Doping à Inglesa – De que vale a Ética?

    O último ponto do relatório a focar-se no ciclismo é o recurso pelos ciclistas ao Tramadol. Trata-se de um medicamento que não é proibido pela WADA, ainda que esteja em revisão este estatuto, e que tem o seu uso principal como analgésico. Estudos recentes indicam que pode levar a um incremento de 5% de potência num contrarrelógio de 20 minutos, mas tem efeitos secundários adversos como sonolência e tonturas. Ou seja, mais uma vez, não estamos perante um caso de violação das regras anti-doping, mas sim de levá-las ao limite para lá do eticamente aceitável.

    Tal como nas outras situações analisadas, há versões contraditórias. Michael Barry, antigo ciclista da Sky, diz que assistiu a colegas de equipa recorreram a esta substância com elevada frequência e outro ex-atleta da equipa, Josh Edmondson, refere que o uso recorrente desta droga até o levou a um estado depressivo no final de 2014. Já Jonathan Tiernan-Locke, que também viria depois a competir pela Sky, recorda-se de lhe ter sido oferecido Tramadol por Freeman no autocarro da Seleção Britânica aquando dos Mundiais de Estrada de 2012.

    A equipa nega estas acusações e revela que tem em prática um modelo de escala de dor e que esse tipo de medicamentos mais fortes apenas é usado estritamente quando necessário, tentando os médicos evitar recorrer a eles. Acrescentam ainda que quando um ciclista tem de tomar Tramadol, não deverá estar nem a treinar nem a competir, tanto pelos efeitos secundários, como por estar em demasiadas dores para o fazer. De qualquer forma, há um crescente coro de vozes, nas quais se incluem a UCI e a UKAD, a pedir que o Tramadol seja integrado na lista de substâncias proibidas da WADA e é provável que tal venha acontecer na próxima revisão desta.

    E ainda assim, mesmo com todas estas suspeitas e histórias mal contadas, a mais preocupante revelação do relatório é outra, é a de que a UKAD está severamente subfinanciada. E isto tem consequências práticas, nomeadamente, que os testes anti-doping sejam canalizados para alguns desportos em que há maiores suspeitas de fraude e que chegue a haver modalidades que não têm um único teste durante todo o ano.

    Isto é preocupante não só porque coloca em causa a integridade dos desportos em que não são levados a cabo os testes suficientes, como porque contribui em muito para criar no público uma percepção errada de que certas modalidades têm mais dopados. Na verdade, o problema parece estar afinal em apenas essas terem direito a fundos para combater o doping.

    Felizmente, perante o vir a público destas informações ao longo do inquérito da Comissão e a realização de uma auditoria total ao trabalho do UKAD levaram o governo britânico a anunciar em janeiro último um financiamento adicional de 6 milhões de libras para os próximos dois anos. Para a UKAD, ainda assim, esta não deve ser a única solução, propondo que haja um contributo maior em termos monetários dos desportos que geram mais dinheiro.

    Ainda no tópico da Agência Britânica, é colocado em questão se esta tem poderes suficientes para levar a cabo a sua tarefa da melhor forma, dizendo a UKAD que tenta ir aos limites do que a lei permite, mas por vezes isso não é suficiente. Os deputados também demonstram alguma inquietação com ser a UKAD a gerir os tribunais em que os atletas são julgados, mas a Agência nega e diz que estes são responsabilidade do Painel Nacional Anti-Doping, que é responsabilidade de outra Agência Governamental.

    Quanto ao restante do Relatório, trata da prevalência do doping no atletismo mundial e britânico e das punições que devem ser aplicadas aos atletas que violam as regras. A Comissão concluiu que a criminalização não seria producente, já que poria grande pressão sobre as autoridades policiais e judiciais e não terá um efeito tão dissuasor como suspensões desportivas. Por outro lado, é apontada como benéfica a criminalização do fornecimento de substâncias a desportistas para estes melhorarem o desempenho desportivo e defende-se uma suspensão de cinco anos de representar a seleção para atletas que violem as leis anti-doping, forçando-os a falhar dois ciclos olímpicos.

    Olhando em perspetiva para todas estas problemáticas, a questão que fica na nossa mente é a de quanto ainda vale a ética no desporto. É que não se deslumbram propriamente situações em que hajam violações diretas das regras anti-doping, mas vemos um descomplexado e recorrente esticar das mesmas ao limite, sem em qualquer momento se parar para refletir na moralidade das ações. E este é, sem dúvida um desafio sobre qual todos os agentes desportivos têm de se debruçar, porque não basta cumprir as regras para ter uma competição limpa, justa e íntegra, é preciso ir além e lutar com todas as forças para dar dignidade e justiça ao desporto.

    Foto de Capa: British Cycling

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