É intrigante e apaixonante verificar como uma pequena mudança numa peça de um sistema complexo pode alterá-lo de forma tão drástica… para o mal ou para o bem. Desde o início dos tempos que isso acontece, mas só Edward Lorenz teve o fascínio suficiente para desenvolver essa ideia, tornando-se o pai da Teoria do Caos.
Esta aplica-se e abrange vários campos de estudo mais susceptíveis a mudança (pela sua interacção com fenómenos sociais), como a Economia ou a Sociologia, ou outros mais deterministas, como a Engenharia ou a Física. Uma alteração ínfima nas condições iniciais de um sistema dinâmico pode provocar alterações tão grandes que tornam praticamente impossíveis as tomadas de decisão baseadas em previsões de longo prazo.
O futebol também é “atingido” pela teoria do caos. Não pela interacção com o seu ambiente externo, mas sim pelo seu núcleo. Um sistema tático e respectivos princípios de jogo, trabalhados durante centenas de treinos, ao sofrer uma ligeira alteração no seu dinamismo no meio de uma época pode causar mossa e colocar em “cheque” os objectivos que uma equipa possa ter, sejam eles a manutenção ou a conquista de um título.
É, portanto, crucial, no futebol tal como em outras áreas, estar preparado para eventuais contrariedades, e o orçamento estabelecido terá de contemplar isso mesmo – a lesão ou o castigo de um jogador fundamental ou a adaptação a um adversário com um estilo de jogo radicalmente diferente daquele com que a equipa habitualmente se depara.
A avaliar pelas exibições anteriores ao encontro com o Stoke, na jornada anterior à deste fim-de-semana, parecia não exisiir um plano de contingência para a mudança dentro do sistema de jogo do Manchester City. Saiu uma única peça do seu onze, e as coisas alteraram-se drasticamente – Yaya Touré seguiu para a CAN, e a equipa, sem a ajuda do costa-marfinense, perdeu dois jogos e empatou três, cedendo muito terreno para o Chelsea e saindo da Taça de Inglaterra.
A vitória no Britannia Stadium aconteceu diante de um Stoke fragilizado (e que fora goleado, dias mais tarde, pelo Blackburn, de escalão inferior) e que, por isso, ainda não convencera os mais cépticos sobre a forma de jogar do City e do regresso às boas exibições da equipa…
… porém, o encontro com o Newcastle terá desfeito essas dúvidas. A equipa voltou a ser esmagadora no seu processo ofensivo e o Etihad voltou a assistir a um Manchester City alegre no seu futebol, com grande envolvência dos laterais no processo ofensivo e a genialidade de peças como David Silva, Agüero ou Nasri a emergirem, proporcionando, outra vez, o entusiasmo há muito desaparecido dos olhos e das bocas dos adeptos dos citizens.
Com Yaya, a equipa parece outra Fonte: Facebook do Man City
O que mudou? Exactamente. Yaya Touré. Entrou o costa-marfinense, e o processo ofensivo voltou a ser o rolo compressor que se fizera respeitar perante a Europa inteira. A frente de ataque ganhou um guarda-costas, a defesa ganhou o equilíbrio, o sistema voltou às suas configurações originais … e voltou a funcionar como antigamente, porque regressou Touré. Com ele, Dzeko, Agüero, Nasri e Silva, os quatro homens da frente, marcaram e assistiram, voltaram àquilo que era suposto ser, Fernandinho, Kompany e Mangala equilibraram-se tactica e emocionalmente, e Zabaleta e Kolarov puderam subir desalmadamente, como tanto gostam.
Touré voltou. Uma peça, somente, em onze, mas muitas dinâmicas a ela associada. O sistema City voltou a funcionar com Touré e, aproveitando o deslize caseiro do Chelsea, ameaça seriamente relançar o campeonato inglês.
O futebol é um desporto de equipa e o conjunto mais forte é aquele que na maioria das vezes acaba por vencer, contudo, e penso que estejamos de acordo, as individualidades não são menos importantes. Quero por isso destacar aquele que para mim é uma referência do universo leonino: Rui Patrício.
A serenidade de uma equipa começa na baliza, o nosso eterno rival que o diga, e Rui Patrício é sem dúvida um jogador indispensável no conjunto verde-e-branco. Muito sinceramente, no início da carreira do guardião português tive algumas dúvidas sobre a sua qualidade: a falta de comando de área, a insegurança de quando saía de “dentro” postes e o horrível jogo de pés, apesar de ter melhorado ainda hoje é a grande lacuna do seu jogo, foram algumas das coisas que me levaram a questionar se este seria ou não o sucessor de Schmeichel ou eventualmente de Vitor Damas.
Pois bem, hoje não tenho quaisquer dúvidas, Rui Patrício é uma figura de destaque do universo leonino. A maioria já deve ter esquecido, com toda a certeza, as épocas em que era o Rui e mais 10; Arrisco-me mesmo a dizer que, caso não fosse Patrício, aquele penoso sétimo lugar podia ter sido bem pior.
Todos os grandes guarda-redes têm dias menos conseguidos e o titular da seleção nacional não escapa à regra. Não se iludam ao pensar que o nosso guardião não vai cometer mais erros, pelo contrário. No entanto nada disso inválida o excelente “serviço” que tem prestado à nação leonina.
Termino agradecendo a Rui Patrício por representar na perfeição aquilo que deve ser o Sporting Clube de Portugal – Esforço, Dedicação, Devoção e Glória. Seja a guardar as redes verde-e-brancas ou da seleção nacional, és um exemplo.
Escrever para o Bola na Rede esta semana não é tarefa fácil para mim. Não que seja um tormento, pois nunca o é; mas pela dificuldade que tive em escolher apenas um entre os muitos temas que pairaram sobre o meu pensamento. Entre uma análise à brilhante exibição portista em Basileia e um artigo relativamente ao campeonato da vergonha 2014/2015 – que teve em Moreira de Cónegos mais um capítulo de uma história pintada de vermelho – devo admitir que a escolha para esta semana não foi simples. Relativamente ao jogo dos oitavos de final da Liga dos Campeões, penso que a brilhante crónica do meu colega Filipe Coelho, na quarta-feira, disse tudo sobre aquilo que foi o comportamento dos jogadores no St. Jakob-Park. No que diz respeito ao campeonato da vergonha, penso que os dados são tão claros que mais umas linhas sobre o assunto no Bola na Rede seria, em bom português, “chover no molhado”.
Por isso, opto por nesta crónica abordar a única má notícia que os portistas tiveram no jogo da última quarta-feira: a lesão de Óliver Torres. Pouco depois dos 60 minutos, o médio espanhol caía no relvado após um choque com um jogador do Basileia. O pior veio com a imagem das queixas de Óliver em relação ao seu ombro direito. Esta foi aliás a segunda vez que o atleta emprestado pelo campeão espanhol Atlético de Madrid sofreu do mesmo mal. Na primeira ocasião, havia sido no momento do 2-0 na partida contra o Moreirense. Nessa altura, a luxação no ombro obrigou-o a uma paragem de sensivelmente um mês e à ausência em quatro partidas.
Ao olhar para o plantel portista desta temporada, rapidamente se chega à conclusão de que, para as várias posições do terreno, o que não faltam são opções para Julen Lopetegui. Essa é uma ideia que tem sido repetida até à exaustão e que faz do plantel portista 2014/15 um dos melhores da história do clube. Num mero exercício demonstrativo, basta reparar na quantidade de jogadores que existe, por exemplo, para o último terço de terreno. Quaresma, Tello, Brahimi, Hernâni, Ricardo, Adrián López, Aboubakar e Jackson são todos eles protagonistas e exemplos claros da riqueza do plantel portista para esta temporada. Bem sei que nem sempre são os nomes que ganham jogos e campeonatos, mas é bom convir que, quando comparado com a época passada, de facto, Lopetegui não podia pedir muito mais.
Óliver é o dínamo do meio-campo azul e branco Fonte: Facebook do FC Porto
Ainda assim, e como sempre acontece, o sucesso ou insucesso de uma equipa ao longo da temporada baseia-se na consolidação de uma equipa, na chamada espinha dorsal. Depois de dois/três meses em que Lopetegui andou “à deriva” para encontrar uma equipa – o que lhe custou o afastamento da Taça de Portugal e a perda de pontos decisivos no campeonato – o técnico espanhol foi progressivamente conseguindo mexer pouco na estrutura da equipa, o que acabou por lhe trazer vitórias sucessivas e um crescimento sustentado que se reflete na própria qualidade exibicional do FC Porto. Com efeito, para a consolidação da equipa, em muito contribuiu a própria consolidação do meio-campo. A junção do tridente Casemiro, Herrera e Óliver veio trazer ao miolo portista quatro premissas essenciais para a qualidade do jogo portista: agressividade, intensidade, dinâmica e velocidade. De forma sustentada, o FC Porto foi crescendo na sua “sala de máquinas táctica”, dinamizada pela agressividade de Casemiro, pela intensidade de Herrera e sobretudo pela imaginação dada por Óliver Torres.
Como em qualquer construção, a falta de um destes três pilares poderá ser prejudicial a curto prazo para a equipa azul e branca. Depois de um jogo para a Liga dos Campeões onde a maioria da crítica destacou a exibição portista, apelidando-a de brilhante e dominadora – basta ver as declarações de Fabian Frei, médio do Basileia – a pior coisa que poderia acontecer ao FC Porto seria ver um dos seus jogadores mais influentes lesionar-se novamente.
Basta olhar para o histórico desta temporada para perceber a influência de Óliver Torres na dinâmica da equipa: num total de 35 jogos oficiais já realizados, o médio espanhol esteve ausente em apenas seis dos encontros. Aliás, Oliver – com 29 jogos e 2011 minutos somados – é mesmo o quarto jogador mais utilizado por Julen Lopetegui, apenas atrás de Jackson (31 jogos, 2631 minutos), Herrera (31 jogos, 2303 minutos) e Danilo (30 jogos, 2665 minutos).
Curiosamente, dois dos três jogos que o internacional pelas camadas jovens espanholas falhou no campeonato resultaram em perda de pontos para a equipa portista: empate a um em Guimarães e a zero, em casa, na recepção ao Boavista. Coincidência ou não, o que é facto é que Óliver Torres voltará a ficar ausente no duelo contra os axadrezados. Contudo, mais do que a ausência no derby de amanhã no Estádio do Bessa, o mais preocupante é que se prevê que o médio espanhol só regresse à competição daqui a exatamente a um mês, no duelo da 26.ª jornada, marcada para o dia 22 de março, em casa do Nacional da Madeira. Até lá, é expectável que o jovem médio, para além do jogo com o Boavista, falhe o clássico do próximo domingo com o Sporting, o duelo escaldante em Braga, a segunda mão decisiva na Champions frente ao Basileia e o jogo em casa frente ao Arouca de Pedro Emanuel.
A veia goleadora de Óliver tem-se manifestado ultimamente Fonte: Facebook do FC Porto
Ao olhar para o calendário portista, talvez fosse difícil encontrar um momento pior para ficar sem um dos alicerces da equipa. Num momento tão decisivo no campeonato nacional e com um apuramento para os quartos-de-final da Liga dos Campeões à mão de semear, acredito que ficar sem Óliver Torres é um verdadeiro soco no estômago para Julen Lopetegui. Ainda assim, e apesar da qualidade inegável que o médio espanhol dá, também é essencial chegar à conclusão de que o plantel desta época oferece soluções bastantes para que a equipa não sinta demasiado a falta do jogador emprestado pelos colchoneros. Apesar da tentação de alguns de afirmar que um atleta não faz uma equipa, é por demais evidente que há ideias de jogo que só existem porque há jogadores que em campo os interpretam de forma soberba. Seria possível ter existido o Barça de Pep Guardiola sem Xavi e Andrés Iniesta? Seria possível haver o Atlético de Madrid de Diego Simeone sem Gabi ou Koke?
Na ideia de jogo de Lopetegui, Óliver Torres é um elemento essencial. A intensidade e dinâmica defensiva e ofensiva que o médio dá ao jogo portista é por demais evidente e por isso não é de estranhar que tão poucas vezes o técnico espanhol tenha prescindido da qualidade de Óliver. Contudo, com um plantel tão vasto e um estilo de jogo cada vez mais consolidado, a falta do médio espanhol não pode nem deve ser utilizada como desculpa para algum possível desaire que a equipa possa ter numa fase tão decisiva da época. Numa altura em que a equipa parece crescer a cada jogo que passa, não pode ser pela ausência de um jogador – por muito importante que ele seja – que esse crescimento sinta um forte revés. E verdade seja dita: se há momento em que não podemos falhar, é este. Seja no campeonato, seja na Liga dos Campeões. Com ou sem Óliver. Vai custar, mas é assim que terá de ser.
(Assim como quem diz no futsal, no basquetebol, no andebol, no hóquei em patins, etc.)
O livro “A Arte da Guerra”, escrito no séc. IV a.C., há cerca de 2 500 anos, por Sun Tzu, um militar, estratega e general chinês, ainda hoje continua a ser admirado como fonte de conhecimento na área da estratégia, tendo sido alvo de análises e interpretações, utilizadas em diversos contextos. Muitos referem-se a “A Arte da Guerra” como tendo sido a origem do próprio conceito de estratégia. Embora seja um tratado unicamente militar, todos os conselhos, ensinamentos e conceitos de Sun Tzu são admiravelmente adaptáveis ao mundo empresarial e ao mundo desportivo, entre outras áreas. Basta contextualizar o que lá está escrito, olhar para a “concorrência” como se fosse o inimigo e para o “mercado” como se fosse o campo de batalha. É um exercício de criatividade, perspectiva e realidade.
Rui Vitória, há uns tempos, apresentou o seu livro, baseado em leituras do livro original e aplicadas à sua vida de treinador, “A Arte da Guerra Para Treinadores”. Rui Vitória fornece pistas para levar a sua equipa ao triunfo. Da formação de uma equipa à disputa de uma grande final, passando pelas etapas do treino e pela gestão do jogo, “A Arte de Guerra Para Treinadores” é um manual de estratégia aplicado ao desporto. Após a leitura do livro achei interessante o enquadramento que Rui Vitória fez, relacionando a obra original e a sua interpretação, e apeteceu-me reflectir sobre o assunto. Fui à procura da relação da guerra com o jogo, ou seja, da guerra como actividade bélica com um certo objectivo, com o jogo desportivo e competitivo, no contexto de actividade física e de superação a vários níveis.
Huizinga, em “Homo Ludens” (1938), argumenta que o jogo é uma categoria absolutamente primária da vida e define jogo como: “uma actividade voluntária exercida dentro de determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria, e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana.”
Noutras definições encontramos ideias muito parecidas:
“Um jogo é um sistema no qual os jogadores envolvem-se num conflito artificial, definido por regras, que determina um resultado quantificável”. (Katie Salen e Eric Zimmerman); “Um jogo é uma forma de arte na qual os participantes, denominados jogadores, tomam decisões, a fim de gerir os recursos através de elementos de jogo na busca de um objectivo.” (Greg Costikyan); “Um jogo é uma actividade entre dois ou mais tomadores de decisão independentes que procuram atingir os seus objectivos num contexto limitado.” (Clark C. Abott); “No seu nível mais elementar, então podemos definir jogo como um exercício de sistemas de controlo voluntário em que há uma oposição entre forças, confinados por um procedimento e as regras a fim de produzir um resultado de desequilíbrio”. (Elliot Avedon e Brian Sutton-Smith); Em Inteligência Artificial, um jogo é um modelo teórico de conflitos de interesse (decisões possíveis, resultados possíveis) entre dois ou mais agentes que têm motivações conflituantes.
Assim sendo, em qualquer jogo existe confronto, conflito, luta de interesses, vencedor e vencido. Elementos em comum na relação destas duas temáticas: jogo e guerra.
Há 2 500 anos, Sun Tzu na realidade escreveu um guia, um tratado, que ensinava vários aspectos a ter em consideração para um batalhão vencer uma guerra ou batalha, pois era muito habitual uma nação entrar em guerra com outra, e a História Mundial assim nos conta. O que vários leitores da obra perceberam foi que metaforizando o conteúdo de “A Arte da Guerra”, na verdade algo de valioso se obtinha. Um guia de estratégia para conseguir obter vantagem competitiva, através de certas acções e hábitos. Na realidade actual e em particular, numa actividade desportiva como o futebol, todos andam constantemente em busca de vantagem competitiva. Sun Tzu diz que “a Arte da Guerra baseia-se no engano”. Vendo bem, todas as acções, em todos os momentos, da maior parte dos jogos, mesmo nos jogos desportivos colectivos e competitivos (mas também individuais), são realizadas com a intenção de “enganar” o adversário. Não será um “enganar” com uma conotação negativa, no sentido de mentir, omitir, aldrabar, roubar, conquistar ou até matar, tal como sucede em qualquer guerra.
Será um enganar com o intuito de iludir, cansar, fazer o adversário sentir que tem vantagem para depois aplicar a jogada decisiva. Será jogar muitas vezes pela esquerda para “adormecer” o adversário e desferir um ataque “mortífero” pela direita. Será lançar um jogador que o adversário não esperava. Será manter um certo registo no discurso com a comunicação social para que os adversários se confundam na recepção dessas mensagens. Serão muitas coisas mais…
Sun Tzu diz também “Quando fores capaz de atacar, deves aparentar incapacidade e, quando as tropas se movem, aparentar inactividade. Se estás perto do inimigo deves fazê-lo crer que estás longe; se longe, aparentar que estás perto. Colocar iscos para atrair o inimigo. Golpear o inimigo quando está desordenado. Preparar-se contra ele quando está seguro em todas as partes. Evitá-lo durante um tempo quando é mais forte. Irritá-lo quando tiver um temperamento colérico. Se for arrogante, tratar de fomentar o seu egoísmo. Ataca o inimigo quando não está preparado e aparece quando não te espera.”
A estratégia no futebol, assim como noutras modalidades, é o padrão de comportamento a adoptar em campo. Difere da táctica, embora possa ser confundida por alguns. A táctica é a organização sistémica da equipa. Independentemente do sistema táctico, a equipa pode adoptar uma postura mais ofensiva ou mais defensiva. Com o mesmo sistema táctico, uma equipa pode alterar a estratégia dentro de um jogo. Mais ligada à táctica individual e de grupo, a estratégia leva em consideração a movimentação dos jogadores na marcação e na articulação, e as características dos jogadores. Assim, a estratégia está mais directamente ligada aos comportamentos, e a táctica à disposição e funções individuais e colectivas dos “guerreiros”.
Da obra de Sun Tzu retiro cinco factores que são ensinamentos chave para quem deseja pensar ou repensar as suas estratégias, se bem que o ideal seria, e é uma recomendação minha, ler o livro original, que talvez possa encontrar por alguma livraria. Para prever-se o resultado de uma “guerra”, devemos analisar e comparar as nossas próprias condições com as do nosso “inimigo”, baseados em cinco factores:
A DOUTRINA (motivação) – significa “tudo aquilo que faz com que os liderados estejam em sintonia com seu líder, de forma que o seguirá aonde quer que ele vá, sem temer pelas suas vidas, nem correr qualquer perigo”. Representa aquilo que faz com que a equipa lute, o propósito, a causa moral.
O TEMPO (condicionantes) – significa o Ying e o Yang (a harmonia dos opostos), a noite e o dia, o frio e o calor, dias ensolarados ou chuvosos, etc… Tudo o que estiver relacionado com o que possa condicionar a batalha. Representam tudo o que está para além do nosso controlo. A única forma de nos defendermos deste factor é criar processos que nos permitam estar preparados e ter riscos mais reduzidos. Ter um plano B, C ou D é fulcral.
O TERRENO (espaço) – implica as distâncias e faz referência onde é fácil ou difícil deslocar-se, se é em campo aberto ou lugares estreitos, e isto influencia as possibilidades de sobrevivência. Representa a movimentação e o posicionamento em campo, o posicionamento físico. A forma como a equipa se movimenta. O sistema táctico.
O MANDO (liderança) – há de ter como qualidades a sabedoria, a sinceridade, a benevolência, a coragem e a disciplina. Está relacionado com os valores do líder.
A DISCIPLINA (competências e habilidades colectivas) – há-de ser compreendida como a organização do exército, as graduações e classes entre os oficiais, a regulação das rotas de mantimentos e a provisão de material militar ao exército. Representa a clareza organizacional da equipa, a coesão, o relacionamento dentro de campo, o entrosamento.
Cada vez mais, hoje em dia, a informação recolhida, a observação da organização do adversário, a recolha dos comportamentos padronizados ou caóticos, etc., são aspectos essenciais da preparação para a “batalha”. O scouting, as políticas de contratações e de formação são aspectos que podem fazer a diferença. Ter mais informação é ter mais poder, é ter mais capacidade de controlar as coisas. No entanto, ter informação sem ter a capacidade de decidir, sem uma liderança forte, sem a habilidade para filtrar o mais importante do residual, sem a capacidade de antecipação, é como a jogar cartas, ter um ás de trunfo e não o jogar quando devíamos. Ter um pensamento estratégico ajuda o líder a ter objectivos bem claros e definidos, e um ou mais planos de acção. Tudo isto aliado à capacidade de comunicar eficientemente com os liderados, à capacidade de ter uma relação empática, levará o “general” à conquista de mais vitórias e à glória dos seus “guerreiros”.
Há dois tipos de pessoas: os que acreditam em coincidências e os que não. Os que acreditam, aceitam as evidências sem as questionar e, muitas vezes, sem entender que as tendências têm quase sempre razões que as originam. Os que não acreditam em coincidências vão mais vezes ao fundo das questões. No campeonato português, e no Sporting em particular, há coincidências que parecem, umas mais do que outras, perfeitamente ocasionais. Não o são.
O Sporting de Marco Silva passou a conceder menos golos (e menos ocasiões aos adversários!) sensivelmente pela mesma altura em que deixou de apresentar a fluídez ofensiva que até aí vinha conseguindo gerar. Até aqui nada de novo. Mas porquê? Ainda hoje, o Gil só dispôs de uma oportunidade de golo, e mesmo essa foi gerada mais pela equipa de arbitragem do que pelo adversário leonino. O Benfica teve exactamente o mesmo número de oportunidades: uma. E mais exemplos existiriam.
Hoje, o Sporting não marca mais porque o guarda-redes do Gil Vicente assim não permitiu mas, por norma, a equipa de Alvalade não tem tido tantas oportunidades de golo como na primeira metade da época. A colocação dos extremos a dar largura, ao invés da procura pelo espaço interior que vinham adoptando, faz com que o jogo leonino seja exageradamente lateralizado e, por isso, menos perigoso. Assim, os laterais até passam a ter de atacar um pouco menos e, sobretudo isto, o espaço no corredor central passa a ser despovoado. O número de cruzamentos cresce, o número de perdas no meio diminui e, por isso, há menos situações de perigo… para cada lado. William passa a controlar melhor o jogo (na verdade, tem menos transições adversárias para controlar e mais espaço com bola para executar; daí a subida de rendimento), os extremos passam a desequilibrar menos porque estão mais longe da baliza (daí a descida de rendimento de Nani e de Carrillo), Montero passa mais dificuldades porque passa a ser solicitado através de cruzamentos e o jogo torna-se mais entendiante e cada vez mais parecido ao de Leonardo Jardim. Mas o Sporting deixa de sentir as dificuldades defensivas que sentiu na primeira metade. Este conjunto de factores é uma das coincidências que muitos analistas se esquecem de apresentar como uma não coincidência: a forma de atacar interfere com a forma de defender e o contrário também é verdade.
Por outro lado, hoje também é um bom fim-de-semana para falar de uma outra “coincidência” que se tem revelado decisiva para o encaminhamento do campeonato. Hoje, em Alvalade, deu-se mais uma arbitragem que poderia ter complicado o jogo aos leões. Ainda no início do jogo, João Mário foi (claramente) derrubado à entrada da área, existindo apenas lugar a dúvidas sobre se teria sido feita a falta dentro da área ou fora. Foi dentro, mas nada foi assinalado. Um pouco mais tarde, no final do primeiro tempo, o Gil dispôs da sua única ocasião de golo depois de Yazalde ter interferido no livre de William sem dar um metro que fosse para a cobrança do mesmo. A equipa visitante acabou por falhar, mas se marcasse estaria dado um passo gigante para que o Sporting acabasse por perder mais pontos na liga. E as coincidências, perguntam-me.
A coincidência é ontem, no terreno do Moreirense, o Benfica ter beneficiado (outra vez!) de muitas ajudas do apito. Desde a atribuição de um canto quando o correcto seria um pontapé de baliza até a uma misteriosa expulsão (por vermelho directo!!) por palavras, passando pela carga ilegal de Luisão no golo do empate ou do penalty por marcar de Eliseu sobre Danielson, com o resultado em aberto. Semanas antes, sem que se fale sequer nisso, Maxi Pereira estava em fora-de-jogo posicional (interfere na jogada porque pressiona o jogador do Sporting que era portador da bola) no lance do golo de Jardel, em Alvalade. Tal como em todas as coincidências viciadas, muito mais exemplos poderiam ser dados. E quem está atento (quem quer estar, sobretudo) sabe-o bem.
De resto, de assinalar as muitas alterações no onze do Sporting: Miguel Lopes cumpriu, mas continuo a achar que não dá a mesma profundidade de Cédric; André Martins, sem brilhar, esteve bem e porventura mais assertivo do que Adrien se tem apresentado; Mané não é, definitivamente, melhor do que Carrillo na actualidade; Tanaka está confiante e as coisas saem-lhe bem, embora me pareça que, nesta forma de atacar, Slimani vai ser sempre a primeira escolha de Marco Silva, assim esteja disponível. Do lado do Gil, pouco futebol e muito Adriano. Só assim evitaram a goleada.
A Figura:
Adriano – As defesas a Mané, na primeira parte, a Nani, de livre directo, e as diversas boas saídas dos postes foram muitíssimo positivas. Mas a defesa à finalização de Tanaka foi incrível.
O Fora-de-Jogo:
Jorge Tavares – Acaba por não ter influência no resultado, devido à superioridade do Sporting e devido ao falhanço do Gil na sua melhor oportunidade de golo, mas cometeu erros graves que poderiam ter mudado a história do jogo. Para além dos lances mencionados, é incrível como Semedo não vê o segundo amarelo e como foi muito mal assinalado um fora-de-jogo a Tanaka pouco antes de isolar Carrillo.
Depois do jogo do passado sábado, inúmeras foram as críticas dirigidas a Rui Patrício e, conseguindo dar de barato a graçola fácil para um qualquer adepto de clube rival, não consigo perceber os Sportinguistas que tão repentinamente se esquecem do que o guardião já deu ao Sporting Clube de Portugal.
Antes de continuar este texto, quero aqui ressalvar que fui um dos críticos de Patrício, aquando do seu início de carreira no meu clube. Continuo a achá-lo banal ao nível de jogo de pés e com alguma insegurança em momentos de aperto. No entanto, não valorizar a evolução do internacional português é digno de alguém que só ver uma cor – encarnado, por exemplo – à frente .
Dizer que um verdadeiro Sportinguista não crítica os jogadores do seu clube é demagogia bacoca e duma inverdade gritante. Quem nunca criticou um Krpan? Quem nunca se riu do Marian Had? Quem era capaz de ver um domínio de bola do Ribas sem soltar uma ofensa? Agora o que não podemos esquecer é daqueles que nos fazem bem, que estão lá nos momentos certos, para fazer exibições gigantes como a que Patrício realizou frente ao Chelsea em Alvalade esta temporada.
Durante épocas a fio, o capitão do Sporting tem vindo a ser um dos principais pilares do clube e do balneário, sem nunca levantar ondas, sem pedir – pelo menos publicamente – aumentos salariais ou exigir transferência para clubes que apoia desde infância. No entanto, grande parte dos Sportinguistas padece dum problema português, a necessidade de sentir falta, de suspirar pelo que já não tem; no fundo de sentir a tão nossa Saudade.
Sporting – Chelsea. Rui Patrício foi simplesmente brilhante Foto: Facebook Oficial do Sporting Clube de Portugal
E, muito provavelmente, Rui Patrício irá um dia sair do Sporting para experimentar outros campeonatos; e eu irei ter medo desse dia. Porque ter um guardião como o nosso custará muitos milhões ao nosso clube, ou então será preciso “criar” um novo Damas na Academia. Não devemos ter palas nos olhos, não podemos ser mal-agradecidos. Até aqueles que nas bancadas e nos sofás dizem que nunca gostaram de Patrício já aplaudiram as suas defesas, já festejaram as vitórias que ele nos deu; seja no Sporting ou na selecção.
Por fim, queria falar da Sagres e dos Charlies que apareceram esta semana. Não vejo nenhum problema no anúncio que a cerveja holandesa criou,e até lhe reconheço alguma piada e vanguardismo. No entanto, creio que esta mesma campanha comercial deveria continuar, com a mesma originalidade e para com todos os clubes, jogadores, árbitros e erros. Adoraria ver um anúncio sobre o grande penalidade para o Porto que apenas Paulo Baptista viu, e após a terceira imperial, ou o golo limpo anulado ao Moreirense que apenas Capela, que estava ao balcão não apanhou.
Resumindo, e evocando uma frase dum dos melhores filmes de sempre…“O Captain, my Captain!”. Obrigado, Rui!
Há bem pouco tempo assistiu-se a um episódio que ficou (tristemente) célebre. Durante o jogo – podemos dizer – de maior rivalidade em São Paulo, o Palmeiras – Corinthians, ou vice-versa, mas no caso era assim a ordem onomástica, houve confrontos entre os adeptos, simpatizantes, torcedores, ou meros peões nas ruas. De ambas as equipes. Não adianta falar e vir argumentar que se trata do problema de xis ou ípsilon. A questão é muito mais profunda. Já faleceram adeptos de várias equipas por esse Brasil fora. Alguns simples cidadãos, que mais não tiveram culpa de terem escolhido ser torcedores da equipa errada. Num duelo sempre apetecível entre Palmeiras e Corinthians – duas equipas que têm, entre si, treze campeonatos conquistados e mais outros títulos de importância, como uma Libertadores cada um – mais uma vez o que ficou para a história foi o que se passou fora das quatro linhas.
Verdões e alvi-negros encontravam-se para a terceira jornada do Paulistão: o campeonato Estadual Paulista. Tinha tudo para ser uma festa… mas antes do encontro já se registava violência nas ruas. A polícia de choque teve de intervir e até vários batalhões da Polícia Militar também entraram em cena. Famílias pacatas viram-se, entretanto, emaranhadas no meio da confusão e acabaram por ficar em pânico. No saldo da confusão, cinco adeptos do Palmeiras foram presos. A justiça brasileira – célere nesta questão, mas, infelizmente como a nossa, lenta noutras de outras latitudes – decidiu que aqueles cidadãos não podem ver os jogos do clube durante três anos. Nesse período, sempre que o Verdão jogar, eles terão de se apresentar na esquadra, ou efetuar serviço comunitário até ao final de cada partida. Este, de resto, foi um método usado pelos ingleses para se livrarem do hooliganismo dos anos 80. Resta saber se esses rapazes não causarão distúrbios noutros jogos que não os do Palmeiras… Só o tempo dirá.
A torcida do Timão Fonte: Wikipedia
Não quero personalizar a situação. Nenhuma instituição deve ser conotada com o comportamento menos correto de dois, ou três. Não há questão mais filosófica do que a que está exposta no título. Mas, neste caso, se assim continuar, seja no Brasil ou noutro lugar, eu sei para onde vamos: para trás. Bem para trás. Porque nem no Neolítico o ser humano se comportava assim.
Posse de bola: 33% – 67%; remates: 2 – 13; remates à baliza: 1 – 7; cantos: 3 – 15; ataques: 62 – 167. Achei por bem começar este texto com estas estatísticas, antes de me alongar – relembro que a equipa visitante foi o Sport Lisboa e Benfica. Já sei que as redes sociais estarão cheias de sábios, que em tentativas de inteligência falarão sobre o jogo desta noite. Isto porque, verdade seja dita, a “coisa” não estava nada fácil. Exibição fraca das papoilas encarnadas, mas vitória justa. Vamos lá a isto então.
A partida começou com um remate perigoso de Alex – o avançado de Moreira de Cónegos provava que este Moreirense jogava com ambição. Depois dos primeiros dez minutos, o Benfica encaixou na partida e mostrou-se superior em todos os momentos do jogo. O Moreirense jogava recuado no terreno e os encarnados tentavam inaugurar o marcador – sobre isto, dizer que o Benfica se apresentou com limitada capacidade criativa, poucas ideias e uma bola ao poste ao minuto catorze. Salvio e Ola John pouco inspirados, a condicionar o processo ofensivo encarnado. Depois disto, o inesperado apareceu. Ao minuto trinta e cinco, André Almeida perde a bola e o Moreirense, num contra-ataque rápido, estreia as redes da baliza de Artur. 1-0 para a equipa visitante. O intervalo veio mesmo a seguir (foram dez minutos, mas pareceram dois). Uma primeira-parte dum Benfica mole e um Moreirense atrevido, com alas rápidos e um meio-campo solidário. Descanso de quinze minutos, excelente oportunidade para o Jesus apertar com eles.
O segundo tempo trouxe um Benfica mais rápido. Mais atrevido. E com o mesmo espírito dominador. Passados dez minutos, canto na direita e o Capitão Luisão a não dar hipótese a Marafona. Sobre este canto, três notas: primeira, o canto era na verdade inexistente; segundo, preciso de ver mais repetições sobre este lance para confirmar se seria penálti ou não; terceiro, como já sei que os sábios andam por aí, ficou um canto por marcar para o reduto encarnado na primeira-parte (lance do Maxi). Outras notas: o golo trouxe justiça ao resultado, obrigado Capitão, estava a ver que não… De seguida (dois minutos depois), André Simões foi expulso – sobre isto pouco a dizer: ainda não tenho o grau de sábio, significando que não consegui ouvir ou perceber o que este terá dito ao árbitro. No entanto, posso revelar que me pareceu que o jogador do Moreirense não ficou surpreendido com o cartão (apenas sorriu, nada mais). Ultrapassando os factos que não fazem a bola rodar, chegou o minuto sessenta e cinco. Hoje, o minuto da reviravolta. O Sport Lisboa e Benfica voltou a ser líder no resultado (já o era no campo e fora dele). Golo de Eliseu, num remate fora da área onde o guarda-redes de Moreira de Cónegos não fica isento de culpas.
Festejos encarnados depois do golo Fonte: Facebook do Sport Lisboa e Benfica
A partir daqui tudo se resume a poucas palavras: a expulsão fragilizou demasiado o Moreirense, que sem bola e com muito espaço para dar foi ficando cada vez mais recuado. No outro lado, o Campeão Nacional aproveitava para juntar alguns pontos percentuais na posse de bola e nos remates à baliza. E como quase que não há vitória sem o Imperador Jonas fazer das suas, lá foi mais um ao minuto setenta e três. E assim foi: vitória dos encarnados por 3-1. Decidi escrever menos hoje por duas razões: primeiro porque o próprio Benfica não me deu muitas razões para me sentir inspirado, e segundo porque deixo o resto das palavras para os sábios: esses sim, sem ninguém saber porquê nem como, terão toda a motivação e (des)inspiração para se fazerem de esclarecidos e sabedores.
Deixo um parágrafo de desilusão pela fraca primeira parte do nosso Sport Lisboa e Benfica, mas com o alívio de quem venceu uma partida difícil, num campo complicado. O sorriso da firme liderança também por cá anda. Um abraço e até para a semana.
A Figura: Os três pontos – Não me ficou muito mais que isto depois dos noventa minutos. Ficou a vitória, justa e trabalhosa.
O Fora-de-jogo:
Nico-dependência – Este Benfica está dependente da criatividade do génio Nico. Não que isso não seja normal, quem tem um Nico está sempre dependente dele – é isso o que os génios trazem ao futebol. No entanto, há que combater esta ausência do argentino com muito mais ideias do que as de hoje.
15 de Setembro de 2002, tarde de sábado, imensa chuva. O estreante Moreirense, em matéria de 1.ª Divisão, recebia o Benfica no Estádio 1.º de Maio, em Braga, em virtude do seu estádio ainda não ter capacidade para acolher transmissões televisivas, em partida a contar para a 3.ª jornada da então Superliga. Manuel Machado era o treinador da equipa minhota, ao passo que Jesualdo Ferreira treinava um Benfica que não se sagrava campeão nacional desde 1994. Os muitos espectadores presentes tiveram o privilégio de assistir a um excelente jogo de futebol, muito intenso, marcado por várias alternâncias no marcador e que culminaria com um triunfo dos encarnados por 3-2.
Na altura, e eu próprio me incluo nesse lote, poucas pessoas esperariam algo de relevante de um Moreirense, equipa pertencente a uma localidade pequeníssima e sem qualquer tipo de tradição em termos futebolísticos. Contudo, talvez tenha sido este jogo a provar que dali para a frente teria que se contar com a equipa de Moreira de Cónegos, equipa essa que tinha um estilo de jogo bem definido, bem à imagem do actualmente tão conhecido Manuel Machado. Já o Benfica, apesar de estar na altura a trilhar o seu caminho de retoma, ainda era um clube com muitos problemas por resolver e ainda para mais na era do FC Porto de José Mourinho, quase intransponível em Portugal. Todavia, e com um bom início de campeonato 2002/2003, os adeptos benfiquistas renovavam as suas esperanças na hipótese de verem quebrado o jejum de títulos. Mas este desafio disputado em Braga foi o espelho daquilo que era o Benfica da época: períodos de bom futebol alternados com momentos de desorientação total. O golo madrugador de Nuno Gomes (regressado ao clube nessa temporada) logo aos 3 minutos não serviu minimamente para tranquilizar as águias, que aos 40 minutos já estavam a perder por 2-1, com tentos de Demétrios (quem não se recorda deste ponta-de-lança brasileiro que teve na passagem pelo Campomaiorense o seu momento alto da carreira) e de Armando, uma das figuras do então primodivisionário Moreirense.
No segundo tempo, autêntico assalto à baliza do internacional angolano João Ricardo, mas a verdade é que o Benfica só passou para a frente do marcador com o benefício de duas decisões polémicas de arbitragem: grande penalidade muito duvidosa a seu favor e que culminou com um golo do “especialista” Simão e golo da vitória obtido pelo malogrado Fehér, num lance que pode ter sido precedido de falta por parte do futebolista húngaro. Sendo assim, vitória arrancada a ferros por parte de um Benfica que só ganharia estabilidade com a chegada de José Antonio Camacho, meses mais tarde, perante um Moreirense que desde logo mostrou que não faria figura de corpo presente no principal escalão do futebol português, como se pode comprovar pelo facto de actualmente ainda se encontrar na alta roda do futebol luso.
2003/04: Sporting 1-0 Gil Vicente – Primeira Liga Portuguesa
Na noite de 29 de Setembro de 2003, em jogo respeitante à 6ª jornada do campeonato, o Sporting de Fernando Santos recebia o Gil Vicente de Mário Reis. No novíssimo Alvalade XXI, os leões viram-se e desejaram-se para derrotar a formação gilista, muito bem organizada defensivamente. Triunfo por 1-0 para a equipa da casa que não merece a mínima discussão, tal a forma como o Sporting massacrou o Gil Vicente, principalmente no segundo tempo. Num relvado em más condições, só deu Sporting ao longo de todo o jogo, mas foi à bomba que o conjunto lisboeta obteve os 3 pontos, através de um forte remate de fora da área de Rodrigo Tello quando o relógio já marcava 94 minutos de jogo.
Num Sporting que ainda contava com jogadores como João Pinto ou Pedro Barbosa, e que havia adquirido no mercado de Verão o guarda-redes Ricardo, Rochemback e Liedson, Fernando Santos tentou suplantar o domínio do super FC Porto, que nessa época viria a sagrar-se campeão europeu, mas sem sucesso. Um dos aspectos a retirar desta partida, e que durante anos foi um dos clássicos do futebol cá do burgo prendeu-se com a excelente exibição de Paulo Jorge, guarda-redes do Gil Vicente, e que por norma realizava tremendas exibições frente aos grandes. Diga-se que estamos a falar de uma altura em que o Gil Vicente nem costumava passar por grandes sobressaltos na tabela classificativa, em virtude dos seus plantéis de qualidade e que por aquele tempo praticavam bom futebol. Porém, esta partida em Alvalade foi uma daquelas em que a palavra “autocarro” ganha muita força, tal foi a forma como Mário Reis apenas montou a sua equipa com o intuito de não sofrer golos.
1996/97: Boavista 0-2 FC Porto – Primeira Liga Portuguesa
Derby à moda do Porto, jogo com enorme tradição no futebol português, tantas e tantas histórias para contar sobre este apaixonante desafio. Desta vez viajo até ao dia 23 de Março de 1997, tarde de domingo, velhinho Estádio do Bessa sem espaço para caber mais gente. Que saudades destes jogos em plena tarde de domingo, em que todas as telefonias deste país saíam da mesa de cabeceira. Lá, no relvado do Bessa, o Boavista orientado por Mário Reis e que contava com uns tais de Jimmy Floyd Hasselbaink e de Nuno Gomes na frente de ataque recebia um tremendo FC Porto de António Oliveira que fez desta temporada um quase autêntico passeio rumo ao tricampeonato. Todavia, em finais de Março de 97 os dragões estavam a passar por aquele que foi o seu único período de mínima crise ao longo da temporada. Estávamos na 24ª jornada e a equipa das Antas vinha de três jogos sem vencer (derrota, empate, derrota), tendo um emergente Sporting treinado por Octávio Machado à espreita (o Benfica andava pelas ruas da amargura).
Como tal, uma ida ao Bessa era tudo menos desejável, derivado da grande qualidade do plantel axadrezado. Mas o FC Porto voltou às vitórias neste desafio, naquele que muitos críticos consideram ter sido o jogo-chave da época 1996/1997 para os campeões nacionais. Mas desenganem-se aqueles que pensam que foi um Jardel (estava na sua primeira temporada ao serviço dos azuis-e-brancos), um Zahovic (outro reforço para aquela época), um Edmilson ou um Drulovic a resolver. Foi Fernando Mendes, lateral-esquerdo do FC Porto, que numa tarde inspiradíssima deu de bandeja os três pontos aos comandados por António Oliveira. Através da soberba execução de dois livres directos, Fernando Mendes garantia uma importantíssima vitória para o seu clube, que a partir dali voltou a dominar a prova a seu bel-prazer, culminando então com a conquista do tricampeonato. De referir que o Boavista acabaria por vencer a Taça de Portugal, derrotando na final do Jamor o Benfica por 3-2. Carregando nesta tónica, adoro sempre rever o resumo deste jogo, em virtude do ambiente no Bessa. O ano de 1997 não foi assim há tanto tempo, mas ai como as coisas mudaram…
Há uns meses atrás, dizia-me a minha mãe: “Filha, tenho uma nova estratégia: agora, quando não tenho paciência nem quero gastar energia com idiotas, finjo-me de morta”. Como bom aluno que aprende com o seu experiente mestre, meditei na altura uns segundos sobre a eficiência da coisa, e comecei também a pô-la em prática. Dá um jeitaço dos diabos, às vezes…
Quem me conhece de petiz, sabe que sempre tive o infeliz dom de envergonhar quem comigo vê os jogos do Sporting. Eu própria, se me acompanhasse em tais circunstâncias, só quereria um buraco para desaparecer, tamanho o chorrilho de coisas e palavras inoportunas e pouco agradáveis – os eufemismos soam sempre melhor! –, que daqui saem durante os jogos do Sporting. É relativamente vulgar, até, aproveitar tais momentos para relembrar os meus largos anos de karaté.
Com o passar dos anos, com o avançar da idade, comecei a achar que não tinha piadinha nenhuma ver uma Senhora a espernear e a gritar uma alarvidade de impropérios irreproduzíveis em cada conjunto ordenado de palavras que profere. Aos poucos, como tudo na vida, serenamos e aprendemos a dominar os nossos impulsos. Tinha chegado a hora de eu aprender a ver futebol, sem com isso comprometer o que quer que fosse. Acho que consegui. Ou quase… A minha avó acha que não: da última vez que viu um Sporting-Benfica, em Alvalade, comigo e com o meu avô, passou a primeira parte toda com os dedos a tapar os ouvidos. Na segunda, ficou-se pelas poltronas do Hall interior dos Camarotes, a ver o jogo pela TV. Mas ela é suspeita – e benfiquista. Não tem voto na matéria, portanto.
O Sporting tem o dom de fazer renascer as piores facetas que existem em nós. Deve ser isto aquilo a que as pessoas chamam amor, só pode ser isso, essa coisa de que tanto fugimos, mas que tão pouco controlamos: nele, no que de melhor nos caracteriza, o pior de nós também se revela. Eu, que tanto e tão conscientemente me auto-eduquei ao longo dos últimos anos, tenho voltado a revelar-me nas últimas semanas. Infelizmente, e para mal dos meus pecados.
Temos sido mansos, dignos até do diminutivo “mansinhos”, aquele com o qual tratamos as coisas fofinhas, às quais fazemos festinhas, mas que não tememos, de todo. E se há coisa que eu não suporto é a ideia de um Leão adormecido, sem juba e que não se faz respeitar. Isto não somos nós. Isto não é o Sporting. Isto não pode ser o Sporting. Isto é, ao invés, tudo aquilo que o Sporting não é e nunca poderá ser.
Por isso, e também porque me recuso a tecer comentários sobre a total ausência de brio que vimos no Restelo, e ainda sobre o quão irrisório foi termos lançado o Capel a jogo assim que nos vimos na frente do marcador, diante do Benfica, vou fingir que morri nestes dois últimos fins-de-semana, despedindo-me com um óbvio, muito óbvio, mas tão óbvio que me dá pena do horrivelmente óbvio que chega a ser: “Rapazes de verde e branco, joguem à bola, que a Camisola é para suar”!