, era a ideia.
O plano resultou. Brilhantemente. O Porto assertivo de Itália desaparecia no seu covil, agora impotente perante a mancha vermelha, coordenada e ligada pela fineza da técnica, no futebol envolvente e objectivo que Eriksson tanto tinha praticado com o seu Benfica.
Tamanha lição futebolística calava os que ainda resistiam ao frio, o golo apareceu por Mancini, a assumir responsabilidades como grande capitão, aos 48 minutos. Os italianos italianizaram a coisa, impediram qualquer reacção da soberba portuguesa, e foi-se avançando prolongamento adentro. A evidente superioridade no campo transferiu-se, com o mesmo efeito, para a luta psicológica dos pénalties – e a Samp não falhou nenhum, enquanto os da casa falhavam dois.
Bobby Robson, também inegavelmente um gentleman como já não se fazem, não pôde no final desculpar a sobranceria do pré-jogo ou o descuido na preparação – o Porto havia, umas semanas antes, entrado num dos famosos blackouts institucionais, queixando-se depois dum jogo na Madeira, frente ao União, que certos jornalistas andavam a «manipular a opinião pública, distorcendo os factos», entre eles Rui Santos.
Por isso, brincava-se, dizia-se depois de ficar sem língua, o Dragão ficara sem fogo. Se Robson pudesse, não é difícil imaginá-lo a pedir desculpa a Sven-Goran Eriksson, pela impertinência do deslumbramento – o sueco, que avisara que a sua equipa não estava eliminada, assumia-se realizado. «Fizemos um jogo perfeito», como já o fizera uns anos antes, com a mesma perspicácia com que comandou toda a vida e fizeram dele figura de culto em cada um dos clubes que representou.