«Koeman chamou-me e disse “És dos únicos que tem qualidade para estar aqui”» – Entrevista BnR com João Coimbra

    «Sem dúvida nenhuma foi um orgulho enorme ter cumprido o meu sonho»

    Bola na Rede: Em 2004/2005 fazes a tua primeira pré-época no Benfica, com o Trapattoni, como foi a experiência? 

    João Coimbra: Eu sou muito mau com as datas, mas sim, fiz a pré-época com o Trapattoni. Eu tive alguma sorte porque eles na altura, eu ainda era júnior de segundo ano, só que muitos jogadores do Benfica estavam no Europeu. Então permitiu que muito jovens pudessem fazer pré-época. Senti que era daquelas pré-épocas que estava lá para fazer número. Claro que era sempre gratificante estar lá e era um orgulho enorme estar lá com aqueles jogadores todos e com o mister Trapattoni. Mas era daqueles jogos-treinos em que entrava para central nos últimos dois minutos. Aliás, até foi nesse ano que houve uma invasão de campo, na Suíça, com os adeptos. Foi uma confusão, mas sim, foi muito para fazer número, posso dizer que fui treinado pelo Trapattoni.

    Bola na Rede: Falaste na Suíça, tens uma história engraçada com um relógio e alguém da equipa certo? O que tens para nos contar?

    João Coimbra: Nessa pré-época o Benfica tinha grandes craques, e o Geovanni, que era “o soneca”, uma pessoa espetacular, ainda hoje falo com ele, o que mostra também a pessoa que ele é. Essa história foi num dia de folga que pudemos sair e ele disse para ir com ele. Entretanto, passamos por uma ourivesaria e ele queria comprar um anel para a esposa. Estávamos lá dentro e ele obrigou-me a comprar um relógio, melhor, a escolher um relógio para ele me dar. O relógio ainda foi caro, obrigou-me mesmo a comprar e disse-me na altura: “eu (Geovanni) quando era miúdo um craque também me ofereceu um relógio, e esse gesto marcou-me e eu quero fazer o mesmo”, e fez. Eu ainda tenho o relógio e, sem dúvida nenhuma, foi um momento que me marcou e mostra a grande pessoa que ele é.

    Bola na Rede: A tua viagem no Benfica começa nessa pré-época. No dia 30 de abril em 2006 entras para o lugar do Miccoli, no jogo da tua estreia. Talvez não te pergunto a sensação que deves ter tido, muita ansiedade, imagino, mas pergunto, agora que não há adeptos nos estádios, até que ponto teres entrado para esse jogo com muito público te deu pressão extra?

    João Coimbra: Completamente, não tem nada a ver. Aquele estádio cheio é um acréscimo de pressão, responsabilidade, de muita coisa, e para um jogador futebol, a parte mental é muito importante, para aí 70%, 30% para o resto, e é aí nesses jogos que se vê bem. Apesar de tudo estava a cumprir um sonho, de criança, tenho sorte de não ter tocado na bola, porque a ansiedade era muita, o formigueiro pelo corpo era muito, e o estádio estava praticamente cheio. Sem dúvida nenhuma foi um orgulho enorme ter cumprido o meu sonho. Quanto à pergunta, claro que faz toda a diferença, tanto para o bem tanto para o mal.

    Bola na Rede: Depois vem o Fernando Santos, fazes 17 jogos com, nesse momento começas a pensar que podes ir mais além no Benfica, o melhor estava para vir. Ou sempre tiveste os pés assentes no chão?

    João Coimbra: É assim, quando fiz o primeiro jogo com o Koeman foi quase no fim da época. Vinha com muita confiança, o Koeman tinha-me chamado até à parte, tinha-me dito mesmo “olha, para mim és um dos únicos que acho que tem qualidade para estar aqui, disfruta e acho que podes mesmo chegar a alto nível”, e nesse fim de época senti-me mesmo bem, em termos mentais estava mesmo com toda a confiança. Tanto que até era que no último jogo ia fazer a titular em Paços de Ferreira, só que a equipa B estava quase a descer de divisão e fui jogar por eles. Acima de tudo sentia-me muito bem e o facto de ele ter saído não me ajudou muito, apesar de ter feito muitos jogos com o Fernando Santos. A verdade é que eu mentalmente nunca fui muito forte, devia ter sido melhor e senti um bocado a passagem de testemunho de treinador. O mister Fernando Santos é mais rigoroso, que dá mais duras, e a minha pré-época foi muito má, não me correu nada bem. Aliás, o mister não me conhecia, e não me conhecer deitou-me um pouco abaixo. Tanto que é que nós voltamos da Suíça, eu estou para ser emprestado ao Estrela da Amadora, e aí soltei-me, quando soube que ia emprestado, soltei-me. Passado uma ou duas semanas, na altura foi também a inauguração do Seixal, começamos lá a treinar, e o mister Fernando Santos chama-me e diz-me “o que se passa? Eu sou-te sincero, eu queria-te emprestar, mas estas duas semanas que fizeste aqui pareces um jogador totalmente diferente”. Acabei por não ser emprestado e ficar, felizmente acabei por ter alguns jogos, mas a verdade é que depois houve um jogo em Paris, a maior parte é daí que se lembra de mim, é o jogo que mais se fala, e senti claramente que poderia continuar ali. Mas a verdade é que no fim de época surgiu uma proposta para ir para o Nacional, onde eu pensei que poderia afirmar na Primeira Liga, e fazer muito mais jogos, mas a verdade é que não aconteceu e comecei a cair a partir dessa altura.

    Bola na Rede: Como era partilhar o balneário com pessoas como Petit, Miccoli, Mantorras… como era o ambiente?

    João Coimbra: Isto também já foi há uns 14 anos, não é que me lembre muito ao pormenor, mas acima de tudo, um ponto a favor é que eu falo com grande parte de todos ainda, isso mostra os craques que eram dentro do campo e fora. Estamos a falar de jogadores como Simão, Nuno Gomes, Katsouranis, Miccoli, Luisão, Rui Costa… estamos a falar de David Luiz, Léo, Nelson… de jogadores incríveis, e destes todos que eu disse só um ou outro é que não falei no último ano. Os outros todos falei nos últimos tempos, o que mostra as pessoas que eles eram, e o quanto os admirava, tanto como jogadores como pessoas, tenho o prazer de ter ficado amigo de muitos deles. Mas era um balneário tranquilo.

    Bola na Rede: Com o Fernando Santos tens duas passagens engraçadas, uma em que ficas a aquecer durante muito tempo, que estás para entrar e não entras, e outra que era o jeito de rematar. Entretanto mudaste a forma de rematar ou continua igual? 

    João Coimbra: Agora já não remato, deixei de rematar. O remate nunca foi o meu ponto forte, eu como tenho os pés para dentro, sempre rematei um pouco trivela. E levei uma dura por chutar sempre assim. Na altura eu tive a coragem de responder, disse para o mister me mandar para o “trabalho”. E olhando assim de lado dava para ver na altura o Mantorras a rir-se às gargalhadas, da dura que tinha levado. Tanto aí como da outra vez. Nessa altura, depois do jogo em Paris, fui para o banco com o Leiria, estávamos a ganhar 1-0, a 15 minutos do fim ele chama-me para entrar. Eu dispo-me todo e ele diz “espera aí mais um bocado”. Eu começo a alongar ao lado dele, entretanto, dez minutos nada, cinco minutos fazemos o 2-0 e eu acelero, começo a acelerar ao pé dele a ver se chamo à atenção e ele diz-me outra vez “espera aí mais um bocado”. Lembro-me que estava junto ao banco a alongar e olhei assim de lado. Estava o Mantorras com o colete na cabeça, a espreitar pelo colete e a rir-se que nem um perdido. Eu sou sincero, eu próprio também me ria um pouco da situação, porque apesar de tudo também era um miúdo. Mas lá está, se a minha mentalidade fosse melhor talvez tinha ficado chateado, mas levei as coisas um bocado “sou um miúdo, já tenho sorte de estar aqui”. E aos 90 minutos voltei a acelerar e nada. Aos 92/93 ele chama-me, ainda me dá indicações, quando entrei o árbitro apitou para o fim do jogo. Mas aí fiquei com um bocado de azia, virei costas e entrei logo no balneário. Mas olha, mete gelo que isso passa.

    Bola na Rede: Como benfiquista de coração e de formação como vês o atual momento da equipa. Achas que o facto de não ter adeptos da bancada, e falavas da pressão e da responsabilidade, ajuda o facto de a equipa não jogar o que podia?

    João Coimbra: Sou sincero, conheço bem os adeptos do Benfica, e aquele estádio quando as coisas correm bem é espetáculo, maravilhoso, e dá uma força tremenda à equipa, mas neste momento, que se o estádio estivesse cheio, as coisas não seriam muito a favor dos jogadores, porque é um estádio muito exigente. Neste momento até acredito que ajude não ter adeptos. Mas no início da época, nas primeiras três/quatro jornadas a equipa estava bem, e acredito que tivesse ajudado e muito a galvanizar, a formar aquela onda vermelha que forma por todo país quando as coisas correm bem. Portanto, acredito ter ajudado muito, no início, hoje já não sei se não seria até prejudicial, a verdade é que o Benfica não está bem, não está a produzir o que podia e devia, até, mas, infelizmente, e acredito que com adeptos então, os jogadores não iam ter vida fácil.

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    João Pedro Gonçalves
    João Pedro Gonçalveshttp://www.bolanarede.pt
    Quem conhece o João sabe que a bola já faz parte dele. A paixão pelo desporto levou-o até à Universidade do Minho para estudar Ciências da Comunicação. Tem o sonho de fazer jornalismo desportivo e viver todos os estádios.