«Nos próximos quinze anos vai ser Rúben Dias e mais um na defesa da Seleção» – Entrevista BnR com Tonel

    «Aquele futebol que eu adorava, de há 20 anos atrás que tinha muita mais paixão, era aquele futebol que eu gostava»

    Bola na Rede: Falaste dessa situação em dezembro de 2015. Ultimamente vimos situações “parecidas” que acabam amplificadas pelas redes sociais. Perguntava-te primeiro como lidaste com essa situação que teve origem num lance, e depois, como vês a “relação” entre jogador/redes sociais. 

    Tonel: Foi complicado, para mim, para os meus filhos na escola, para a minha família, portanto, lidar com isso, o primeiro impacto foi penoso, foi muito triste, quando eu era o oposto que duas ou três pessoas quiseram tentar passar. Mas felizmente tive muita gente que me veio defender, que jogou comigo, que foi meu treinador. Agora eu percebo que as redes sociais ajudam a inflamar isto. Há muito ódio nas redes sociais, há muita “porcaria”, as pessoas não te dizem as coisas na cara. Chegou-me a acontecer haver um comentário nas redes sociais de uma pessoa, mas a comentar, a rasgar, a dizer mal, e uma vez viu-me num shopping e veio-me pedir para tirar uma fotografia. Eu percebi que as coisas são como são, mas as redes sociais não trazem nada de bom. Hoje em dia se fosse jogador profissional não tinha redes sociais. É muito bonito quando corre bem, és o maior, não sei quê, mas depois quando corre mal tens que levar com críticas. Uma coisa é levares com críticas do teu treinador, de alguém que percebe e te conhece, e que te diz as coisas na cara, agora estares a ser enxovalhado, pôr em causa em tua integridade como pessoa, isso aí nem devia ser permitido sequer. Mesmo que tu não queiras, e saibas que aquela podridão que não tem nada a ver contigo, acaba por, de certa forma, mexer um bocadinho contigo, o que é normal. Isso aí por um lado também me fez crescer. Aquilo custou um bocadinho de ouvir certas coisas, ver alguns comentários que fazem à tua pessoa, não ao teu profissionalismo, não ao profissional que és, que isso nunca tive dúvidas de nada e sempre o mostrei, mas pessoas que não te conhecem de lado nenhum a dizerem coisas que não têm nada a ver. Mas a gente não pode ouvir tudo, tem que saber filtrar, e perceber quem considera e quem não considera. Por um lado, fez-me ver as coisas por uma maneira diferente. Tu quando jogas e estás focado no jogo e na tua profissão estás metido numa bolha. A partir do momento que sais dessa bolha tens que perceber o mundo real, que é diferente. Eu hoje já olho para o futebol de um modo diferente. Sei que o futebol nos últimos anos mudou muito. Aquele futebol que eu adorava, de há 20 anos atrás que tinha muita mais paixão, era aquele futebol que eu gostava. Eu revejo-me nesse futebol. O mundo do futebol, hoje, é muito mais um negócio, é uma indústria, que mexe muita coisa, muitos poderes, muito dinheiro. É normal que hoje com a voz que qualquer um tem, qualquer pessoa faz um comentário no telemóvel e aparece se for preciso no rodapé da televisão. Isso aí faz com que tire credibilidade a muita coisa, mas é o que é.

    Bola na Rede: Estás a falar também da mística e da paixão ao clube, que também fomos falando nesta entrevista?

    Tonel: Sim. Eu tive um jogador que para mim era uma referência, o Rocha da Académica, que hoje é fisioterapeuta. Ele só jogou na Académica, eu quando cheguei, aquele senhor, que era o senhor Rocha de início, para mim era, não digo um ídolo, mas uma referência. Aquele senhor morria pela Académica se fosse preciso. A forma como ele treinava, a forma como ele jogava, a forma como estava sempre a tentar ajudar o colega do lado, a forma como ele estava no balneário, como era líder. Esse era o futebol mais puro, também não sei se era a forma como eu o via, via-o de maneira diferente. Agora, eu sei que não era da mesma forma que é hoje. Mas eu via aquela pessoa como uma referência daquele clube, fazia de tudo por aquele clube, adorava o clube, mas tinha princípios. Era alguém que sabia estar. Isso aí foi uma referência para mim, mas que hoje já não há. Mesmo os clubes já não têm jogadores de referência. Hoje é difícil veres um jogador num clube muitos anos, ser uma referência, antigamente havia. No Porto olhavas vias Jorge Costa, Vítor Baía, Domingues Paciência, Paulinho Santos, jogadores com muitos anos. No Sporting vias o Beto, o Nelson, o Sá Pinto. No Benfica também vias o Luisão, o Nuno Gomes e outros. Hoje já não se vê essas referências.

    Bola na Rede: A situação que se causou em torno do lance frente ao Sporting acelerou o fim da carreira? Foi difícil aceitar esse fim?

    Tonel: Sim, acelerou, tive que aceitar e seguir. Também sabia que mais tarde ou mais cedo ia acontecer, podia ter acontecido antes até, podia acontecido antes se não houvesse a hipótese de ir para Belém porque já estava a pôr essa possibilidade, por isso tive que aceitar. Não foi da forma que eu queria. Queria sair pelo meu próprio pé, saí porque decidi que já não queria mais, e foi por uma situação que, pronto, se proporcionou, mas como te disse, na altura foi mau, custou a mim e à minha família, mas consegui ultrapassar e fez-me ficar mais forte. Hoje já não é qualquer coisa para me abalar, fez-me crescer e perceber melhor o meio. Quando somos profissionais vivemos numa bolha e não temos tanta noção, não havia redes sociais, não havia estas coisas que há hoje, que de repente estás na televisão e nas notícias, e que há quinze ou vinte programas desportivas a falar e que a maior parte deles sobre outras coisas que não o jogo, que é aquilo que eu gosto, eu gosto é do jogo, desde que o árbitro apita para começar até terminar. Isso é que eu gosto, o que ainda gosto do futebol é o jogo em si e não tudo o que o rodeia. Muito do que o rodeia, eu não gosto.

    Bola na Rede: Já tiveste uma pequena experiência como treinador, vamos ter um Tonel como treinador no futuro?

    Tonel: Não sei, costumo dizer que “vamos indo e vamos ver”, um dia de cada vez.

    Bola na Rede: O futuro vai passar pelo futebol?

    Tonel: Sim, no futebol não tenho dúvidas. Agora estou a comentar jogos para a Sport TV e estou a gostar. Estou a gostar muito porque, lá está, é ir para o jogo, chegar lá antes meia hora, falar sobre o jogo ou então falar só durante o jogo que é o período que eu mais gosto, futebol puro dentro das quatros linhas. Estou a gostar e enquanto estiver a gostar e com o mesmo prazer que estou hoje, tenho prazer naquilo que faço, vou continuar.

    Bola na Rede: Umas perguntinhas mais rápidas agora. Melhor momento da carreira?

    Tonel: É difícil. Em termos de jogo, o facto de ter sido Campeão da Europa de sub-18, agora há outros momentos. Fora do jogo ir para o Sporting foi um momento marcante, é o chegar a um clube grande, depois de muitas escadas e das dificuldades iniciais, e há mais. O estrear-me pela seleção principal. Há vários momentos positivos, alguns negativos, mas muito mais positivos.

    Bola na Rede: Pior momento?

    Tonel: Talvez a descida do Beira-Mar.

    Bola na Rede: Melhor jogador que defrontaste?

    Tonel: Melhor jogador não tenho dúvidas que foram os que são hoje em dia, o Cristiano e o Messi, são muito difíceis. Tivemos também aqueles jogos com o Bayern Munique em que o Sporting perdeu em casa 5-2, e depois lá, 7-1, mas em casa no 5-2, depois de ter estado dois meses parado jogar contra o Bayern foi muito complicado. Na altura estava o Luca Toni como ponta de lança que era muito grande, forte, e com os colegas deles a fazerem cruzamentos sem pressão e tudo, senti muita dificuldade.

    Bola na Rede: Companheiro de equipa mais craque ou que mais te surpreendeu? 

    Tonel: Tive um que não fez uma grande carreira. O Sammir que jogava a dez, tinha um potencial incrível, tecnicamente, fisicamente, a relação com a bola, só que pronto, fora do futebol, na sua vida profissional, não era um profissional a 100% e acabou por não fazer uma grande carreira, mas tinha um potencial tremendo. Depois lembro-me no Sporting estar a aparecer o Miguel Veloso, o Nani, o Moutinho, o Rui Patrício, portanto via-se que eram jovens que iam aparecer e que iam para um patamar alto. Agora dizer-te que quando vi o Rui Patrício a começar a treinar na equipa principal ia adivinhar que ele ia ser titular da seleção durante dez anos ou quinze e fazer uma carreira que está a fazer, tinha a certeza disso? Não tinha, teve que crescer muito e trabalhar muito. Mas ver um Nani que chegou também tímido fora de campo, mas depois dentro de campo “abusado”, era diferente. O Nani já era diferente, o Patrício era mais tímido dentro e fora de campo, mas o Nani dentro de campo já era completamente diferente. O Nani se tivesse que dar uma porrada num jogar mais velho dava, se tivesse que rematar à baliza em vez de passar a bola, rematava, portanto, era atrevido. Foram jogadores que apareceram e tinham talento. Lembro-me do Deivid, um ponta de lança que se via treinar com muita qualidade. O próprio Kovacic com 18 anos, jogava muito, mas é assim, achavas que ele quando apareceu ia fazer uma carreira de Chelsea, Real Madrid, difícil, não é. Tinha outro, o Milan Badelj que esteve em Itália (e ainda está, no Genoa CFC), que eu achava que tinha uma qualidade, que ia fazer um percurso por um Real, Barcelona, não foi.

    Bola na Rede: No Dinamo apanhaste, por exemplo, o Halilovic…

    Tonel: Apanhei pouco tempo, mas sim, falava-se, ele a treinar era um miúdo que tinha uma qualidade fantástica com bola no pé, mas isso só não chega. É preciso treinares com intensidade, dedicares-te a 100% no treino, teres responsabilidade, ser profissional cá fora, isso tem que se conjugar tudo para poder atingir o alto nível, e às vezes alguns não conseguem. No meu caso eu sinto que consegui, eu fui até onde pude, acho que dificilmente podia ir mais longe, porque não tinha condições técnicas e físicas para mais.

    Bola na Rede: O balneário da tua carreira?

    Tonel: Se for a olhar para os balneários todos, aquele que eu encontrei quando cheguei à Académica. Nos tempos antigos, foi aquele balneário que mais me marcou. Eu era um menino com 20 anos e cheguei ali e vi uma mística e uma cultura diferente de um balneário sénior. Foi um balneário que eu acho que me marcou. Houve problemas num treino entre dois jogadores e no dia seguinte montou-se no balneário tipo um ringue de boxe, com os nomes deles, um de cada de lado, mas isso tudo num contexto de brincadeira, percebes. Foi, talvez, o mais marcante.

    Bola na Rede: Algum arrependimento?

    Tonel: Não porque isto é mesmo assim, temos de fazer opções. Na altura temos que decidir, não dá para voltar atrás, por isso não me arrependo de nada. Tive uma situação difícil de decidir nos juniores do Porto quando decidi ir para Espinho, não sabia que ia voltar ao Porto. Aconteceu porque as coisas correram bem, não sabia que ia voltar ao Porto. E depois na segunda vez voltar a Espinho sem saber que ia voltar ao Porto ou não, foi uma decisão que com 16/17 anos foi difícil. Não sabia se havia de sair, podia sair e não voltar mais, podia ficar e jogava lá e jogava na distrital e não saía do clube, mas correu bem.

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    João Pedro Gonçalves
    João Pedro Gonçalveshttp://www.bolanarede.pt
    Quem conhece o João sabe que a bola já faz parte dele. A paixão pelo desporto levou-o até à Universidade do Minho para estudar Ciências da Comunicação. Tem o sonho de fazer jornalismo desportivo e viver todos os estádios.