«O SC Braga tem melhor plantel do que o Sporting CP» – Entrevista BnR com Augusto Inácio

«Acho que a Liga – mesmo que não o diga – não gostou nada que a final [da Taça da Liga] fosse Sp. Braga-Moreirense»

 

Bola na Rede: Em Portugal, a tua última experiência foi no Desportivo das Aves. Como é tens acompanhado aquilo que se passou no clube nestes últimos meses?

Augusto Inácio: Com muita pena, sinceramente. Fiquei a gostar muito daquela gente. Depois de conseguirmos a manutenção na 1.ª divisão [na época 2018/2019], o plantel saiu praticamente todo. A política do Desp. Aves era ter jogadores só do próprio clube, não ter emprestados, porque tinha acontecido aquilo com o Mama Baldé, que estava emprestado pelo Sporting, faz uma grande época na Vila das Aves e depois o Sporting inclui o jogador no negócio do [Valentin] Rosier com o Dijon, e o clube não ganhou nada com a transferência. A política era ter jogadores só nossos. Dei  vários nomes, mas depois comecei a ver que nenhum vinha. Depois, as segundas escolhas também não vinham, as terceiras também não, as quartas também não… Vinham as quintas e sextas opções que eram as mais baratas. Ao ver aquilo, pedi a demissão logo no estágio de pré-época que decorria no Luso. E avisei o presidente que não íamos a lado nenhum com aquela equipa. Tinha havido o milagre do ano anterior, mas não há milagres todos os anos. Mas prometeram-me que viriam aí quatro ou cinco jogadores, daqueles que fazem a diferença, com “peso”. “– O mister vai conseguir, tenha calma e tal”. Acreditei nas pessoas, dava-me bem com elas, tinha de acreditar. A verdade é que esses jogadores nunca vieram. E depois começaram a aparecer os problemas financeiros: paga para a semana, daqui a quinze dias, os jogadores a ficarem cada vez mais incomodados com a situação. Os primeiros jogos nem foram maus: perdemos no Bessa, mas jogámos muito bem, e ganhámos em casa ao Marítimo. A seguir vamos ao Rio Ave e levamos 5-0 e começo a ficar sem opções, sobretudo “centrais”, que tive de ir buscar à equipa dos sub-23. Entrou-se numa “onda” e cheguei à conclusão que o melhor a fazer era o treinador sair, ir embora, para que houvesse um ar fresco no balneário, para que a direção também tivesse consciência que tinha de pagar os salários aos jogadores. Podia ser que com a minha saída as coisas ficassem melhor. Mas não. As coisas foram acontecendo. A única pena que tenho é que, se calhar, os adeptos pensam que quis mandar toda a gente embora de um ano para o outro, que quis trocar o plantel todo, mas isso não é verdade. E tenho muita pena da situação atual do Desp. Aves. Gostei muito de lá estar, gostei muito das pessoas, que são daquelas aguerrida, que gostam e vibram com o seu clube. Como também tenho pena, embora nunca tenha estado lá, da situação que está a atravessar o Vitória de Setúbal.

Bola na Rede: O teu último grande feito foi a vitória na Taça da Liga com o Moreirense, em 2017. Foi uma conquista improvável?

Augusto Inácio: Sim, também fazem milagres naquele clube. Quando o Moreirense me contrata o primeiro jogo que faço é precisamente para a Taça da Liga, em Santa Maria da Feira. Como o campeonato estava complicado, pensei que a Taça da Liga era uma boa oportunidade para rodar alguns jogadores, dar-lhes ritmo de jogo, mas tinha mesmo de dar prioridade ao jogo do campeonato. Então, pus dois jogadores titulares, mas mesmo assim ganhámos por 2-1 ao Feirense. E o FC Porto, surpreendentemente, empata 0-0 em casa com o Belenenses. Bom, tínhamos três pontos e dois jogos em casa para fazer, contra Belenenses e FC Porto. Na segunda jornada, pensei a mesma coisa: suplentes a jogar e estamos a perder 3-1 em casa com o Belenenses, mas ainda conseguimos empatar 3-3. Qual não é o meu espanto que o FC Porto empata [1-1] com o Feirense em casa. Ficamos com quatro pontos e o FC Porto com dois. E vamos para o último jogo em casa com o FC Porto e aí já penso: “Epá, agora tenho de tentar ganhar o jogo”. Coloco em campo a melhor equipa e o [Francisco] Geraldes marca. Ganhamos 1-0 e ganhamos a série. E digo para comigo: “Olha, agora vamos para o Algarve. O que é que vou fazer para o Algarve? Tenho um jogo importante para o campeonato, em casa com o Feirense, preciso ganhar esse jogo para sair da aflição”. E ainda por cima a meia-final podia ser contra o Vitória de Setúbal ou Sp. Braga, mas não, calha logo o Benfica, o favorito. Não, não vale a pena. E até pus em campo quatro titulares e sete suplentes.

Bola na Rede: O foco continuava a ser o campeonato mesmo nas meias-finais da Taça da Liga?

Augusto Inácio: Sim, contra o Benfica só pensava: “Augusto, não passes é vergonhas. Não leves quatro ou cinco, tenta, acima de tudo, honrar o emblema deste clube”. E vou numa de contenção, obviamente, o Benfica sempre “em cima”. E começo a ver os “centrais” do Benfica muito em cima da linha do meio-campo e pensei: “Hum, eles pensam que só há meio-campo para jogar? Está certo”. O Benfica logo aos sete minutos faz o 1-0, pelo Salvio, e aquilo não estava no programa. Mas conseguimos aguentar o 1-0 e, a determinada altura, chamei o Dramé, pus o [Emmanuel] Boateng a ponta-de-lança e o Podence do lado direito. E só disse ao [Francisco] Geraldes e ao Fernando Alexandre: “– É só meterem a bola na diagonal, por cima dos “centrais”, que os nossos extremos vão ganhar em corrida e eles não vão ter hipótese nenhuma. Eles estão avançados até à linha do meio-campo, é meter a bola a cair nas costas da defesa e vamos começar a fazer golos”. E assim foi. Fizemos o 1-1. Depois, numa jogada estudada, de bola parada, fizemos o 2-1 e, noutro contra-ataque, o 3-1. Quando Benfica “acorda” e quer voltar ao jogo já era tarde. O nosso guarda-redes [Giorgi Makaridze] também esteve muito bem e acabámos por ganhar o jogo 3-1. E penso: “Olha, 3-1…”. E ficamos ali com uma oportunidade única, não só na carreira, mas na vida do Moreirense, para ganhar uma competição daquelas, que não está ao alcance dos “pequenos”. Aquilo é uma prova feita para os “grandes” ganharem. Eu até acho que a Liga – mesmo que não o diga – não gostou nada que a final fosse Sp. Braga-Moreirense. Preferia muito mais que lá estivesse o Benfica.

Bola na Rede: Achas que o Benfica não levou muito a sério o Moreirense nesse jogo?

Augusto Inácio: Não levou, não. O Benfica marcava cedo e pensava que ia dar três ou quatro, que ganhava à “vontadinha”. Mas quem está num clube “pequeno” e também já esteve  num “grande”, como é o meu caso, sabe perfeitamente como pensa quem está de um lado e do outro. Isso para mim foi uma vantagem. Comecei a perceber a postura coletiva do Benfica e pensei: “Eles dão muito espaço atrás e não são rápidos”. Mas alguém agarrava o Dramé ou o Boateng ou o Podence quando vinham embalados? Era depois uma questão de timming de passe. Surtiu efeito.

Bola na Rede: E a final com o Sp. Braga?

Augusto Inácio: Aí, já era o tudo por tudo para ganharmos. O Sp. Braga nesse jogo já temeu o Moreirense. As equipas não deram quase espaços, foi um jogo disputado quase sem balizas, muito a meio-campo, remates poucos, até que há uma saída nossa e o guarda-redes faz falta para penálti sobre o “Chico” Geraldes e o Cauê faz o 1-0. Continuamos na mesma toada, poderíamos até ter feito um segundo golo no contra-ataque, mas não fizemos. Nos últimos dez minutos, o Sp. Braga poderia ter empatado, mas tivemos a “estrelinha” do nosso lado e acabámos por ganhar uma taça que não estava minimamente nas previsões. Nem era por ser um clube “pequeno”, mas como o ano estava a decorrer, com o plantel que tínhamos, com a classificação, nem sequer sonhávamos chegar à final, quanto mais ganhar a taça. Mas a oportunidade surgiu e agarrámo-la.

Bola na Rede: E como foi a receção em Moreira de Cónegos?

Augusto Inácio: Epá, eu ainda queria treinar nesse dia, não era bem treino, mas recuperar os jogadores, com banhos e massagens… Mas qual treino? Jesus, aquilo foi uma festa… Fomos à Câmara de Guimarães. São daqueles momentos que marcam as nossas vidas.

Bola na Rede: E costumas continuar a acompanhar as equipas onde estiveste. Ainda vês os jogos do Avaí?

Augusto Inácio: Vejo, vejo… Hoje, à meia-noite e meia vou ver. (risos) Acompanho porque, independentemente das coisas, fica sempre qualquer coisa dos clubes por onde passamos e, sinceramente, não é por sair a bem ou a mal que vou desejar mal a esse clube, não. O clube é uma coisa e as pessoas são outra. E temos amigos dentro dos clubes e queremos o bem deles. Por isso, quando estou a ver o Vasco da Gama estou a torcer pelo Sá Pinto para ganhar, quando era o Jorge Jesus torcia pelo Flamengo, quando era o Jesulado Ferreira apoiava o Santos. E também apoio o Avaí porque estão lá duas pessoas da comissão técnica de quem fiquei a gostar muito. Vou sempre torcer por elas.

Bola na Rede: O que costumas fazer nos períodos em que não estás a trabalhar? Vês muito futebol na TV?

Augusto Inácio: Olha, aos domingos gosto de ver o meu amigo Rodolfo Reis. Os outros passo só de relance… Mas, acima de tudo, tento manter-me atualizado, fazer um retrospetiva daquilo que foi a minha vida. Vejo muitos jogos de futebol, sim. Deito-me muitas vezes às 04h da manhã. Vejo o Brasileirão e a série B do Brasil, que também tem muitos bons jogadores. O Brasileirão é mesmo muito competitivo.

Bola na Rede: E que papel gostavas de assumir num próximo projeto?

Augusto Inácio: Olha, jogador já não posso ser (risos). As perspetivas estão em aberto, Comentador, neste momento, não. Não me estou a ver a fazer isso. Mas estou-me a ver como treinador, como dirigente… Por falar em dirigente, poderá ser isso a acontecer num futuro próximo. Mas vai continuar a ser o momento a determinar o que a vida nos dá.

Bola na Rede: Já podemos antecipar esse novo projeto?

Augusto Inácio: Olha, em primeira mão. Há um clube da Tunisia que anda a tentar contratar-me, mas não chegámos a acordo. Agora voltaram à carga, não sei se isto vai ter andamento ou não. E não vou dizer o nome. (risos) Também há aí um clube do Norte de África que também perguntou por mim. E também não fui para uma seleção africana porque tive medo. Sinceramente, com isto do covid, com estas coisas todas, tive algum receio e não fui.

Bola na Rede: Seria um regresso ao Norte de África, onde treinaste o Zamalek, do Egito. Gostaste dessa experiência?

Augusto Inácio: Epá, aquilo é espetacular. Os fãs do Zamalek… Eles é que são os fãs, mas eu é que fiquei fã deles. É uma coisa… uma admiração, um apego… Eu digo mesmo: é  amor! Aquelas coisas que o Jorge Jesus dizia quando estava no Al Hilal: “- Jesus, I love you!”. Aquilo é mesmo assim. Eles quase que te beijam na boca. (risos)

Bola na Rede: E ainda temos o caso do Manuel José, também adorado no Egito…

Augusto Inácio: Atenção! O Manuel José é deus no Egito. Os adeptos do Al Ahly gostam dele, os adeptos do Zamalek gostam dele… “Manuel José, Manuel José”… Há uma rivalidade muito grande entre os clubes e adoram o Manuel José, é uma coisa incrível. Também tenho continuado a acompanhar o Zamalek, treinado pelo meu amigo Jaime Pacheco. Antes da final da Liga dos Campeões africanos ainda dei umas declarações para a TV do Egito, a dizer que gostava que fosse o Zamalek a ganhar, enviei uma mensagem a desejar boa sorte ao Jaime, mas o Zamalek perdeu [vitória do Al-Ahly, por 2-1]. O Zamalek no jogo foi melhor, mas teve muito azar e acabou por perder. Foi uma pena. O presidente do Zamalek também tem uma cabeça assim… Perde ali dois ou três jogos e começa logo com a cabeça andar à roda… Mas foi uma experiência muito engraçada.

Bola na Rede: Já falámos do Augusto Inácio jogador e treinador. Mais recentemente, as pessoas também conheceram a versão do Augusto Inácio comentador e diretor. Como é que gostavas que as pessoas se lembrassem de ti daqui a uns anos?

Augusto Inácio: Gostava que me lembrassem de mim como homem. O Augusto Inácio “homem”. Porque a nossa carreira tem fases. A do jogador, do treinador, com esta coisa dos programas de futebol também do comentador. E também tive a fase do diretor. Mas isto é tudo determinado com as oportunidades do momento. Já tinha conhecido os balneários, depois os gabinetes e a liderança de um plantel, o que é comentar em televisão os vários aspetos da vida desportiva do país, e depois apareceu a oportunidade de ser dirigente – que, para mim, é uma fasquia mais alta da do jogador e do treinador. É quando chegas ao topo do edifício, onde geres tudo a partir lá de cima.

Bola na Rede: Essa oportunidade surge como consequência destes anos todos de futebol…

Augusto Inácio: Sim, a minha maior valência, neste momento, é a experiência. Saber o que estão os jogadores a pensar, a sentir, a falar… O porquê de um grupo ou um jogador não estar a render naquele momento. Eu, por várias vezes, já consegui detetar que o jogador tem problemas particulares, que não são desportivos, e que afetam o seu rendimento. Mas para um jogador falar dessas coisas tem de ter uma enorme confiança em ti, senão ele resguarda-se.

Bola na Rede: E qual destes papéis gostavas de assumir num futuro próximo?

Augusto Inácio: Jogador já não posso ser. (risos) As perspetivas estão em aberto. Comentador, neste momento, não. Não me estou a ver a fazer isso. Estou-me a ver como treinador, dirigente… Por falar em dirigente, poderá ser isso a acontecer num futuro próximo. Mas vai continuar a ser o momento a determinar o que a vida nos dá.

Sabe Mais!

Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

O Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

  • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
  • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
  • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
  • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

João Amaral Santos
João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

Subscreve!

Artigos Populares

Fechado: Arthur Cabral vai mesmo trocar Benfica pelo Botafogo por 15 milhões de euros

O Botafogo fechou a contratação de Arthur Cabral ao Benfica por 15 milhões de euros. Avançado brasileiro de saída da Luz.

Brighton perto de fechar alvo do Benfica por 47 milhões de euros

O Brighton está interessado em contratar Charalampos Kostoulas, jogador que já foi associado ao Benfica e pertence ao Olympiacos.

Presidente do Inter Milão confirma nome do novo treinador: «Tem o perfil certo»

O presidente do Inter Milão confirmou que Cristian Chivu vai ser o novo treinador do conjunto italiano, deixando o Parma.

Benfica goleia Braga e qualifica-se para a final da Primeira Liga de Futsal

O Benfica recebeu e venceu o Braga por seis bolas a uma e garantiu um lugar na final da Primeira Liga de Futsal.

PUB

Mais Artigos Populares

Imanol Alguacil com futuro em aberto e há uma equipa interessada

Imanol Alguacil deixou a Real Sociedad no final da última edição da La Liga. O técnico espanhol interessa ao Sevilha, também do campeonato espanhol.

Rafael Leão quer deixar AC Milan e internacional português tem preço definido

Rafael Leão quer abandonar o AC Milan no mercado de transferências de verão. Os italianos querem receber 70 milhões de euros pelo avançado.

Noruega aplica goleada à Itália para a qualificação para o Mundial 2026

A Noruega recebeu e venceu a Itália por três bolas a zero, num encontro válido pela terceira jornada da qualificação para o Mundial 2026.