– Os anos na Catalunha sob o comando de Cruyff e a reticência em ir para o campeonato português –
“O Cruyff já estava muito à frente do tempo na forma de pensar”
BnR: Porque é que tiveste uma trajetória complicada no início da carreira na formação, antes de ires para o Internacional?
A: Eu nasci numa cidade do interior aqui de Porto Alegre que se chama Pelotas. Nessa cidade tem três equipas, mas na verdade são duas que estão nas ligas nacionais daqui, que são o Brasil de Pelotas, que foi onde eu comecei, e o Esporte Clube Pelotas, que leva o nome da cidade. O Brasil de Pelotas está na Serie B do campeonato brasileiro e o Esporte Clube Pelotas está na Serie D, então o Brasil de Pelotas, a nível de adeptos é a equipa que tem adeptos mais fervorosos e mais fanáticos. É um clube que em 1983 ou 84 ficaram em terceiro lugar no campeonato brasileiro, venceram o Flamengo e tinham uma grande equipa. O meu sonho era jogar no Brasil [de Pelotas] até porque morava perto do clube. O que eu conto é que numa fase da minha vida eu estudava e trabalhava, a minha família era uma família pobre e a minha mãe queria que eu trabalhasse para ajudar em casa. O meu sonho era jogar futebol e se eu trabalhasse não ia poder treinar e jogar futebol (risos). Então eu tive uma conversa com um tio meu que era sargento da brigada e ele foi na minha casa e teve uma reunião comigo (risos). “Vamos falar sério agora, essa coisa do futebol não dá dinheiro e você tem que trabalhar para ajudar a sua mãe”. Foi uma conversa mais ou menos assim, de uma hora e levei um sermão na verdade. Eu era um miúdo, fiquei bastante chateado e desanimado, mas acabei por não desistir. Fui no clube, tinha mudado o treinador e havia um jogo treino à tarde numa quarta-feira e eu falei: “Essa é a minha oportunidade. Tenho que pelo menos tentar e mostrar um pouco do que eu sei jogar para poder estar no grupo”. E foi o que aconteceu. Mudou o treinador numa semana, o treinador foi o que assumiu os juvenis naquela época, era um senhor que trabalhava na secretaria do clube, entendia um pouquinho de futebol e aí no jogo de treino, na segunda parte, ele me colocou com a equipa titular. Acabei por ficar no grupo e numa semana a minha vida mudou totalmente! Eu estava para deixar de jogar, entrou um treinador que me viu e eu consegui mostrar alguma qualidade.
BnR: “Aloísio foi o melhor que vi jogar, um Baresi muito refinado”. Sabes quem disse esta frase?
A: Não (risos).
BnR: Domingos Paciência. Aproveito esta deixa para perguntar quais eram as referências do jovem Aloísio?
A: Na minha época aqui no Brasil quando comecei a jogar tinha um central que eu gostava muito que era o Luizinho. Esteve no Mundial de 82 na Espanha, jogava no Atlético Mineiro e veio para Portugal no início da década de 90 esteve no Sporting CP. Era um central espetacular, muito refinado. Não “batia”, era só mesmo na bola. Tinha visão de jogo e uma categoria muito grande. Era a minha referência.
BnR: Durante as seis temporadas que jogas no Internacional, foste campeão mundial e sul-americano no escalão sub-20 em 1983 pelo Brasil, e medalha de prata nos Jogos Olímpicos, em 1988. Ou seja, desde muito novo que o Aloísio já está habituado a ganhar.
A: (risos) É, tenho essa estrelinha nas equipas em que eu joguei. A seleção brasileira esteve presente na minha vida bem cedo. Eu com 16/17 anos já tinha sido convocado para a seleção brasileira para amistosos particulares. Depois em 1983 fiz parte do plantel que foi campeão sul-americano contra Argentina na Bolívia. Esse mesmo grupo depois no México foi campeão mundial.
BnR: Tinham o Dunga na equipa, não era?
A: Tinha o Dunga sim, tinha Bebeto, Mauricinho. Realmente era uma geração espetacular de jogadores, um plantel realmente fora de série, com um treinador também que era muito bom, muito experiente, o Jair Pereira. Ele soube escolher o plantel com jogadores com grande potencial. Eu era um jovem, ser campeão sul-americano e ser campeão mundial ficou na história e nós temos aqui um grupo que é “Os Heróis de 83”. Nós falamos coisas todos os dias e cada um relata as suas histórias, postam camisetas e fotos antigas. Inclusive nós ficamos de fazer um encontro no Rio de Janeiro, só que com a pandemia não foi possível. O meu auge a nível de conquistas foi as Olimpíadas em Seul, em que só faltou um pouquinho para ganharmos a medalha de ouro que era nosso objetivo, mas acabamos por perder o jogo e ficamos em segundo lugar.

BnR: Tal como disseste, representaste a seleção Olímpica brasileira em 88, sob o comando técnico de Carlos Alberto Silva, com que mais tarde te virias a cruzar no FC Porto. Por aquilo que foi a tua carreira, achas que merecias ter sido chamado mais vezes ou a concorrência sempre foi muito forte?
A: Eu acho que naquela época havia jogadores com muita qualidade. Eu até estava falando com o Ricardo Gomes ontem, que jogou no Benfica, e realmente a seleção de 90 em Itália jogava com quatro centrais. Tinha o Ricardo Rocha, que jogou no Sporting CP e no Real Madrid, tinha o Ricardo Gomes, tinha o Mozer, tinha o Mauro Galvão, tinha uma série de jogadores e era muito difícil estar no grupo. Isso eu entendia perfeitamente. Com o passar do tempo e como eu tive uma carreira bem sólida no FC Porto, eu acreditava que em algum momento poderia ser chamado, mas isso não aconteceu por opção dos treinadores.
BnR: A verdade é nesse ano que representas a seleção brasileira, atrais o interesse do Barcelona. De que forma é que achas que o facto de teres representado o Brasil nessa época, pesou na decisão do Barcelona em adquirir o teu passe?
A: A seleção é um cartão para qualquer atleta. Representar a seleção do seu país dá um up muito grande e a gente valoriza. Para mim foi importante a seleção, mas na verdade eu já estava sendo observado. Isto porque no Internacional nós fizemos uma digressão pela Europa em 1987, em que nós participamos no torneio em Glasgow. Era o Glasgow Rangers, Real Sociedad, Internacional e Ajax. Nós fomos à final contra o Ajax e ganhamos 2-1. Na época o Cruyfff era o treinador e já tinha grandes jogadores na equipa. Nós ganhamos o torneio e eu fiz um excelente jogo, eu e mais dois colegas. Acabei por me destacar e passado um ano o Cruyff foi para o Barcelona. Ele estava refazendo o plantel do Barcelona e ele queria adotar o modelo de jogo que já usava no Ajax e queria jogadores para a forma de jogar dele. Aí ele lembrou de mim. No Brasil eu jogava sempre do lado esquerdo, mesmo sendo destro. Nós fazíamos marcação à zona e eu tinha o hábito de sair de trás com a bola dominada para apoiar o ataque. Eu tinha essa característica e talvez tenha sido isso que lhe chamou à atenção. Mesmo no jogo contra o Ajax eu fiz um grande jogo e então ele pediu a minha contratação. Foi uma surpresa porque ir para o Barcelona naquele tempo era raro, então quando eu estava na seleção, eu já era jogador do Barcelona. Foi feita a negociação e me apresentei no Barcelona um mês depois, porque nós fomos à final da competição. Com certeza que a seleção ajudou muito para que a minha compra fosse possível.
BnR: Nessas duas épocas cruzas-te com figuras lendárias do futebol mundial: Gary Lineker, Koeman, Laudrup e claro, Cruyff como treinador principal. Que momentos recordas desses anos da Catalunha, para além da conquista da Taça das Taças e da Taça do Rei?
A: Foram dois anos espetaculares. Joguei bastantes jogos, era da confiança do treinador e joguei em funções diferentes, que também foi bom para mim como atleta. Além de ser central e jogar pela direita e pela esquerda, eu fui lateral também. Houve um jogo em que eu até joguei em três posições. Foi para a Taça UEFA contra o Lech Poznan da Polónia. Nesse jogo se machucou um colega, eu comecei na minha posição de central, depois passei a jogar como 5 e acabei o jogo jogando como número 8. (risos) Foi assim uma coisa maluca do Cruyff. Ganhamos a Taça das Taças contra a Sampdória e foi o meu primeiro título pelo Barcelona, que eu guardo com muito carinho. Não ganhei o campeonato espanhol, nós na segunda temporada ficamos muito tempo na liderança, mas depois nós empatamos um jogo, perdemos outro e o Real Madrid conseguiu nos ultrapassar, mantiveram até ao final e foram campeões. A Taça do Rei foi o meu segundo título, onde eu não consegui jogar o jogo todo e saí lesionado. Foram dois anos e duas conquistas. Para mim foram momentos inesquecíveis, apesar de terem sido apenas dois anos, tenho recordações até hoje.
BnR: Cruyff imprimiu a letras de ouro a sua marca no futebol mundial, primeiro como jogador e depois como técnico. Há pouco dissemos que Mourinho seguiu os ensinamentos de Bobby Robson e também é evidente que Guardiola seguiu as pisadas de Cruyff. O que é que Cruyff tinha de especial para estar tão à frente do seu tempo?
A: Exato já me questionaram o que é que ele tinha. Nós já falamos do Mourinho que era o Special One (risos). O Cruyff já estava muito à frente do tempo na forma de pensar. Ele já pensava diferente, já tinha provado isso no Ajax e no Barcelona ele tinha possibilidades de comprar jogadores com qualidade para montar a equipa da forma que ele gostaria. Ele pensava o jogo de uma forma bem simples e matematicamente falando queria ter superioridade no meio-campo onde a bola passa muito mais vezes e onde se constrói o jogo. Ele queria superioridade do meio-campo com jogadores de qualidade de posse de bola, jogadores rápidos na frente, correndo algum risco a jogar com três zagueiros, mas sabendo que ia ter vantagem no meio-campo e no ataque. Ele pensava assim e treinávamos assim. Eram treinos simples, muito técnicos e também táticos. Nós já sabíamos a forma de jogar, não alterava, podia sair um jogador e entrava outro, mas ele não alterava o sistema tático porque ele acreditava naquilo. Cada jogador tinha uma função para desempenhar e se treinas para isso, então tens de cumprir. Se um jogador entrava numa zona que não era dele, o Cruyff chamava a atenção uma ou duas vezes e houve casos em que chegava ao intervalo e ele tirava o jogador. Se o jogador não cumprisse, ele tirava sem dar explicação. Tinha muita personalidade, tinha uma ideia muito clara do que era o futebol. Tinha um método simples, na verdade para ele era tudo simples. Como ele foi um jogador de classe mundial, como treinador ele queria jogássemos mais ou menos da forma como ele jogou e como ele pensava o futebol: bola no pé, futebol bonito e muitos golos.
BnR: Em 1988/89, o Barça recebeu o Racing Santander em Camp Nou e o Aloísio envergou pela primeira vez a braçadeira de capitão, naquele que foi um momento muito marcante. Como viveste esse momento?
A: Sim foi uma surpresa. Nós estávamos no vestiário, depois do aquecimento, a ver os detalhes do jogo e o roupeiro veio e me entregou a braçadeira de capitão. Eu fiquei assim meio surpreso, não a coloquei no braço, fiquei com ela na mão, olhei para o roupeiro e disse: “Está fazendo o quê?”. Ele disse que foi o mister e não sobrevalorizou, foi uma coisa natural e falou que era para eu liderar os companheiros e que era eu que mandava dentro de campo. Eu falei “Como assim?”. Foi uma surpresa muito grande e me deu aquele calafrio. Para além de jogar no Barça, também tinha muita responsabilidade em ser o capitão com muitos jogadores emblemáticos como o Zubizarreta, que era o capitão e que já estava lá há muito tempo, tinha o José Mari Bakero, o próprio Koeman e o Laudrup, por isso eu fiquei muito surpreendido com a boa ação dele e pela confiança também em dar um pouco de moral. Foi um momento muito especial na minha carreira.
BnR: Naquela altura havia limitações de jogadores estrangeiros e o Aloísio acaba por sair para dar lugar a Stoichkov, e é aí que surge o FC Porto. Mas o Aloísio não queria vir para Portugal, não é assim?
A: (risos) Exato. O futebol português não me atraía. Eu assistia a bastante jogos ao fim de semana que passavam na Euro Sport jogos de todas as ligas, eu adorava ver aquilo. Eu tinha muitos colegas da seleção que já estavam em Portugal. Eles conversavam “Vem para cá, é um bom clube”. Eu acompanhava o futebol português, mas não achava que tivessem um mercado onde eu me pudesse destacar, embora tivesse três grandes equipas, no caso do Porto, Benfica e Sporting. Não me chamava muito à atenção, chamava mais o futebol francês e italiano. Eu tinha mais dois anos de contrato e surgiu uma oportunidade de ir emprestado para o Montpellier. Eles disputavam a Taça UEFA naquele ano e para mim era importante, então eu fui a Montpellier, falei com o Presidente do Clube e ficamos mais ou menos em acordo. Uma semana depois o clube iria a Barcelona para falar com a direção, só que o Barcelona pediu muito dinheiro pelo meu passe, o Montpellier também era um clube pequeno e eu também como não pressionei acabei por esperar mais um pouco. Eu tinha mais dois anos de contrato, só que havia uma necessidade da minha saída para o Barcelona ter uma vaga para um jogador estrangeiro para inscrever o Stoichkov. Então aparece o FC Porto e eu falei com o Presidente, mas nesse primeiro momento não houve negócio porque eu estava vindo para o Brasil. Nesse primeiro contacto não houve nada, nem poderia ter havido porque foi muito em cima. Não se resolveu a questão, só depois.