«O SC Braga tem melhor plantel do que o Sporting CP» – Entrevista BnR com Augusto Inácio

    «Hoje, não ia como fui. É um conselho que deixo aos treinadores portugueses. Se forem para o Brasil, levem uma equipa técnica toda portuguesa»

     

    Bola na Rede: Como jogador foste sempre fiel a Sporting e FC Porto e nunca jogaste no estrangeiro, mas, curiosamente, tornaste-te um treinador que já passou por muitos países: Catar, Grécia, Irão, Angola, Roménia, Egito, Brasil… És um homem de desafios?

    Augusto Inácio: Eu nunca tive empresários. Os meus empresários eram aqueles que me traziam as propostas, que me indicavam que este ou aquele clube estava interessado em contratar-me. Eu perguntava sempre qual era o projeto, o que eles queriam e, depois, lá falávamos de dinheiro. Claro que o dinheiro também era importante, se o contrato não fosse bom também não ia, essa é que é a verdade. Mas ia naquela…. Mesmo em Portugal, aceitei desafios que se fosse hoje não aceitava, mas, na altura, parecia o “Tarzan”, acreditava que ia ganhar os desafios todos. Eu metia na cabeça: “Sei que é difícil, mas eu vou para lá e vou ganhar este desafio”. E isso levou-me sempre a ir à luta. Umas vezes venci e outras não.

    Bola na Rede: Arrependes-te de algum passo que julgas ter prejudicado a tua carreira?

    Augusto Inácio: A última época no Desp. Aves, por exemplo [em 2019/2020]. Não devia ter continuado.

    Bola na Rede: E o Avaí?

    Augusto Inácio: Para o Avaí fui enganado. Eu sei que Brasil é complicado, mas eu quis ir para perceber porque é que eles mudam de treinadores como quem muda de camisa. O porquê disto? Diz-se muita coisa, ouve-se muita coisa, mas estar a viver in loco é diferente. Então vi uma coisa que nunca vi na minha vida. Há o [campeonato] estadual e o [campeonato] brasileiro. Só que há uma coisa: eles contrataram jogadores de nome. Por exemplo, o António. O António há três anos marcou 30 golos. E eu perguntava: “– E no ano passado quantos marcou?”. E respondiam-me: “– Mister, não interessa. Há três anos marcou 30 golos”. E eu comecei a perceber que eles estavam a contratar velhos, o que para trabalhar era muito complicado. Intensidade é mentira, porque quanto menos correrem melhor, de preferência ginásio, que é onde eles estão mais sossegados, um treino por dia chegava muito bem. Comecei a perceber que ia ser muito complicado exigir em termos de trabalho aquilo que achava que devia exigir. Mas depois apanhei outros contras…

    Bola na Rede: Por exemplo…?

    Augusto Inácio: Quando cheguei havia a Recopa para disputar, que era o jogo entre o vencedor do estadual e da taça catarinense. Íamos jogar contra o Brusque, da série C do Brasileiro – que deve agora subir à série B –, que já andava a treinar há dois meses e meio. E o Avaí ia começar a treinar na semana antes. Eu disse ao presidente: “– Oh presidente, é melhor pôr os sub-23 a jogar esta final, já estão em competição e nós ainda não temos capacidade física para jogarmos um jogo destes e ainda podemos ter problemas com lesões”. E ele diz-me: “– Oh mister, mas este jogo é para ganhar. Quem é o Brusque?”. Eu respondo-lhe: “– O problema não é ‘quem é o Brusque?’ É quem é que corre mais? Eles ou nós?”. E ele responde-me: “– Mas nós temos aqui uma grande equipa”. “– Não, presidente, nós temos aqui é nomes do passado que já pertencem aos cromos da bola. Para jogar, garanto-lhe a si, que você não vai a lado nenhum, não sobe de divisão. Está mais perto de perder do que de ganhar”. E disse-lhe logo, que se era para aquilo mais valia ficarmos logo por ali. Ou ele ia buscar mais quatro ou cinco jogadores diferentes, para dar corpo ao que eram as nossas ideias, ou então… E ele diz-me: “– Ah, mas nós temos dinheiro reservado para quando começar o [campeonato brasileiro] da série B irmos buscar mais três ou quatro jogadores. Agora poupamos três meses de salários e depois contratamos”. E eu perguntei: “– E se não aparecerem resultado?”. E ele responde-me: “– Nós aqui não despedimos treinadores”. Ok. Então, está bem. Vamos lá trabalhar.

    Bola na Rede: Então o Estadual de Santa Catarina deveria ser para preparar a equipa e, depois, o plantel seria reforçado para apostar na série B do brasileiro e na subida de divisão. Era isso?

    Augusto Inácio: Exatamente. Só que perdemos a Recopa, é claro, por 2-0. Ao fim de meia hora “quebrámos”. E depois outra coisa: perdi os dois extremos que tinha, lesionados. Pensei: o meu meio-campo é muito lento, vou é jogar com três atras, dou profundidade com os laterais e jogo num 3x4x3. Para eles aquilo foi uma grande confusão: – “Três zagueiros [defesas]? ‘Retranqueiro’! Só quer jogar à defesa, ele tem é de jogar ao ataque”. E eu pensava: Ok, mas com quem? O meu ponta-de-lança lesionou-se e só fiquei com um ponta-de-lança dos juniores, que se chama Alemão. Coloquei-o em campo e todos a baterem palmas por ter posto o miúdo. Passado cinco minutos já estava tudo: “– Tira o Alemão, tira o Alemão…”. (risos) É uma mentalidade do “caraças”. Nunca tinha visto uma coisa daquelas.

    Bola na Rede: E qual foi o momento decisivo para tua saída?

    Augusto Inácio: Fomos ao Figueirense – que é o Benfica-Sporting lá do sítio – e penso cá para comigo: “Augusto, perdes este jogo e fazes as malas, que estes tipos não aguentam mais”. Ganhámos 2-0. Mas substituí aquele que, para eles, é o melhor jogador do plantel, que se chama Valdivia. Tiro o Valdivia e meto outro jogador, que, por acaso, até faz o passe para o segundo golo, mas qual não é o meu espanto quando alguém liga para o “banco”, para o treinador dos guarda-redes, a perguntar quem é que tinha tirado o Valdivia. Eu ouço aquilo e digo: “– Como? Quem tirou o Valdivia foi o treinador.”. E ele responde-me: “– Mas o treinador não tem de tirar o Valdivia”. Bem, no outro dia, estás a imaginar. Reunião e não sei quê: “– Mas afinal quem é que manda aqui?”

    Bola na Rede: Mas foi o presidente que ligou para o “banco”?

    Augusto Inácio: Não. Foi o Evandro [Camillato], ponta-de-lança que em Portugal jogou no Vitória de Guimarães e no Estrela da Amadora. Grande “cancro”. É treinador dos sub-23 e treinador adjunto, mas tem uma preponderância muito grande sobre o presidente. E depois há um Marquinhos [Santos], que foi um grande jogador do Avaí e agora é o diretor para o futebol do clube, mas que fez aquele plantel e queria lá um treinador brasileiro. São os dois maiores “cancros” que estão ali no clube. Agora, imagina isto: comecei a época assim. Desde que saí, já contrataram 14 jogadores e cinco que nunca chegaram a jogar comigo, devido a problemas físicos, já recuperaram e já começaram a jogar. Ou seja, 19 jogadores. E já vão no quarto treinador… Eu pergunto: Valeu a pena ter ido, para fazer cinco, seis ou sete jogos e depois ir embora? Hoje, não ia como fui. É um conselho que deixo aos treinadores portugueses. Se forem para o Brasil, levem uma equipa técnica toda portuguesa.

    Bola na Rede: Sentes que foste “atraiçoado” pela equipa técnica da “casa”?

    Augusto Inácio: Essa é que foi a grande surpresa. Em Portugal, recebemos muito bem quem vem de fora. E aquele Evandro foi muito bem recebido em Guimarães e na Amadora, e nas conversas que nós tínhamos, diárias, parecia ser uma pessoa que queria ajudar, mas é um falsário. É um traidor. Quando eu saio, venho a saber, porque ainda deixei lá um ou dois amigos, que ele chega ao balneário e diz: “– Então, consegui ou não consegui correr com os portugueses?”. Ele pensava que ia tomar conta da equipa, como já tinha acontecido em anos anteriores. Mas antes de regressar ainda disse ao presidente quem eram aqueles que o iriam atraiçoar. Não deixei de o dizer, mas, não sei porquê, o presidente parece refém daqueles dois, que nunca saem.

    Bola na Rede: É uma realidade difícil…

    Augusto Inácio: É. E aquilo está na massa do sangue. Não interessa em que momento estás. Se ganhas dois ou três jogos ficas, se perdes dois ou três jogos sais. E senti que eles têm muitas reticências com treinadores estrangeiros, mas isso é outra história. Até com brasileiros. Houve um treinador brasileiro que já tinha feito seis ou sete jogos, empatou um e ganhou os outros cinco ou seis. Espetacular! Grande campanha! E de repente é despedido. Mas ele foi despedido porquê? O presidente dizia que ele era muito atrevido a atacar… (risos). E despediram-no. Até pensas que estou a inventar, mas isto é mesmo verdade.

    Bola na Rede: E o “efeito Jorge Jesus” não foi suficiente para mudar essas mentalidades? 

    Augusto Inácio: Deu abertura para que olhassem com outros olhos para o mercado português e para o treinador português. O Jorge Jesus deu essa abertura. Só que nós, às vezes, vamos para o desconhecido. Ou seja, quando analisei o plantel, passado uma semana, fiz logo uma análise e concluí que precisava de cinco ou seis jogadores. Eu e o José Ribeiro fizemos essa avaliação e transmitimos isso à direcção, mas a direção está mais preocupada com aquilo que os adeptos pensam e dizem do que em tomar decisões. Por exemplo, vou buscar um jogador que há três anos marcou 30 golos. A torcida não diz nada. Mas se o jogador contratado for desconhecido começam logo a “xingar” a direção, começam logo a dizer: “– Assim não vamos a lado nenhum”, apenas porque o jogador não tem nome. E a direção quer proteger-se. Esquece-se, no entanto, é que na competição a equipa não vai dar rendimento e depois é atacada na mesma. E trocam de treinadores como trocam de camisas. Contrataram já 14 jogadores desde que saí! Então, mas que plantel fizeram eles no início da época? É um mundo totalmente diferente da Europa.

    Bola na Rede: A verdade é que quando pensamos em treinador europeus no Brasil, a experiência do Jorge Jesus foi uma exceção…

    Augusto Inácio: E ainda bem que ele teve aquele sucesso todo. Foi bom para ele e foi bom para o futebol português. Mas lembro-me perfeitamente que ele teve um jogo-chave no Flamengo. Já toda a gente no Brasil dizia que ele ia cair na véspera do jogo com aquela equipa do Equador [Emelec]. Perdeu 2-0 na primeira mão da Libertadores e ganhou a segunda por 2-0, no Maracanã. Há quem diga – e isto não é para tirar mérito – que nesse jogo até ficou um penálti por assinalar contra o Flamengo. Mas a eliminatória acabou por ir aos penáltis e foi o Flamengo que passou. Foi a partir daí que o Jorge Jesus “disparou”, mas se é eliminado nessa eliminatória as coisas iam complicar-se muito para ele. Por exemplo, o Jesualdo Ferreira recebe no Santos uma equipa toda “desconjuntada”, sem dinheiro para contratar ninguém e só porque era português tinha de fazer milagres e com a varinha ganhava os jogos todos. E agora o Sá Pinto também anda ali aflito no Vasco da Gama, com um plantel curtíssimo, cheio de “covids”, sem dinheiro. Começou bem ao início, mas agora também já está ali na “corda bamba”. Mas isto é o Brasil.

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.