Doping à Inglesa – De que vale a Ética?

    Já Shane Sutton, na altura treinador no British Cycling e na Sky, afirma que o que Wiggins estava a fazer não era ético, mas não violava as regras.

    Há ainda no relatório menção a um denunciante que se quis manter anónimo para o público e que declarou aos parlamentares que a Sky usava os TUEs para obter uma vantagem competitiva, explicando que em 2012 a equipa estava sob grande pressão para obter resultados e, por isso, David Brailsford, Diretor-Geral da equipa, terá pedido à equipa médica para tomar um papel mais proativo na obtenção dos mesmos.

    De seguida, o Relatório debruça-se sobre o caso do “jiffy bag”, uma encomenda num saco que foi levada da sede do British Cycling para La Toissure, onde se disputava a última etapa do Critérium du Dauphiné 2011, que Bradley Wiggins venceu, e que continha um medicamento para tratar o britânico. Num primeiro momento, a Sky terá dito que esta se destinava a Emma Pooley, ciclista da equipa feminina britânica, mas esta estava na verdade em Espanha a mais de 1000 quilómetros de distância. Um outro sinal de suspeita é que Matt Lawton, o jornalista do Daily Mail que publicou em primeira mão a história afirma que Brailsford lhe perguntou o que precisava de ser feito para ele não a publicar.

    Ora, ainda assim, há hoje uma versão dos acontecimentos que é, na sua grande parte, aceite como a verdadeira. Richard Freeman pediu a Shane Sutton para entregar na La Toissure uma embalagem médica, tendo ficado decidido que Simon Cope, treinador da seleção feminina o levaria quando se deslocasse a França para dar apoio logístico no final do Dauphiné. Assim, Freeman instruiu o médico Phil Burt sobre o que incluir na embalagem e este deixou-a para Simon Cope a levar. Quanto ao conteúdo, Freeman diz que se tratava de Fluimucil em nebulizador, Sutton diz que não foi informado, Burt que não se lembra e Cope que não abriu a embalagem. Como se diria numa serie policial, tudo muito conveniente.

    Para Freeman, o Fluimucil em nebulizador é mais eficaz e em França só estava disponível a versão em pó, pelo que mandou vir da sede britânica. A Agência Anti-Doping do Reino Unido (UKAD) lançou uma investigação sobre este caso, tendo por base a suspeita de que na embalagem estava, na verdade, Triamcinolone, que a ser tomado até à meia-noite daquele dia (o último do Dauphiné) constituiria uma violação das regras anti-doping. Convém aqui referir que, neste ponto, a versão de Freeman é um pouco mais credível, já que após uma competição faz mais sentido recorrer ao Fluimucil porque está num estado de recuperação, enquanto o Triamcinolone será mais usado antes da corrida.

    Uma solução que poderia trazer alguma luz sobre o conteúdo da embalagem seria consultar os registos médicos de Bradley Wiggins e, desta vez, Freeman não se escusa com o sigilo médico. O problema é que os registos estavam no seu portátil que foi roubado em 2014 numas férias na Grécia e não havia nenhuma cópia de segurança. Segundo o médico, a Sky tinha nesse tempo uma política ao nível dos melhores usos e que consistia em fazer upload para uma conta de dropbox, só que ele não se dava com o sistema e acabava por não o fazer. Ele e o outro médico com posição de chefia na Sky e no British Cycling, Steve Peters, terão até implementado um sistema de registo e controlo do uso de fármacos no British Cycling, mas tudo se perdeu. Agora, Freeman diz estar arrependido de não ter feito cópias.

    Toda esta confusão levou a que a UKAD se visse forçada a arquivar a investigação concluindo apenas que não há provas para verificar o que estava na embalagem e entregando os factos ao General Medical Counsil (GMC), o órgão fiscalizador da prática de Medicina, para que este se pronuncie sobre a ausência de registos médicos.

    Como se pode ver por todas estas peripécias, havia ao tempo dos factos uma grande promiscuidade entre a Team Sky e o British Cycling e esse tema também é abordado pelos deputados que demonstram alguma preocupação com isso. Também por haver esse sentimento, o recém-empossado Presidente do British Cycling, Frank Slevin, antigo executivo de uma cadeia de lojas de departamentos, veio a público esclarecer que essa relação já foi cortada e que não há hoje qualquer funcionário comum às duas estruturas. Na mesma declaração, assegurou que o British Cycling implementou novos procedimentos no campo médico e anti-doping e continuará a evoluir de acordo com as melhores práticas mundiais e revelou que referiu Freeman ao GMC para investigação.

    A ética da gestão da Team Sky é colocada em causa
    Fonte: Team Sky

    A Comissão Parlamentar queria igualmente saber como o British Cycling e a Sky asseguravam que estavam a ser seguidos os procedimentos anti-doping adequados. Por isso, chamou a prestar informações David Brailsford, que diz ter levado a cabo uma investigação interna e que se limitou a chegar à conclusão de que estava Fluimucil na embalagem polémica porque foi isso que Richard Freeman disse. Além disso, garantiu que na Sky há grande conformidade com as linhas de gestão médica e que estão de acordo com os melhores padrões mundiais, não havendo um único médico a operar isolado. Bem, da conjugação destas alegação com os factos descritos, só uma de duas conclusões a tirar: ou a estrutura não é tão forte como Brailsford diz e este tem de ser responsabilizado pela falta de registos ou houve uma tentativa deliberada de não haver provas da verdade de certos acontecimentos.

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