«Faltam mais líderes e referências no FC Porto» – Entrevista BnR com Aloísio

    – Um balneário de luxo ao longo das épocas e a famosa conquista do Penta –

    “Acho que o Sérgio Conceição é um pouco como Simeone”

    BnR: Em 1996/97 partilhas o balneário com um Sérgio Conceição de 22 anos. Como é que ele era nessa altura? Já era tão competitivo como vemos no comando técnico do FC Porto?

    A: Sim isso já é intrínseco dele, já nasceu com isso. Eu lembro dele no FC Porto, na sua formação, depois na equipa principal, também jogou no Leça, em que ele era extremo e lateral. Tinha muita força física e um caráter muito forte e vincado. Era muito competitivo e quando se conseguiu impor na equipa principal vimos um pouquinho do Sérgio. Este Sérgio que vemos a cada jogo, se pudesse entrava dentro de campo. Acho que o Sérgio Conceição é um pouco como Simeone, muda a tua função, mas a tua forma de estar não se vai perder.

    BnR: Também nessa época jogas com Mário Jardel, um jogador que em 175 jogos fez 168 golos. O Jardel foi o avançado mais letal com quem já jogaste? Era difícil marcá-lo nos treinos?

    A: O Mário era fora de série. Foi um dos grandes atacantes que eu tive oportunidade de jogar. Nos deu muitas alegrias, nos deu títulos e realmente era um jogador especial, principalmente dentro da área. É outro jogador que eu também vi crescer, conhecíamos o Jardel do Grêmio, mas não o conhecíamos do dia-a-dia. Era um jogador com uma envergadura muito grande, letal dentro da área e desenvolveu e cresceu muito. Vimos o Jardel quando chegou e que se tornou depois num goleador, que fazia golos espetaculares, pé direito, pé esquerdo, de cabeça. Ele trabalhava muito, era muito profissional. Após os treinos, ele treinava os cantos, as faltas, os cabeceamentos, não era por acaso que ele tinha essa facilidade me fazer golos.

    BnR: Com 35 anos cruzas-te com o Deco. Já lhe reconhecias qualidade?

    A: O Deco esteve na equipa principal do SL Benfica, acabou não ficando no plantel, foi emprestado ao Alverca e chegou ao FC Porto através do Salgueiros. Nós já víamos no Deco do Alverca, uma qualidade diferente de jogador, um jovem com grande potencial e foi natural essa ascensão dele no futebol português, chegando a um grande como o FC Porto e depois indo para o Barcelona e grandes clubes da Europa. Conseguiu ainda contribuir vestindo a camisola da seleção portuguesa. Para mim o Deco é um dos grandes exemplos e tenho-o como referência até hoje. Foi um dos grandes jogadores que eu tive oportunidade de ver, ele sendo um jovem e eu chateando-o a cada dia e cada treino. Temos um carinho muito grande e uma amizade um pelo outro.

    BnR: Fizeste parte da histórica conquista do penta e foste um dos poucos jogadores a ter alinhado nas cinco épocas. Nesses anos dourados dos dragões, sentias que o FC Porto estava muito acima dos restantes?

    A: Creio que sim. Tudo que envolvia o FC Porto, desde a direção, jogadores, equipa técnica, roupeiro, massagista, departamento médico, era um todo, todos faziam parte e eram importantes. A liderança dos treinadores que passaram, no caso do Fernando Santos que foi o mentor do Penta, com a sua forma destemida e determinada de cobrar. Um treinador que era muito competitivo e não poderia ser de outro jeito. Não só no papel, mas também dentro do campo nós demonstramos que tínhamos uma qualidade acima das demais equipas, no caso do Benfica e Sporting. A equipa estava muito, muito bem.

    Fonte: Facebook de Aloisio

    BnR: “Aloísio era o Ricardo Carvalho da equipa do penta”. São muitos os adeptos que fazem esta comparação. Reconheces algumas semelhanças com Ricardo Carvalho? Achas que foi um jogador parecido contigo?

    A: (risos) Eu acho que sim, acho que o Ricardo tem muitas semelhanças com a minha forma de jogar. Conheci o Ricardo da formação do FC Porto e os jogadores do clube se apresentavam para o clube decidir se os jogadores ficavam ou se iam ser emprestados. No caso do Ricardo ele foi emprestado ao Leça e depois voltou para fazer parte do plantel. Era um jovem com um talento imenso. Não era um jogador alto e fisicamente não era um jogador forte, só que dentro do campo ele se transformava, era uma coisa impressionante. Nos treinos havia fases em que ele era meio desligado, muito calmo, eu me achava tranquilo, mas o Ricardo era mais ainda. Dava a impressão de que ele poderia não estar concentrado, mas era uma coisa natural dele de jogar tão bem que parecia que ligava um botão quando começava o jogo. Muitas vezes nos treinos o Mourinho até se chateava com ele e chamava à atenção porque parecia que ele não se concentrava, mas era a forma dele estar. Só que chegava ao jogo e era impressionante, parecia que tinha dois metros de altura. Era impressionante no jogo aéreo, no chão e acho que tinha bastante a ver comigo na forma de jogar.

    BnR: Por ironia do destino, depois de tantas conquistas, acabas por terminar carreira no FC Porto sem ter sido campeão nacional. Dessas 11 épocas, consegues escolher a época mais especial de Dragão ao peito?

    A: Acho que foi a do Penta, depois dessas cinco conquistas consecutivas. Eu estava bem profissionalmente, estava bem focado, tive a felicidade de não ter lesões quase nenhumas, com um plantel espetacular e um treinador que eu respeito e admiro, o Fernando Santos, que foi uma grande aposta por parte do FC Porto. Veio dar uma nova cara ao FC Porto o Engenheiro do Penta. Foi uma peça importantíssima nessa conquista. Faço parte desse grupo bem seleto de jogadores e me sinto muito honrado por isso mesmo.

    BnR: Qual foi para ti o golo mais marcante e memorável que marcaste ao serviço dos dragões?

    A: (risos) Eu não era de marcar muitos golos. Na minha estreia marquei dois golos na pré-temporada da Suíça, um de cabeça e outro em que eu até fiz uma luxação. O golo mais importante foi no Troféu Teresa Herrera, que nós ganhamos o torneio contra o Corunha. O FC Porto não tinha aquele troféu, ganhamos o torneio, eu marquei o golo de cabeça e foi o golo do título. Era um troféu que o FC Porto ainda não tinha e foi o golo mais importante da minha carreira.

    BnR: Chegaste a receber propostas para sair do Porto?

    A: Devem ter chegado algumas que eu não soube (risos). Isto porque eu não tinha representante, nem empresário, era eu que discutia meus contratos. Que eu soube houve duas propostas para o Brasil: uma foi o São Paulo e a outra foi o Palmeiras. Eu já estava com 33 anos, estava de férias aqui no Brasil e o Felipão que era o treinador me telefonou, perguntou como é que eu estava e disse que estava interessado. Eles fizeram uma proposta ao FC Porto e o FC Porto pediu um valor a mais. Acabei por continuar no FC Porto, também não fiz pressão para sair. Na proposta do Palmeiras eu balancei um pouco porque eu queria voltar para o Brasil porque era uma grande equipa com um treinador que me conhecia e naquela época o Palmeiras tinha um projeto muito grande para a Libertadores.

    BnR: É extremamente raro ver um jogador como o Aloísio a jogar onze anos seguidos com o mesmo símbolo e ser fiel ao clube. Porque é que achas que hoje em dia é tão difícil isso acontecer?

    A: Acho que é uma combinação de vários fatores. A identificação do atleta com o clube, as condições que o clube te dá para trabalhar, a própria adaptação à cidade, a vontade de jogar em outra liga com uma visibilidade diferente para chegar à seleção do seu país. Depende muito. No FC Porto eu tinha isso tudo e achava que era suficiente para representar a seleção brasileira, pelo meu tempo de clube e por tudo o que eu tinha feito. Sei que era observado e que tinham feito muitos relatórios meus, chegava o meu nome na lista da CBF, mas eu não era chamado. Acho que então é essa identidade com a cidade e o clube, te sentires à vontade, que aquele lugar é suficiente para ti, que estás realizado. Mas eu até colocaria a questão financeira como principal fator. No meu caso eu poderia ter saído, exigido mais dinheiro nas vezes em que renovei meu contrato, talvez pudesse dificultado um pouco, batido o pé e poderia não ter renovado. Para mim não foi a parte financeiro que pesou, foi a minha família estar adaptada ao local e estar a jogar num grande clube que me dava aquilo que eu necessitava.

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    Nélson Mota
    Nélson Motahttp://www.bolanarede.pt
    O Nélson é estudante de Ciências da Comunicação. Jogou futebol de formação e chegou até a ter uma breve passagem pelos quadros do Futebol Clube do Porto. Foi através das longas palestras do seu pai sobre como posicionar-se dentro de campo que se interessou pela parte técnica e tática do desporto rei. Numa fase da sua vida, sonhou ser treinador de futebol e, apesar de ainda ter esse bichinho presente, a verdade é que não arriscou e preferiu focar-se no seu curso. Partilhando o gosto pelo futebol com o da escrita, tem agora a oportunidade de conciliar ambas as paixões e tentar alcançar o seu sonho de trabalhar profissionalmente como Jornalista Desportivo.