Foram tempos; outros tempos em que existiam outro tipo de seleções. Vivia-se o fervor da rádio. As pessoas amontoavam-se nas tascas nas proximidades dum aparelho que falava e transmitia emoções futebolísticas. Os golos eram cantados em algazarra e o homem do bar apurava a caixa registadora com os pedidos de copos de dois e de três. Este vai de “penalty”! – dizia o ouvinte mais empolgado… Eram tempos de copos de dois e sandes de orelha bem quentinha. Esse tempo teve as suas seleções; os seus grandes jogos, onde a miudagem também circulava pelos bares na companhia dos Pais a beberem de “penalty” Sumol de laranja ou Sumol de limão. Uma destas grandes seleções foi a Seleção Militar. Em 1958 coincidiram em época militar um bom grupo de jogadores que deram uma alegria ao ganhar um Campeonato Militar Internacional. Na baliza estava o Vital, do Lusitano de Évora; no meio do campo andava um senhor que se chamava Coluna; como chefe de operações estava o excelente armador Hernâni, do FC do Porto, e voltado para a baliza contrária, sem dar concessões, estava um senhor chamado António Mendes – Pé de Canhão –, do Benfica e mais tarde do Vitória de Guimarães.
Ainda hoje o Pé de Canhão é considerado um mito entre os adeptos do Vitória de Guimarães. Deu muitas vitórias à equipa e quando o Benfica pisava Guimarães padecia sempre com os morteiros de António Mendes. Como tantos outros, teve uma história rocambolesca quando se enrolou no futebol. Primeiro, com a ajuda de uma assinatura falsa da irmã, deu o seu nome ao Sporting Clube de Portugal; depois, logo a seguir, deu o seu nome ao S. L. e Benfica. O Sporting pagava dez escudos e o Benfica vinte e cinco escudos. Bem feitas as contas, António Mendes mostrou desde novo sentido da economia… O problema chegou quando os clubes se dispunham para a inscrição. Foi descoberta a aventura e atuou como juiz e parte o pai do Mendes. Era um bom benfiquista, por isso determinou sem qualquer contemplação: “António: ficas no Benfica!”.
Mendes brilhou no Benfica e no V.Guimarães Fonte: gloriasdopassado.blogspot.pt
Mendes fazia parte da equipa quando o Benfica ganhou a primeira Taça de Europa. Mas andava em desavenças com o mítico Bella Guttman. Em Guimarães despontara um jogador chamado Pedras. Era uma grande promessa. O Benfica foi busca-lo; trouxe também o Augusto Silva; pagou bom dinheiro e cedeu a troco o Mendes; o Peres e o Pinto. Estes três jogadores foram durante anos a alma e o corpo do Vitória. Chegaram a conquistar um quarto lugar no Campeonato Nacional e o Mendes conheceu a glória da internacionalização.
O Pé de Canhão simboliza também neste texto, para além das suas qualidades, a capacidade de fabricar grandes jogadores que tinha o Benfica, que na época do Mendes tinha como responsável das camadas inferiores um senhor, muitas vezes esquecido, que se chamava Valdivieso. Aquela Ilha de Madeira no Campo Grande foi mais que a Maternidade Alfredo da Costa à hora de parir, neste caso, jogadores.
Se alguém dissesse em Setembro que Kyle Korver seria All Star e que a equipa de Atlanta teria quatro jogadores no All Star Game provavelmente passaria por maluquinho e seria recomendado para internamento. Depois de uma temporada em que terminaram em oitavo lugar no Este e ficaram pela primeira ronda dos playoffs (apesar de terem levado os primeiros-classificados-Pacers ao limite), e depois de uma offseason em que não fizeram nenhuma contratação sonante nem nenhuma alteração significativa no plantel, não passava pela cabeça de ninguém que estivessem nesta posição em Fevereiro. Ou que um jogador como Kyle Korver estivesse sequer na discussão para o All Star, quanto mais seleccionado.
No entanto, aí estão os Hawks com sete jogos de vantagem sobre o segundo do Este e com o segundo melhor recorde da liga. Aí está Korver escolhido para substituir o lesionado Dwyane Wade e aí estão os Hawks com quatro representantes no Jogo das Estrelas.
A maior agitação que se viveu em Atlanta este Verão foi mesmo a polémica com as declarações racistas de Danny Ferry. E como isso parece tão distante agora (aposto que alguns de vocês já nem se lembravam disso).E que ninguém sequer se lembre já disso é uma das maiores provas do trabalho fenomenal que Mike Budenholzer está a fazer. A outra prova é a equipa ter quatros All Stars.
O espírito coletivo é a maior arma dos Atlanta Hawks Fonte: @NBA
Porque a eleição para o All Star pode ser um prémio individual, mas é também uma prova do trabalho sensacional que o ex-braço direito de Gregg Popovich está a fazer com este plantel. Mesmo com números semelhantes, é possível que, noutro sistema e numa equipa com outros resultados, estes jogadores não estivessem aqui. E é mais provável ainda que noutro sistema não tivessem os números e a produtividade que têm tido.
É um lugar comum usado para descrever um bom treinador, mas Mike Budenholzer está, de facto, a retirar o máximo de cada um dos seus jogadores. Montou uma defesa de topo sem ter os melhores defensores da liga e um ataque de topo sem ter o mesmo talento individual que outras equipas. É um caso em que a soma das partes é verdadeiramente maior que as partes. Por último, a selecção de Teague, Horford, Millsap e Korver é ainda uma prova de como jogar para a equipa e colocar os objectivos desta acima dos objectivos pessoais não só é o melhor caminho para o sucesso colectivo, mas é também o melhor caminho para o sucesso individual.
Quando uma equipa tem sucesso, os seus jogadores são reconhecidos por isso. Ou alguém duvida que se os Cavs estivessem a dominar o Este (e a liga) como os Hawks estão a fazer, tínhamos James, Irving e Love no All Star? Ou, ainda outro exemplo, Monta Ellis, que nunca foi tão reconhecido como desde que está nos Mavs (a contribuir numa equipa relevante) e só não está no All Star porque no Oeste temos a brutalidade de bases que sabemos. Os jogadores dos Hawks aderiram completamente a esse conceito de equipa e estão a colher os frutos disso. E o maior responsável por isso é o homem por trás dessa estratégia, Mike Budenholzer. É ele o verdadeiro All Star desta equipa.
Com a eliminação precoce da Argélia da CAN’2015, o Futebol Clube do Porto viu retornar “a casa” o jogador que até então era o grande motor do jogo ofensivo da equipa, assumindo-se como o maestro de um ataque que entoava (e entoa…) ao som da voz de ‘Cha Cha Cha’ Jackson: falo, claro está, de Brahimi.
Mas a ausência do argelino foi, e de que forma, aproveitada pelos dois extremos que continuaram disponíveis no plantel: Tello e Quaresma. E agora, terá Lopetegui dores de cabeça em saber como jogará já no próximo jogo do campeonato ou será uma equação simples de equilíbrio de equipa? Uma coisa é certa: a curto prazo, Brahimi voltará a entrar no onze dos Dragões. É também verdade que retirar o espanhol ou o português será sempre ingrato, tendo em conta o nível que têm apresentado, mas a verdade é que o argelino já demonstrou de forma clara que é um dos indiscutíveis do xadrez do técnico portista.
Analisemos as três hipóteses mais prováveis de acontecer:
i) Manter Quaresma e Tello: para seguir o “politicamente correcto” e tendo em conta o actual desempenho apresentado nos últimos jogos por ambos, seria normal que na próxima partida ainda jogassem os “titulares”, mas essa chance parece-me remota porque, como disse anteriormente, Brahimi tem algo mais do que os seus “rivais” de posição;
ii) Manter Quaresma e apostar em Brahimi: esta seria a mais arrojada solução, porém a que mais agradaria aos adeptos. Brahimi é o grande desequilibrador da equipa e aquele que consegue impor ou baixar o ritmo de jogos dos dragões(junto com Óliver), enquanto Quaresma, numa trivela, numa finta, numa magia ou numa arrancada deambulante, pode decidir jogos ou deliciar adeptos; e que mais o adepto quer? Futebol espectáculo! Vamos então ao terceiro factor, aquele que quanto a mim mais pesará na cabeça do treinador…
iii) Manter Tello e apostar em Brahimi: não seria esta a escolha que agradaria mais o adepto, de todo! Pensando pelo treinador e analisando o jogo da equipa, a verdade é que Tello, apesar de ainda falhar demasiados golos (também cria imensas situações devido à velocidade que tem), é também o extremo mais diferente que o plantel azul-e-branco tem: é mais prático e equilibra melhor a equipa em termos de exposição ao contra-ataque e ao posicionamento defensivo, ao passo que quer Brahimi quer Quaresma são jogadores quase 100% ofensivos, libertando-se de tarefas defensivas para poderem reservar-se às explosões e diabruras que costumam deixar adversários pelo caminho. Note-se que no “clássico” 1-4-(1+2)-3 do Futebol Clube do Porto, e sabendo que Herrera e Óliver (mais o mexicano) costumam aparecer em zonas claras de finalização, no interior da área, por vezes até com Herrera a “fazer” de Jackson Martinez, torna-se importante ter um elemento que tenha pulmão, velocidade e disponibilidade para poder fazer todos os movimentos contrários aos de certos jogadores da equipa. Isto é: se Herrera cai na linha, um extremo tem de fechar no meio; se Herrera vai procurar ganhar o cruzamento ao segundo poste, o extremo tem de movimentar-se para a natural posição que seria deste jogador se os pressupostos do “avançado ao primeiro poste e extremo ao segundo” clássicos do futebol fossem utilizados por este Porto. Exemplo disso é o golo de Herrera ao Paços de Ferreira, onde Jackson cruza e Herrera aparece na cara do guarda-redes. E a fazer este tipo de movimentos – mesmo sabendo que com a entrada de Brahimi o argelino pode fazer muitas vezes flexões para o meio e cair Herrera na linha – Tello é mais forte, tem uma grande cultura táctica, fruto da escola que o formou e que é a base do jogo espanhol (tentado implementar por Lopetegui no Porto).
Não estando a dizer, de todo, que só esta poderá ser a solução (não esquecer Quintero ou Hêrnani), parece-me, na qualidade de espectador, que estas poderão ser as mais fortes dúvidas que pairam na cabeça do timoneiro dos Dragões.
E tu, caro Dragão, o que farias no lugar de Lopetegui?
O jogo de Alvalade, apesar de aborrecido e facilmente resumível, esconde mais da complexidade tática da partida (e de muitas outras vertentes) do que à primeira vista poderemos pensar. Sobre a pele nua de um Benfica que jogou claramente para não perder, existe uma camada invisível que explica perfeitamente o porquê de o Benfica ser, neste momento, o mais forte dos três candidatos à conquista do Campeonato Nacional.
Do grande dérbi do futebol português, só o Sporting seria um justo vencedor. Porém, ao contrario do que foi pintado, numa tela que vinha sendo preparada durante toda a semana, o Sporting esteve longe, bem longe, de ser avassalador. Até porque, comparar a forma como o Benfica atuou e defendeu com o estilo ultra defensivo de um Arouca ou de um Boavista é um ultraje à excelente organização e colocação dos jogadores do Benfica, que jogou com o bloco alto e linhas juntas (à imagem do jogo do Dragão, frente ao FC Porto, na primeira volta).
Jogando em casa, perante um público crente na vitória, e com a possibilidade de ficar apenas a quatro pontos da liderança (depois de uma diferença de dez pontos), a ideia de um Sporting forte, motivado e confiante era facilmente imaginável. Jorge Jesus receou uma avalanche ofensiva verde e branca na ânsia pelo golo. Ao bloquear um golo cedo do adversário, Jorge Jesus sabia que, se o Benfica chegasse primeiro à vantagem, teria todas as condições para sair de Alvalade com uma vitória. A diferença do jogo de Alvalade para o do Dragão é que o Benfica foi incapaz de chegar ao golo, muito por mérito do Sporting. Ao contrário do FC Porto, o Sporting nunca deixou o Benfica sair com a bola controlada e raramente deu espaço aos alas benfiquistas. Diferente, também, do FC Porto foi a pressão alta da linha da frente leonina, obrigando os laterais e os centrais do Benfica a cometerem vários erros na saída da defesa. Esse é, aliás, uma das grandes falhas do sistema de Jorge Jesus: o Benfica provou, ao longo destes seis anos, que tem imensas dificuldades perante equipas que pressionam alto.
A ideia de incorporar André Almeida e Samaris no miolo reforça a importância que o treinador do Benfica deu à dinâmica do meio-campo leonino. Para além da estampa física, André Almeida e Samaris permitiram ao Benfica fazer uma excelente contenção aos médios do Sporting, evitando grande rasgos pelo centro de terreno. Sem Adrien e João Mário em evidência, coube a William Carvalho, obrigatoriamente, fluir o jogo para as laterais, onde, com Carrillo e Nani, o Sporting é fortíssimo. Mas o Benfica foi muito bem preparado para as incursões dos rapidíssimos alas leoninos, que, salvo algumas exceções, raramente ultrapassaram a defesa encarnada.
Muito duelo físico e pouco futebol no derby de Alvalade Fonte: Facebook do Sport Lisboa e Benfica
De forma simples, as equipas anularam-se uma à outra com grande eficácia. Daí o jogo enfadonho e sem rasgos. Sem espaço ao meio-campo, a bola naturalmente circulava entre o setor defensivo de ambas as equipas. Os números não enganam e provam o equilíbrio tático, uma vez que no top quatro dos jogadores com mais passes efetuados na partida predomina, em ambas as equipas, jogadores de cariz defensivo: Sporting – Paulo Oliveira (32), Adrien (30), William Carvalho (29), Tobias Figueiredo (28); Benfica – Samaris (33), André Almeida (29), Jardel (27), Luisão (25).
A percentagem final de posse de bola de 55% para o Sporting e de 45% para o Benfica explica-se pelo maior acerto no passe, em média, dos jogadores leoninos comparativamente aos do Benfica. Este é um dado que mais uma vez reflete a personalidade tática de ambas as equipas. A diferença entre a posse de bola resume-se no critério e na qualidade de transporte. O Benfica não joga com apoios, tem um futebol vertical e usa, excessivamente, as laterais para subir no terreno (é nos corredores, alias, onde existe maior apoio entre os jogadores encarnados, como é facilmente percetível nas jogadas entre Maxi e Salvio). Este estilo de jogo individualista é, para o bem e para o mal, demasiado imprevisível. Basta um jogo de menor inspiração individual ou de grande acerto defensivo por parte do adversário, como foi o caso, e os encarnados ficam órfãos de criatividade, tornando-se uma equipa incapaz de criar verdadeiras jogadas de perigo. Com Sálvio e Ola John completamente evaporados do jogo, sempre que os extremos recebiam a bola eram praticamente engolidos por dois ou três jogadores do Sporting. Sem apoios e sem linhas de passe, rapidamente perdiam a bola novamente para os leões. Do lado contrário, o Sporting teve sempre mais qualidade na posse de bola, optando ora por passes curtos, sempre em apoio, ora por passes largos (principalmente por William), virando de flanco e tentando ao máximo desposicionar a defesa encarnada. Conseguiram-no em poucas situações, é verdade, mas essa é a principal razão para a maior aptidão ofensiva do Sporting e que explica a superioridade verde e branca no número de ataques (125 – 120), de remates (5-4) e de cantos (10 – 1).
Tal como afirmei anteriormente, o Sporting foi superior, mas não o foi de forma que escandalosamente envergonhe o empate registado no final da partida. Longe disso. Não querendo tirar mérito ao golo de Jardel e à crença da equipa do Benfica, obviamente que marcar um golo aos 93 minutos, no último lance da partida, é ter sorte. O que aconteceu até aos 87 minutos, momento do golo do Sporting, está longe de qualquer fator de fortuna.
Honestamente, e sendo um defensor eterno do futebol de ataque e de linhas altas, creio que Jorge Jesus optou por resguardar a sua equipa de uma derrota que, pensando bem, seria pesadíssima (ainda mais) para a equipa depois da recente perda dos três pontos em Paços de Ferreira. Acredito piamente que o treinador encarnado defendeu ao máximo (e literalmente) os interesses do clube, e é neste singular detalhe que encontramos a grande evolução de Jorge Jesus ao longo dos seis anos à frente do emblema da Luz. Hoje, Jorge Jesus é um treinador mais consciente do valor dos seus jogadores, reconhece muito melhor as virtudes dos adversários e tornou-se num treinador taticamente mais humilde – e reforço o taticamente, apenas.
Se, nos primeiros anos, o Benfica de Jorge Jesus era ofensivamente vertiginoso e permeável a nível defensivo, o treinador português parece ter encontrado o equilíbrio perfeito e tornou o Benfica na equipa mais sólida e consistente do campeonato português. Se verificarmos que desde Maio do ano passado, Jorge Jesus perdeu Garay, Markovic, Siqueira, Oblak, Garay, Enzo Pérez, Cardozo e Rodrigo é de facto inquestionável o trabalho exemplar do treinador do Benfica ao longo desta época. Tal como tinha dito há algumas semanas atrás, apesar das decisões menos acertadas que toma durante o decorrer dos jogos, Jorge Jesus é um dos melhores treinadores do mundo no que toca à preparação tática das suas equipas. O jogo de Alvalade, e também do Dragão, é a grande prova disso mesmo, ainda que grande parte dos benfiquistas não tenham apreciado o estilo defensivo e prefiram um jogo mais vistoso.
Jorge Jesus transformou-se num estratega. Em Maio saberemos se a estratégia foi a correta.
Num tempo em que se fala, se ouve e se vê Futebol, em quase todos os canais de televisão, a quase toda a hora, em que todos os canais trazem a público pseudo-especialistas para fazer a antevisão do tal jogo, para comentar durante o jogo, para analisar no pós-jogo, para discutir no pós-pós-jogo, até ao meio da semana e voltar tudo ao início com a aproximação do seguinte encontro, lembrei-me de reflectir acerca disto e fazer um ponto da situação…
Na minha perspectiva, em geral, fala-se muito e diz-se pouco. Fala-se muito acerca do jogo e diz-se pouco acerca do Futebol. Não quero ser crítico mas sei que por vezes o sou, no entanto sinto que há algo acerca do Futebol que ainda não foi dito, escrito, discutido ou pensado. Não me parece que muita gente o tenha feito. E quem o fez foi etiquetado de “iluminado”. Não é levado muito a sério. Sérios e profissionais são aqueles que sabem tudo acerca das metodologias do treino, da periodização táctica ou estratégias de jogo… Quando se fala em metodologias fala-se de ciência? Então qual é a fronteira que separa este Futebol científico do Futebol artístico? Eu se vou ao estádio quero ver uma vitória da minha equipa automatizada de “robots” ou prefiro ver luta, guerra, emoção, a arte da dinâmica dos relacionamentos das minhas tropas, geometricamente colocadas nos espaços certos evoluindo no terreno criando um padrão ainda mais belo que os afrescos da Capela Sistina, no Vaticano?
Manuel Alegre no seu livro “O Futebol e a Vida: do Euro 2004 ao Mundial 2006 – crónicas“, escreve: «Futebol, não é só uma questão de técnica, mas de tensão interior, “instinto”, (…), «razões inexplicáveis», aquilo a que Herberto Helder chamou de «estado de poema» e que para um jogador de futebol, talvez seja o «estado de golo». Uma espécie de estado de graça, uma inspiração, um sopro que vem de dentro. Mas que só quando a técnica, como sublinhava Ezra Pound, se transforma numa segunda natureza. É o que permite ao poeta, em momentos excepcionais, reencontrar a relação mágica com o mundo através da palavra. Ou a um jogador de futebol flectir para a direita e rematar… É algo que se decide num centésimo de segundo. (…) Futebol joga-se com onze? Futebol joga-se com todos. E não apenas na alma mas com o corpo todo… “
Estará esta descrição do Manuel Alegre relacionada com o Futebol ciência ou com o Futebol arte? Será o objectivo do Futebol o golo como fruto de observação, problema, recolha de informação, hipótese, experiência, observação, conclusão? Ou será o golo o culminar de um processo de percepção, inspiração, idealização, processo, técnica, intuição, comunicação, estética e provocação de emoção? Caberá a expressão «razões inexplicáveis» dentro da metodologia de treino?
Estará o Futebol entre a Ciência e a Arte? Ou poderá entrar aqui outra dimensão de pensamento: a Filosofia? Sim, porque são estas dimensões as dimensões de pensamento que existem e elas só existem porque o pensamento existe e em nós que somos humanos… E existem em igualdade hierárquica pois todas são interdependentes. Deleuze e Guattari dizem que todo o pensamento é relação com o caos. O pensamento é a própria composição do caos. Um livro poderia ser um fruto de dissertação sobre esta temática mas em suma eles dizem que «a Filosofia faz surgir acontecimentos com os seus conceitos, a Arte compõe monumentos com as suas sensações, a Ciência constrói estados de coisas com as suas funções»…
Estará o Futebol entre a Ciência e a Arte? A Filosofia também não será uma componente a ter em conta? Fonte: Jeremy Wilburn
Chegando onde eu queria chegar, o Futebol que nós todos conhecemos parece cada vez mais científico e menos artístico ou filosófico. Cada vez mais vemos jogos sem emoção, criatividade, imaginação, genialidade… A formação dos jogadores de futebol está cada vez mais a ser orientada para a formatação dos seus processos, baseados nos princípios da periodização táctica ou metodologias similares, e sem espaço para os atletas inventarem, criarem, falhar e criar novamente. Vemos nos escalões dos mais novos e nas academias de futebol gente competente mas muito condicionada pelo sistema de ensino que lhe proporcionou a sua própria formação, provocando uma grande mecanização na formação do jogador de futebol. Vemos cada vez mais os clubes de alta competição e alto rendimento quando precisam de um jogador para desequilibrar no jogo da sua equipa, vão contratar um brasileiro, colombiano ou argentino, que fez toda a sua formação nas ruas de São Paulo ou em Bogotá…
Sei que devo ser um pouco polémico mas a minha intenção é lutar um pouco pela procura do equilíbrio. A ciência no futebol tem uma função ferramental e não fundamental. A filosofia serve para firmar os conceitos e as ideias que temos ou não temos, e colocar em causa argumentações dúbias, nossas ou de outros, com a intenção de validar ou invalidar aquilo em que acreditamos. A arte serve para evoluirmos como ser naturalmente criativo que somos, mesmo no Futebol. Usando as três dimensões, de forma equilibrada e intuitiva, não descartando nenhuma delas podemos viver no Futebol e do Futebol em plenitude, pois é o único jogo em que se faz com os pés coisas que não se fazem sequer com as mãos, estando os pés na extremidade oposta e portanto mais longínqua do centro de comando do nosso corpo, o cérebro.
Depois de um empate caído do céu mas importantíssimo, era tempo de apontar baterias à Taça da Liga. Com um onze com novidades, como o regressado Sílvio e a inclusão de Gonçalo Guedes (sempre bom vê-lo a titular), a história deste jogo resume-se a uma primeira parte difícil e polémica.
Bruno Ribeiro prometeu e cumpriu. Sem poupanças, acreditando no sonho, o Vitória não jogou com o autocarro e colocou em sentido o Benfica nos minutos iniciais. Desinibidos e a jogar no seu meio-campo ofensivo, os sadinos poderiam ter sido felizes. Após erro de Eliseu (alguém me diz o que é que ele ainda faz no Benfica?), Pelkas ficou sozinho, passou por Artur e a bola ia directa à baliza, mas Lisandro cortou mesmo a tempo. Antes disso, Suk queixou-se de um penálti cometido por Lisandro (já lá vamos à análise). Depois deste susto, o Benfica equilibrou o jogo chegando já à parte final do primeiro tempo mais por cima, mas ficava a ideia de que este Vitória seria um osso duro de roer. Até que ao minuto 40 começou toda a polémica.
Rui Costa apontou penálti e expulsou Advicula por ter derrubado Gonçalo Guedes quando este ficou isolado na área. É um lance que levanta muitas dúvidas. Verdade que o jovem jogador do Benfica iria ficar isolado e por isso o cartão teria de ser vermelho, mas a queda parece muito forçada. É uma questão de intensidade. Talisca fez o 1-0 e o Vitória jogava com menos um. Passados três minutos, Rui Costa voltaria a apitar e pelo mesmo motivo. Desta vez foi Talisca a ser derrubado na área. Um lance que se aceita já que o brasileiro ia encaminhado para a área e sentiu o toque. Mas é com estes dois lances que voltamos a outro lance capital logo no início do jogo. Suk recebe um toque de Lisandro e cai. Rui Costa estava bem posicionado e nada assinalou. E foi aqui que falhou. Se achou que o toque não foi suficiente para marcar penálti, nunca poderia ter marcado o primeiro penálti. É, na minha opinião, uma questão de coerência. Se marca o primeiro do Benfica (que para mim é menos penálti do que o do Vitória), tem de marcar a favor dos sadinos. Foi um lance que acabou por ter influência no jogo. Lisandro acabaria por ser expulso, e o Vitória ficaria com ainda mais folgo do que já estava.
O regresso de Rúben Amorim é uma boa noticia Fonte: Facebook Oficial do Benfica
A ganhar 2-0, a segunda parte não tem história. O Vitória perdeu todo o fulgor com a expulsão e os dois golos, e o Benfica dominou a seu belo prazer a partida. Rui Costa voltou a ser protagonista ao não ver um lance na área sadina passível de discussão. Mas o grande destaque vai para o regresso de Rúben Amorim. Cinco meses depois, o português está de volta. Rúben Amorim é daqueles jogadores que podem não ser fora-de-série, mas cumprem quando são chamados. Não tenho dúvidas de que será importante na táctica do Benfica.
Contas feitas e com o terceiro golo do Benfica a vir de Jonas (a par de Julio César, o melhor reforço), o Benfica volta a estar na final da Taça da Liga. Uma prova que, não sendo a mais importante, pode servir de rampa de lançamento para a conquista do tão desejado campeonato. No entanto, o jogo fica manchado pela incoerência de Rui Costa, principalmente naquele lance na área do Benfica que poderia mudar o jogo. A nossa vitória fica manchada por isso e eu não gosto de ganhar assim. No próximo fim-de-semana há mais um Benfica vs Vitória, e os encarnados já estão avisados dos danos que este Vitória pode causar.
A Figura:
Gonçalo Guedes – A jovem pérola benfiquista vai sendo lançada aos poucos e vai mostrando o seu talento. Esperemos que não seja “emprestado” a um desses clubes do Jorge Mendes.
O Fora-de Jogo:
Rui Costa – Já foi tudo dito sobre o árbitro. Hoje esteve em dia não.
Haveria muito a dizer sobre o corte de relações institucionais com o SLB ontem decretado e que se vem juntar ao que já vigora com o FCP. Mas na verdade é-me indiferente porque nem vou dar por ele. Nem eu nem quase ninguém. E também porque não acredito na eficácia deste tipo de medidas. O corte que gostava de ter feito ao SLB era no campo, diminuindo a distância que nos separa.
A questão que se pode colocar é se a decisão tomada é correcta ou inevitável face à reacção da direcção do SLB relativamente ao comportamento dos seus adeptos. Enfim, vale o que vale. Quem cala consente e não tendo dito nada ou pior, tendo-se ficado por um comentário ignóbil do seu porta-voz, associou o seu nome às faixas exibidas no pavilhão onde se jogou o futsal e ao comportamento dos seus adeptos em Alvalade. Tenho a felicidade de não conhecer nenhum adepto benfiquista que, face à gravidade do sucedido, se reveja nesta atitude.
Bruno de Carvalho cortou relações com o Benfica Fonte: Facebook Oficial de Bruno de Carvalho
A este nível, o do comportamento dos adeptos, infelizmente não há nenhum clube com folhas limpas, o que diminui desde logo a autoridade para poder fazer julgamentos, especialmente os de carácter moral.
Quem também não pode deixar de merecer censura são as organizações que tutelam o futebol. A Liga e a FPF, obviamente, que continuam a fazer de conta que não acontece nada, parecendo sempre mais preocupados em exercer uma autoridade que se fica por mais uns cobres nos cofres e pouco mais. Também elas pouco recomendáveis como referência de organização, bastando como exemplo o que tem sucedido com as sucessivas confusões com a Taça de Portugal, onde só não houve ainda uma tragédia por milagre. Ou talvez porque nenhum dos três grandes se tem encontrado nas últimas finais.
Por último, a tutela governamental, que também só se preocupa em aparecer na hora de cortar fitas e se encostar aos troféus, ignorando a actuação policial e os cada vez mais frequentes episódios violentos. Os adeptos têm por vezes dificuldades em perceber as diferenças entre uns (claques) e outros (polícias), tal tem sido a violência indiscriminada usada. Ignoram-se os melhores exemplos e, aqui, estamos cada vez mais perto dos piores e mais distantes dos melhores. Já ninguém se lembra que Inglaterra tinha um problema muito mais agudo e que o resolveu de forma exemplar. Estamos à espera de um hillsborough ou de um Heysel em português?
Para terminar, voltando ao tema inicial, o corte de relações, há quem diga que os três grandes estão condenados a entender-se a bem do futebol. Não duvido de que todos lucraríamos com isso, sobretudo os que gostam realmente de futebol e do desporto em geral. Mas para isso seria preciso pelo menos um acordo de cavalheiros, o que é caso para perguntar: e onde andam eles?
Infelizmente, o que se constata cada vez mais são direcções completamente submetidas à lógica das claques, abstendo-se de uma das suas mais importantes funções: liderar. Eu gosto de claques, em particular das nossas, é onde gosto de ver os jogos. Mas dispenso a cultura de violência que lhes está subjacente. Porque também e acima de tudo gosto de futebol, e do desporto em geral.
Foto de capa: Foto: Facebook Oficial do Sporting Clube de Portugal
A desilusão de não ser essencial ou relevante. Ser descartado é o maior teste que alguém, independentemente da área em que trabalha, tem durante a sua carreira. As oportunidades normalmente são dadas consoante a idade, talento, capacidade de trabalho e a evolução que a pessoa pode atingir. Kevin De Bruyne, que tinha ido para o Chelsea via Bundesliga (brilhou no Werder Bremen), regressou ao campeonato alemão na temporada passada, disposto a provar que José Mourinho errou ao deixá-lo sair.
Apesar de ter deixado boas indicações na pré-temporada londrina, o belga de 23 anos foi vendido por 23 milhões de euros a meio da temporada passada. Um valor elevado, que demonstra a confiança que o Wolfsburgo tinha na sua capacidade de se destacar. As expectativas não foram defraudadas. O jovem tem sido a principal figura do clube e o melhor jogador da Bundesliga nesta época. Dono de uma apetência finalizadora assinalável – 8 golos em 20 jogos – e de uma visão de jogo ímpar – 11 assistências –, De Bruyne é o dínamo que estilhaça as defesas contrárias.
O clube é, neste momento, o maior rival do Bayern. A equipa voltou do intervalo de Inverno com vontade de usurpar o trono e no primeiro jogo “atropelou” a equipa da Baviera. Principal destaque? Kevin De Bruyne, quem mais. Dois golos, o segundo um golaço, e uma assistência para provar o enorme talento, mostrando que consegue manter um nível altíssimo com uma regularidade notável. O jogador com mais minutos, a par de Naldo, é fulcral na manobra da equipa de Dieter Hecking.
De Bruyne e Schürrle prometem entender-se às mil maravilhas Fonte: Facebook de Kevin de Bruyne
Apesar de todo o protagonismo, faltava o acompanhamento devido. Os responsáveis do Wolfsburgo decidiram que De Bruyne não podia continuar sozinho e foram buscar ao Chelsea outro craque com pouco espaço, André Schürrle. O alemão de 24 anos é o parceiro de crime ideal. A estreia não poderia ter sido melhor, com De Bruyne a adicionar mais um golo à estatística e Schürrle a ser nomeado melhor em campo. O duo promete espectáculo e quem ganha é o Wolfsburgo.
O talentoso belga quer assumir um papel de importância no futebol mundial – na selecção também apresenta números interessantes – e parece apto para tal. Já se fala na cobiça dos tubarões Manchester City, Manchester United e até do Bayern Munique, que já nos habituou a roubar as pérolas dos rivais. Teremos De Bruyne num colosso do final da temporada? O futuro o dirá. Por enquanto, o belga tem passado com distinção no teste que pôs à prova o seu talento e a sua capacidade de reagir à rejeição num grande clube. É mesmo craque.
Um aspecto que cada vez mais se torna determinante na formação de jovens jogadores é a avaliação. Mas, mais do que a avaliação, é a relação entre momento de avaliação e momento de acção. Ou seja, é impossível agir sem conhecer o terreno. Penso que, em muitos casos, perde-se demasiado tempo a tentar implementar formas e modelos de formar e de jogar ou a fazer exigências que simplesmente não encaixam com a realidade.
Contudo, para que a avaliação e a acção façam sentido e para que tenham uma base de sustento é necessário delinear objectivos, modelos e princípios que determinem a acção de todos: desde os jogadores aos treinadores, passando pelas coordenações e pelas direcções. Assim, é fundamental conhecer o caminho que se pretende percorrer e, a partir daí, ir trabalhando nesse sentido. Mas tudo isto só fará realmente sentido se se levarem em conta as reais condições materiais que se encontram à disposição, assim como o seu real valor e o respectivo potencial. Ou seja, antes de tudo e mais alguma coisa, é fundamental avaliar e ter a noção de que isso terá de ser um acto contínuo.
No fundo estamos a falar de um sistema de formação e gestão onde se interligam conceitos e se esquematiza a acção. Esse sistema fica completo com a interação e ajustamento que surgem dos actos de avaliação. Tudo somado permite que o mesmo esteja sempre (mais ou menos) actualizado e capaz de responder aos diversos desafios que se colocam. Sem este tipo de resposta, creio que ficamos todos muito mais perto de errar mais vezes.
Mas porque será que algo tão simples muitas vezes nem sequer existe na realidade futebolística nacional? Honestamente não existem grandes respostas para esta questão. Podemos sobretudo especular e tentar encaixar umas peças que nos chegam na nossa própria cultura. A verdade é que a realidade é dura: em Portugal ainda não temos um sistema que funcione. Ou pelo menos que dê frutos realmente vistosos (houve algumas excepções de sucesso, mas ninguém vive apenas de excepções).
Portugal Vs Alemanha, sub-17 Fonte: FPF
Isto do desporto em geral e do futebol em particular é algo complexo e creio que em Portugal temos de desenvolver uma abordagem mais profissional e mais séria para agir dentro desta realidade. Falar de futebol é falar de diversas áreas e disciplinas, é falar de humanidade, de sociedade, de economia, de psicologia, de motricidade e, sobretudo, de paixão. E o problema a que temos assistido assenta na nossa incapacidade de gerir estes elementos e de saber trabalhar com o “caos” que a é a realidade.
Já não basta ter um descampado com balizas, hoje em dia há que saber trabalhar e gerir o conhecimento e a prática. Há que procurar a ordem para gerir o “caos”. E não, ninguém tem de ser “Doutor” ou licenciado para o fazer. Por vezes basta ser capaz de observar a realidade e conseguir produzir conclusões a partir dela. Por vezes basta parar, olhar, escutar e avaliar. A partir daí, qualquer exercício que se faça poderá estar mais próximo de atingir o sucesso. Por sua vez, é fundamental que tenhamos as coisas sistematizadas e organizadas de forma a que a nossa acção seja coerente e assente em duas coisas: nos princípios que orientam a acção e nas reais condições materiais.
Ainda existem outras variáveis. Uma delas relaciona-se com a questão da qualidade e das expectativas. No futebol é evidente que apenas o trabalho e a organização não chegam, há resultados que apenas se alcançam com as variáveis qualidade e competência. Enfim, sem ovos não se fazem omeletes, mas um trabalho organizado e sistematizado poderá surtir efeitos bastante relevantes. Poderão não valer uma “sala de troféus” mas podem valer uma série de resultados pedagógicos e desportivos que futebol de formação não pode descurar. Contudo esta é uma questão para debater em outro artigo.
Acredito que sem as características acima referidas é muito difícil conseguir extrair sucesso a partir do “caos” e da dureza que é a realidade do futebol. Lá está, não planear é planear para falhar. Enfim, é real. Mas já agora deixo uma dica: e conhecer o quê e para quem é que nós estamos a planear?
O futebol de ataque é uma imagem de marca do Benfica. A grandeza e a responsabilidade que carregamos com orgulho levam a que a equipa, principalmente nos últimos anos, só se sinta bem a jogar em ataque contínuo. Os laterais sobem para dar mais profundidade às jogadas (por vezes até o fazem em demasia, no caso de Maxi), há sempre bastante presença na área, a linha defensiva tende a avançar quase até ao meio campo. Das bancadas vem um “Carrega Benfica!”. A equipa procura o primeiro golo e depois desse, o segundo, o terceiro. Porque o espetáculo se torna uma obrigação quando os adeptos vão à Luz para ver golos. Não é por acaso que somos o clube português com mais golos marcados nos campeonatos nacionais (5426) e com mais vitórias (1522 em 2248). Se no nosso ADN está este ímpeto ofensivo, se temos jogadores e um desenho tático que nos permitem jogar ao ataque, então porquê desvirtuar os habituais processos da equipa, como se viu em Alvalade?
Já nos tínhamos habituado a ver Jorge Jesus montar uma estratégia mais defensiva quando o Benfica jogava no Estádio do Dragão (curiosamente, ou não, na única vez em que foi ao Porto e não o fez, este ano, jogando olhos nos olhos com o rival, regressou a Lisboa com uma vitória), mas contra o Sporting o pragmatismo excessivo nunca tinha sido usado. Até ontem. Só não deu derrota por sorte. Mas será que Jesus não aprende? O Benfica não sabe jogar ao estilo da Académica, do Penafiel, do Arouca. Obrigar os jogadores a praticar este futebol frio e calculista é a mesma coisa que pedir a estas equipas que assumam o jogo e joguem de igual para igual com as equipas mais fortes. Pura e simplesmente não resulta. Além disso, passa-se a ideia de que a equipa entra em campo a pensar no empate e os adeptos, compreensivelmente, não gostam. O Benfica não pode entrar em nenhum estádio desta Europa com o objetivo de empatar. Seja no Santiago Barnabéu, seja contra o Pinhalnovense, a obrigação é a de vencer, de mostrar esforço, “Raça, Querer e Ambição”.
A culpa da fraca produtividade ofensiva do Benfica no dérbi só pode cair sobre Jesus; Fonte: Facebook do Sport Lisboa e Benfica
Isto não quer dizer que eu não defenda um pragmatismo q.b. em alguns jogos. Quando se tem vantagem no marcador, é preciso pausar o ritmo e, se for preciso, gerir o resultado em função do calendário. Aqui está a grande diferença entre os dois campeonatos conquistados na era Jesus: o primeiro, de 2010, foi marcado por um elevada “nota artística”, por um futebol rendilhado, apaixonante, pelo avolumar dos resultados; no de 2014, e também porque a equipa se manteve até ao fim nas famosas “quatro frentes”, impôs-se um espírito “resultadista”, em que a exibição era relegada para segundo plano, porque o essencial eram os três pontos (em muitos momentos da temporada 2013/2014, viu-se uma conjugação destas duas formas de encarar o jogo, diga-se).
Engana-se quem acha que o jogo que o Benfica realizou em Alvalade foi pragmático. Não foi porque para se resfriar o ritmo de jogo, este tinha de ter começado elevado. Aliás, a intensidade de jogo da equipa manteve-se estável do início ao fim, pena que tenha sido num nível tão vergonhosamente baixo que não permitiu um único remate à baliza durante 90 minutos. Jesus já devia saber, e acho que foi para ele e para todos os benfiquistas experiência suficientemente traumatizante, que começar a adormecer antes de tempo dá mau resultado. Eu não quero voltar a ver o nosso treinador de joelhos. Antes a vantagem era de 6 pontos, agora já só são 4 e ainda faltam disputar 14 jornadas. Já não estamos na Europa nem na Taça de Portugal, o que ainda aumenta mais a responsabilidade de ganhar os jogos da Liga, se possível com boas exibições.
Dito isto, volto a insistir, pegando até naquele velho lema que diz que “a melhor defesa é o ataque”: colocar o jogo numa arca frigorífica à espera do erro do adversário quando se quer ganhar e ser campeão não pode ser o plano, estando o segundo classificado a um, três, seis ou doze pontos. Esta forma de jogar não se compatibiliza com a nossa história (recheada de sucesso), com o desejo de, creio eu, todos os adeptos, com o nosso espírito, com o presente e, desejo eu, com o que virá a ser um glorioso futuro. Porque não é isto que nos está no sangue.